Sobre a solução de crime de homicídio, a quantidade e qualidade na Investigação e a definição de prioridades em segurança pública.
(Publicado originalmente no Jornal De Fato, Coluna Retratos do Oeste)
Por Ivenio Hermes, Marcos Dionísio e Cezar Alves
Definições
Quando um crime de homicídio é cometido muitas circunstâncias podem estar envolvidas, e a complexidade do fato varia de acordo com os envolvidos, o que pode tornar mais simples ou mais dificultosa a ação investigativa.
Para que o resultado de uma investigação seja bem concretizado é preciso que os elementos essenciais do crime de homicídio sejam bem definidos, assim não restará dúvidas, pelo menos do ponto de vista investigativo, daquele mote determinante do resultado final pretendido pelo autor.
É preciso conhecer a vítima, o lugar onde o crime foi praticado – pois segundo Ribeiro (2006), “quem não sabe onde o crime aconteceu, muito menos sabe exatamente onde procurar a prova” – o tempo, ou seja a data e a hora, o instrumento utilizado para o cometimento do crime e assim buscar determinar do motivo e identificar o autor.
Esforço Investigativo
No caso do assassinato do Promotor de Justiça Thiago de Farias, assassinado a tiros na manhã do dia 14/10/2013, no município Itaíba/PE, alguns pontos ficaram logo bem esclarecidos, como o conhecimento dos hábitos regulares e da atividade da vítima, o que acelerou o processo de estreitar o leque de possíveis autores.
Thiago costumava se deslocar de Águas Belas, onde residia, pela Rodovia Estadual PE-300, para o Tribunal de Justiça da cidade onde trabalhava, Itaíba, perfazendo um trajeto de pouco mais de 40 km, contudo, espaço e tempo mais do que suficientes para o cometimento do crime, haja vista o relevo da região.
Com a vítima, local e tempo definidos, restava conhecer o instrumento e identificar a autoria. Apesar de ter sido divulgado inicialmente que a vítima fora alvejada por 20 disparos, pela constatação no local e pela perícia foram constatados quatro disparos de uma espingarda calibre 12.
Foi conhecido da equipe de investigação que o promotor havia assumido o cargo em novembro do ano passado e que ele estava envolvido numa disputa pessoal por terras, junto à família da noiva, que teria adquirido parte de uma fazenda de 25 hectares por 100 mil reais em um leilão. Isso conduz imediatamente ao motivo do crime, que seria de ordem patrimonial, pois surgiu do interesse pelo patrimônio querelado.
Com base no depoimento das testemunhas, a saber, a noiva do promotor, o tio dela que estavam no carro com ele e outros não divulgados, a polícia concluiu que o carro da vítima fora seguido por outro veículo, bloqueado na estrada e logo após o primeiro disparo, os assassinos desceram do carro e executaram o promotor.
Os assassinos provavelmente foram contratados, pois não tiveram interesse em matar Mysheva Freire Ferrão Martins, a noiva do promotor, que estava no banco do carona, conseguindo sair do carro com alguns arranhões e sem ser atingida diretamente pelos disparo, e nem tampouco de matar o tio dela, Adautivo Elias Martins, que estava no banco traseiro e se jogou no chão do veículo escapando ileso.
Como se tratava de pessoa de interesse público e não somente uma vítima qualquer, o crime recebeu mais evidência acima do comum. Foi Wilson Damázio, o Secretário Estadual de Defesa Social, quem deu a conotação de “prioridade um” ao caso e conseguiu colocar uma força tarefa de quase 100 policiais das Polícia Civil, Militar e Federais, dentre eles, dois delegados enviados imediatamente para Itaíba.
Essa ação imediata evitou que provas fossem perdidas, que o local do crime fosse maculado e que as testemunhas esquecessem dados relevantes. Juntamente, a qualidade de trabalho dos investigadores, a ação da polícia ostensiva, e a interação entres as entidades envolvidas, levou ao rápido desembaraço dessa cadeia criminosa.
Logo foi apontado o fazendeiro José Maria Pedro Rosendo Barbosa, conhecido “Zé Maria de Mané Pedo” que já responde a outros processos criminais relacionados a homicídios, como o mandante da execução do promotor. E isso remonta à uma situação anterior, pois no passado, o pai de Mysheva, a noiva do promotor, foi inclusive acusado de uma tentativa de homicídio contra o suspeito de ser o mandante. Daí somando aos motivos a rixa entre as famílias.
Mas gota d’água para o desejo de matar do fazendeiro fora uma denúncia recente de que ele teria cometido de crime ambiental, inclusive contendo fotos, feita pelo promotor assassinado.
O suspeito da ação imediata que extinguiu a vida de Thiago de Farias foi identificado. Trata-se de Edmacy Cruz Ubirajara, cujo advogado é filho do suspeito mandante. O motorista do veículo também já está sendo identificado por uma testemunha cujo nome não foi divulgado por proteção.
Parametrização Potiguar
Trazendo o tema para enquadrá-lo na realidade do Rio Grande Do Norte e, à distância, confrontando-a com a realidade Pernambucana, temos que, ainda que tenhamos que reconhecer um esforço do governo estadual pernambucano em procurar combater a violência, a forma de se fazer Segurança Pública continua a escapar de qualquer controle social e de uma rígida observação de princípios republicanos. Sendo ainda um administrar de reação, por vezes pautado pela mídia, por denúncias ou por fraturas expostas ou, como se convencionou clivar aqui no RN, uma reação de policiamento judiciário de cobertor curto.
A morte de um Juiz, Promotor, Procurador, Advogado pela natural marola que a dor e o corporativismo provocam, tenciona os órgãos responsáveis por nos prover da mínima segurança pública e a buscar rapidamente a elucidação dos fatos.
Como, no Brasil, só se nasce igual perante a lei no conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos e na letra da Constituição Cidadã e tem-se uma vida que cruelmente na prática, vai bateando cidadãos de primeira e segunda categoria, suspeitos ou acima de qualquer suspeita, a eficiência encontrada na elucidação de casos que tem como vítimas pessoas de interesse, serve para comprovar de que há recursos humanos, conhecimento técnico e disposição em se virar o jogo contra a impunidade. Falta gerenciamento, recursos materiais e liderança para se fixar prioridades, estabelecimento de metas e monitoramento social para assegurar a transparência e independência funcional negada pelo coronelismo de mando.
O sucesso da Polícia Pernambucana na rápida elucidação do caso do promotor assassinado e na feliz elucidação dos sequestros de familiares de amigos do poder local, mostra que é possível ser eficiente, esclarecer crimes, salvar vidas e inibir a criminalidade com uma cabal demonstração de eficiência das instituições.
Mostra, todavia, a distância lunar que nos separa de uma gestão republicana. Há pouco, conhecemos operadores da Polícia que ainda não receberam as diárias referentes aos episódios dos sequestros felizmente elucidados sem vítimas fatais.
O problema ainda reside nos critérios e na velocidade para fixações de prioridades um. Porque é fácil arregimentar recursos materiais e humanos para elucidar casos que tenham como vítimas os amigos do poder. Difícil é o trabalho ordinário da polícia judiciária alcançar as famílias enlutadas de nossas periferias em razão da falta de estrutura, pessoal e liderança hierarquizada.
Parafraseando George Orwell, “há vítimas que são mais iguais do que as outras perante a lei”. Porcinos e Rosados continuam a valer bem mais que as mães das crianças sequestradas do Planalto, ou as dores de José Felipe ou ainda que Marcos Maciel Alves? Não, não valem mais e somos radiantemente felizes pelo resultado alvissareiro auferidos nos seus casos. Mas, “quem decide e manda” precisa ampliar seus horizontes nos marcos da isonomia constitucional.
Talvez com o atendimento dos recursos reclamados, possa se combater a violência. Para superá-la, todavia, há que se parir uma nova concepção de Segurança Pública e Social estribada na transparência, controle social, orçamento e autonomia financeira de verdade, territorialização da integração institucional, desmilitarização, mais horizontalização do exercício hierárquico, controle social e depuração das polícias dos maus policiais, o que passa, necessariamente pelo fortalecimento das Corregedorias e Ouvidorias, inclusive, com a criação de carreiras próprias para esses órgãos.
