Por Ivenio Hermes e Cezar Alves
(Publicado originalmente no Jornal De Fato, Coluna Retratos do Oeste)
Sem temor diante do adversário que se agigantou, os 824 futuros soldados iniciaram uma das maiores e mais longas campanhas que o Estado Elefante já teve em suas entranhas…
Os Guerreiros Esquecidos
O surgimento dos 824 convocados da PMRN foi consequência direta de ações administrativas do Estado.
Primeiro, no dia 31 de dezembro de 2010 foi autorizada via Diário Oficial do Estado, a convocação de 1.596 concursados para prosseguirem no certame iniciado em 2006 promovendo o chamado dos suplentes, homens que haviam obtido um número de acertos suficientes na prova intelectual e que poderiam, em caso de surgimento de vagas – que foi exatamente o que aconteceu – ser convocados.
A etapa subsequente, o teste de aptidão física foi realizado entre 10 de janeiro de 2011 e 15 de fevereiro de 2011 pela própria Polícia Militar, que estaria responsável também pelas 3ª e 4ª etapas, respectivamente a apresentação dos exames médicos e a realização da curso de formação de soldado. 824 homens, sabedores dos índices necessários à aprovação, sabiam que haviam sido aprovados no teste físico e por isso logo fizeram seus exames médicos apenas aguardando a divulgação oficial da 3ª etapa que até hoje não ocorreu.
Concomitantemente, uma turma com cerca de 100 convocados começava um novo Curso de Formação, o que gerava mais certeza da convocação dos 824, e essa mesma turma prosseguiu até o final do curso conseguindo sua nomeação em 26 de julho de 2011, data questionável em se tratando do princípio da Isonomia… Por quê?
Porque o concurso tinha sua validade terminada em 10 de janeiro de 2011, ou seja, no mesmo dia em que novos convocados iniciaram a fase dos testes físicos, não havendo lacuna de tempo que invalidasse o concurso para eles.
A falta de compromisso da Administração Pública com esses convocados se consubstanciou na maior humilhação que eles puderam sofrer e que vem sofrendo desde 2011: a não divulgação do resultado da 2ª etapa, e pior, o silêncio administrativo letal em nada publicar sobre o assunto.
Na expectativa da iminente continuidade do concurso em função da necessidade de policiais e do chamado para a 2ª etapa, muitos deixaram suas cidades, perderam seus empregos e investiram recursos que não possuíam, em busca de serem Policiais Militares. Sem nenhum movimento do Governo, uma comissão foi criada dentre esses convocados para cobrar a divulgação de suas notas e o prosseguimento no certame, afinal, embora o Promotor Público Christiano Baia Fernandes de Araújo, afirme que o chamamento para 2ª etapa não configure a necessidade de haver a 3ª, deve-se convir que não existe razão nenhuma para se convocar concursados para realizarem uma fase subsequente de um concurso, se não fosse com o intuito de ir até o fim.
A Luta dos Solitários
Sem contar com apoio algum do Comando Geral da Polícia Militar, responsável pela divulgação da nota e a mais interessada na vinda desses homens para reforçar o quadro já deficitário policiais, e também sem apoio de associações de praças (soldados, cabos e sargentos), os solitários 824 somente tinham o apoio um dos outros, de seus familiares e uns poucos simpatizantes isolados.
Fibra de guerreiro se conquista na batalha, diante dos problemas que obstaculizam a vitória e que suscitam a forja do bravo para conquistar o que parece impossível. Essa foi a premissa emocional que levou os 824 a realizarem uma mobilização, objetivando saber qual o motivo do silêncio do Comando Geral da Policia Militar em não divulgar o resultado da 2ª fase, haja vista que 30 dias haviam decorrido do término das avaliações. A resposta veio do próprio Comandante da Policia Militar do Estado, o Cel. Francisco Canindé de Araújo, que informou que não o fez porque o concurso estaria sob judice, o que em tese impediria essa divulgação e a posterior convocação para a fase seguinte.
