Por Ivenio Hermes
(Publicado originalmente no Jornal De Fato, Coluna Retratos do Oeste)
Vivendo sob a escravidão, tirania e as mais variadas práticas de desrespeito, um dos primeiros regramentos da conduta social com vistas à igualdade foi a Lei de Talião, numa implacável reciprocidade de punir com a mesma intensidade e da mesma maneira que fora a ofensa. Contudo, as sociedades evoluíram e precisaram de um código com maior amplitude na penalização, onde o homem não precisasse mais ser o próprio carrasco de seus agressores e houvesse a chance da ressocialização do infrator.
Esse pacto civilizatório estabelecia que o Estado fizesse esse papel de aplicador de penas, dentro de um sistema de prestação de serviço onde foi necessária a criação do agente encarregado de aplicar a lei.
Há cerca de duas décadas no Rio Grande do Norte, os gestores públicos pararam de dar atenção ao crime como resultado da ausência do próprio Estado em cumprir sua parte gerando educação de qualidade, saúde para todos e segurança pública baseada no respeito aos direitos fundamentais do ser humano. Essa atitude omissiva despertou no homem médio, aquele a quem a educação não beneficiava, o sentimento de vingança, já confundida com a justiça, a fim de ver executado um malfeitor pressuposto ou real que não era punido pelo Estado.
Numa ação de ricochete, famílias declararam guerra umas às outras, ceifando vidas lá e cá, num processo de aniquilação mútua que extinguiram clãs familiares inteiros.
A presença policial insignificante não era uma preocupação dos gestores, que fingindo ignorar a existência da endemização do crime devido à impunidade, continuavam a deixar que as consequências dessa impunidade se projetassem num futuro que parecia distante e outros gestores teriam que resolver.
A impunidade reinante promoveu o crime contra a mulher, contra as minorias marginalizadas, a prática de crimes do colarinho branco, o tráfico de drogas, a prática da justiça dissociativa da penalização produzida pelos grupos de extermínio e um incentivo para que a população praticasse o justiçamento.
A ineficácia da atuação policial cujo efetivo não é efetivamente renovado e nem passa por treinamentos de capacitação constante, além da negação do estabelecimento do crime organizado através de facções criminosas como o PCC pelos próprios gestores de segurança pública, fez do RN um polo atrativo de criminosos dos estados circunvizinhos e de outras regiões.
O crime costumeiramente praticado nos mais distantes rincões do Estado Elefante encontrou-se com o crime organizado de outras regiões, e seus praticantes foram sendo aceitos e alguns casos até protegidos por aqueles que se tornaram reféns da falta de ação do Estado.
Como numa relação que fora pactuada e uma das partes não cumpriu suas obrigações, os governantes do Rio Grande do Norte poderiam ser objetos de ações indenizatórias pelas perdas patrimoniais, pelas perdas de vidas e pela gradual perda de qualidade de vida do cidadão potiguar.
Em outro palco, a polícia foi vilanizada por representar a ação coercitiva do Estado que somente funciona contra as minorias. Quem morre e não obtém resposta estatal são pobres e sem recursos, marginalizados pela sua condição social, enquanto quem é rico ou detém algum tipo de poder, recebe esforços concentrados para a solução imediata dos crimes contra eles praticados.
Até 31 de outubro de 2013 foram praticados pelo menos 1299 crimes violentos letais e intencionais no Estado, segundo Marcos Dionisio Medeiros Caldas, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, estabelecendo uma média de mais de 4 homicídios por dia, um número estarrecedor, evidência de que nem a abundância de leis que regem nossa sociedade, sem políticas públicas verdadeiras de segurança e sem real planejamento estratégico, é capaz de frear o avanço da criminalidade e o processo de involução social na qual o RN está envolvido.
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SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.