Considerações Finais
Os responsáveis pela investigação usaram de conhecimento técnico para dar qualidade ao trabalho. Concomitantemente, o fato de se tratar de pessoa de interesse, com ampla visibilidade, cuja função ou fama é evidente e provoca uma divulgação muito grande na mídia, trouxe para o caso um número de policiais maior que o habitual. Esse conjunto possibilitou a célere visualização da cadeia de eventos e portanto, todo o conjunto de condutas que levaram ao crime, que tiveram sua estrutura operacional devidamente considerada. Mas nem sempre há repercussão bastante para provocar o rápido e eficiente funcionamento das instituições.
Se houvesse mais interesse dos Estados em fortalecer suas polícias, cada uma com suas atribuições dentro do ciclo completo de policiamento, certamente não haveria a predominância de altos índices de criminalidade, e muito menos haveria um número tão grande de famílias que nunca verão a justiça ser feita no assassinato ou desaparecimento de seus entes queridos, afinal de contas, elas não são pessoas de interesse.
Seguindo-se esse caminho com compreensíveis adaptações de tempo e de profundidade, conseguiremos profissionalizar a segurança e a defesa social ou continuaremos a assistir ao show das ilhas de excelência de nossas polícias satisfazendo os herdeiros das Casas Grandes, asfixiando o trabalho ordinário negado ao conjunto da população, sendo que largas parcelas não são herdeiras das Senzalas mas ainda a habitam no abandono, sofrimento e invisibilidade social e cívica.
Não seria demasiado repetir a lição de George Orwell, na Revolução dos Bichos, à guisa de fechamento pela pedagogia inquietante que nos legou: “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que os outros”.
Assim fenecem revoluções, assim a construção da nossa cidadania continua a ser uma tarefa inadiável. Reverter a onda atual de violência é uma preliminar para a garantia do fortalecimento democrático incompatível com a existência de pessoas de interesse e párias cívicas.
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MATÉRIAS DE REFERÊNCIA:
LACERDA, Ângela. Promotor de Justiça é assassinado a tiros em Pernambuco. Estadão. Disponível em: < http://bit.ly/19RdJu2 > ou < https://db.tt/ZblkCDtW >. Publicado em: 14 out. 2013.
G1 PERNAMBUCO (Brasil PE Recife). Editor. Suspeito de ser o mandante da morte de promotor em PE segue foragido: Polícia divulgou, nesta quarta, a foto do suposto autor intelectual do crime. Suspeito de cometer o crime já havia sido preso na noite da terça. G1 PE. Disponível em: < http://glo.bo/19PNjNx > ou < https://db.tt/q9AODRRi >. Publicado em: 16 out. 2013.
G1 PERNAMBUCO (Brasil PE Caruaru). Editor. Suspeito de matar promotor é preso em Itaíba, no Agreste: Delegado Rômulo César confirma prisão, mas não repassa detalhes. Promotor assassinado com quatro tiros foi sepultado no Recife.. G1 PE. Disponível em: < http://glo.bo/19OVwBt > ou < https://db.tt/lUvNdaGX >. Publicado em: 16 out. 2013.
MADEIRO, Carlos. Após assassinato, promotores terão escolta em cidades do agreste de PE. UOL News. Disponível em: < http://bit.ly/1euGQbR > ou < https://db.tt/bxNfY1Mw >. Publicado em: 17 out. 2013.
R7 NOTÍCIAS (Brasil PE Recife). Editor. Após morte de promotor, Ministério Público de PE cria força-tarefa contra criminalidade: Agentes vão atuar em 22 cidades na região onde vítima foi assassinada. R7. Disponível em: < http://bit.ly/17RoYC9 > ou < https://db.tt/nokG9D5o >. Publicado em: 17 out. 2013.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
RIBEIRO, Luiz Julião. Investigação Criminal: homicídio. Brasília: Fábrica do Livro, 2006.
ORWELL, George. A Revolução dos Bichos. São Paulo (sp): Edição Ridendo Castigat Mores, Fonte Digital. 2000. 144 p.
BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA(SENASP). Rede de Educação a Distância para Segurança Pública. Curso Investigação de Homicídios. Apostila.
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SOBRE OS AUTORES:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Marcos Dionísio Medeiros Caldas é Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal.
Cezar Alves é jornalista, Editor do portal do Jornal De Fato e da Coluna Retratos do Oeste, militante na busca por soluções nas áreas de segurança e saúde pública.