Ocorre que a convocação do para a 2ª fase se deu 11 dias antes do vencimento do certame, portanto, dentro do prazo de validade, reafirmando o direito liquido e certo para investidura do cargo. E para esse entendimento existe abundância de jurisprudências favoráveis. Dentre elas, destaca-se aquela que aponta que quando por ato inequívoco do Estado ou quando da existência de vagas, a continuidade do concurso é liquida, certa e garantida, uma vez que os aprovados em concurso público, nestas situações especificas, passam a ter não mais mera expectativa de direito, e sim direito subjetivo a futura convocação e posterior nomeação.
Mas foi próprio Ministério Público que gerou o maior obstáculo jurídico ao ingressar com o pedido inicial para declarar que o vencimento do concurso fosse no dia 10 de janeiro de 2011, enquanto o Estado do Rio Grande do Norte, através de seus procuradores, argumentavam que o prazo final do certame seria de 14 de fevereiro de 2010.
O prejuízo ocasionado por esse desentendimento entre Ministério Público e o Governo do Estado do Rio Grande do Norte foi impactante na vida dos 824, tanto do ponto de vista financeiro quanto do ponto de vista emocional, levando-os ao paralelismo de ações para continuar na guerra pelo seu direito.
As Batalhas Paralelas
Sem temor diante do adversário que se agigantou, os 824 futuros soldados iniciaram uma das maiores e mais longas campanhas que o Estado Elefante já teve em suas entranhas.
- Campanhas de Doação de Sangue. Múltiplas e sequenciais doações, sozinhos ou inseridos em campanhas maiores;
- Simulações de Treinamento Físico em diversas corridas pela cidade de Natal onde grupos representativos mostraram que continuam em treinamento constante para o Curso de Formação;
- Presença maciça em Audiências Públicas convocadas por Deputados Estaduais como Fernando Mineiro, Márcia Maia e outros interessados na solução desse problema, além de eloquentes discursos proferidos pelos próprios lutadores solitários;
- Recolhimento de 20 mil assinaturas da população potiguar em todo o Estado do RN manifestando apoio;
- Promoção de debates para a discussão de rumos na segurança pública, evidenciando o papel do policial militar como agente encarregado de aplicar a lei de forma cidadã e consciente;
- Busca de apoio de parlamentares na esfera municipal, estadual e até federal;
- Ingresso na ASPRA – Associação de Praças da Polícia Militar do Estado -, mesmo antes de serem soldados, ao custo de 30 reais mensais para obtenção de representação legal daquela associação, além de pagamento de valores extras para subsidiar outras ações que possam advir dessa batalha judicial;
- Busca de reuniões com a Governadora Rosalba Ciarlini para tentar que sua administração seja mais proativa em relação às definições do certame;
- Acompanhamento do andamento judicial em cada instância para onde os processos têm sido tramitados;
10. Publicidade material e virtual através de faixas e camisetas com a frase “824 Convocados PM/RN”, divulgação em massa de informações pertinentes em sites, blogs, grupos e fanpages do Facebook, promoção de “twitaços” com hashtags próprias, aparecimento em programas de televisão de grande visibilidade no RN, além do apoio de repórteres e jornalistas para suas campanhas.
Enfim, incansáveis lutadores que não desistem de seu objetivo.
A Capacitação Emocional
A camiseta com a frase “824 Convocados PM/RN” se tornou um símbolo da batalha desses futuros soldados, futuros policiais, homens forjado na humilhante batalha pelo seu direito. Entretanto, o maior símbolo está dentro deles, o desejo de servir à sociedade através da promoção de serviços de segurança pública dentro daquela instituição para a qual se sentem vocacionados.
Não é pelo salário que eles lutam, afinal, um sonho não se mede pelo salário e sim pelo orgulho de pertencer¹… Eles batalham pela prevalência da dignidade, marginalizada e relegada a segundo plano, que já os habilita a serem melhores policiais no dia de sua, se Deus quiser, efetivação na carreira.
É por isso que esse artigo não termina aqui, e na sequência serão vistas outras nuances dessa história que precisa ser contada em detalhes para que a sociedade potiguar conheça os bastidores da luta pela segurança pública no Estado Elefante.
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SOBRE OS AUTORES:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Cezar Alves é Fotojornalista e Editor do Jornal De Fato e da Coluna Retratos do Oeste.
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REFERÊNCIA:
¹Referência à frase de Marcos Dionísio Medeiros Caldas, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal.