Ontem, 21 de setembro, artistas de diversas linguagens (fotografia, música, artes plásticas, teatro, performance) realizaram a intervenção “O Sabor que Poucos Sabem” na frente do MADA (Festival de Música – Música Alimento da Alma) em Natal/RN.
Os artistas Diego Bezerra, Carol Piñeiro, Juão NIN, João Pedro Tavares e Camila Guerra estavam representando a si mesmos como mendigos e andarilhos, pediam ajuda a quem estava presente discutindo sobre a falta de apoio público e privado para promover a arte no Rio Grande do Norte, sobretudo na capital potiguar.
A intervenção nos espaços culturais monopolizados por determinados poderes disseminou reflexão através de ações que questionaram o eixo cultural e atentaram para perspectiva do fazer político despreocupado com a transformação social no RN. A falta de incentivo financeiro, o território cultural e a dificuldade de reconhecimento do artista potiguar é uma problemática que atinge todas as linguagens artísticas, um aponte da realidade seria que sequer o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão dialogam com os artistas locais excluindo qualquer tipo de representatividade.
Na cidade e no RN perpetuam-se práticas em que não existe o fomento contínuo público ou incentivo privado necessário para artistas desenvolverem suas atividades e, por consequência, não atingem comunidades com o seu fazer, promovendo lazer, crítica e o empoderamento que a arte essencialmente promove. Na configuração das caraterísticas da cidade Natal perpetua uma identidade de classe média que valoram prioritariamente produções nacionais e estão presentes em eventos privados com um valor de ingresso acima do que pode ser considerado acessível.
Tal cenário é característico de uma cidade em que elites buscam deter o poder econômico e disseminar uma lógica manipulando a história cultural das terras potiguares, causando lacunas no reconhecimento de nossa identidade cultural local e contribui para perpetuar a lógica americanizada dos desfiles em shoppings e praças de alimentações.
A arte é transgressora em sua essência e promove fluxos de transformação social e política, está intimamente relacionada com eixos como a educação e reconhecimento de identidade cultural de territórios.
A cena não é estática e vêm sendo transformada pelos próprios artistas durante anos, no aumento da criação de produções independentes, bem como a construção de novos espaços culturais promove um fazer autogestionado e autônomo importante para a cidade, para os atores dessas práticas e para identidade social.
O que vem sendo discutido é que a falta de fomento efetivo e contínuo de outros poderes fortalece ainda mais a manutenção de um fazer mais fechado entre os próprios artistas em que o artista agrega diversas funções na produção cultural e se perde o diálogo com um público maior transformando muitos artistas no publico deles mesmos.
A intervenção “O Sabor que Poucos Sabem” questionou o lugar de uma minoria: os andarilhos que vivem nos centros urbanos e são criminalizados por poderes na tentativa de esvair-se de uma responsabilidade social. Quanto privilegiados artistas também de uma classe social puderam colocar-se em uma representação de “mendigos”, experienciar em algumas horas tais papéis sociais e ter uma vivência desse lugar social, embora não efetivo como estes estão diariamente.
Uma das reflexões do processo é que torna-se preciso pensar a arte além dos processos e práticas institucionalizas, é preciso levar a arte para outros territórios com a representação efetiva de nossas questões e trazer a tona seus ruídos, mostrar-se artista, mostrar-se ator social e agente de transformação ao mesmo tempo que se busca fomento financeiro de outros poderes. Nesse cenário, a autogestão, a união e solidariedade entre os artistas contra os mecanismos de poderes que sufocam os seus fazeres são os aspectos transformadores importantes.
Um dos artistas, Diego Bezerra expôs em um depoimento:
“Hoje, de fato, sei como é ser invisível. Ser elemento de uma paisagem deixada de lado.
Ser ignorado por pessoas que compram coisas que não precisam, com o dinheiro que não tem, para agradar alguém que não gostam.
Ser ignorado por pessoas que compram seus Range/Land Rover (e que um ano depois os bancos tomam).
Ser ignorado por pessoas que são capazes de mudar. Não me refiro somente a políticos, jornalistas, produtores… Me refiro a todos nós. Todos são capazes de mudar.
É incrível é saber que, pelo menos, algumas pessoas ainda dão valor a sua história, sua vida. Elas olham realmente para o jeito que você é em sua essência, para o que você fez de bom, de ruim e para o que você é que capaz de fazer para transformar.
Contudo, o mais importante foi a reflexão, o momento de introspecção que o acontecido me proporcionou. O sentimento de culpa veio à tona. Culpa por ter feito parte de um grupo de ignorantes.”
Mais fotos: https://www.facebook.com/catarinaalicee/media_set?set=a.3431350639073.1729599068&type=3
* Eu, Catarina Santos, participei da construção do projeto como fotografa e mídia alternativa.
**Veja também: O documentário do Coletivo Rebú (2012), “A Gente Só Vai Até Onde Acreditar” (disponível no link: http://www.youtube.com/watch?v=zAfKTN0WCQE) aborda as dificuldades de se fazer música em Natal e expõe através de depoimentos de músicos, produtores e donos de espaços culturais a configuração da cena musical em Natal. Em questão estava a própria configuração do Festival MADA, que assim como outros no país, realizam uma promoção instantânea de bandas e artistas locais mas o foco da organização está nas bandas nacionais de destaque no mercado da música.