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Elysium

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elysium_2Os campos Elísios são o paraíso da mitologia grega, mas, assim como o Tártaro (seu oposto, lugar de sofrimento das almas), fazem parte do mesmo mundo subterrâneo governado pelo deus Hades. Inspirado talvez nesta mitologia, o diretor e roteirista Neill Blomkamp (Distrito 9) expõe mais uma vez uma crítica social em forma de ficção científica no filme Elysium.

No futuro a Terra parece uma imensa favela por causa da poluição. Os ricos vivem no espaço, numa estação espacial chamada Elysium (em referência ao paraíso grego), enquanto a grande parte da população vive no sujo e caótico planeta Terra. Essa parte privilegiada da humanidade que vive em Elysium tem acesso a todo luxo e a tecnologia necessária para viver jovem e saudável. Pois no lar de cada cidadão de Elysium há um aparelho que cura até mesmo todo o tipo de câncer. No entanto, na Terra, as coisas são mais parecidas com o que a população pobre vive aqui no Brasil: hospitais lotados, equipamentos sucateados, generalização da criminalidade. Todos os problemas vistos em países subdesenvolvidos, são, neste filme, espalhados por todo o globo, mostrando uma realidade dividida, assim como no mito grego dos campos Elísios e no Tártaro, em dois mundos de diferenças extremas: a Terra e Elysium.

Elysium é visto pelo seu protagonista Max (Matt Damon) como uma meta, uma esperança e um sonho a ser alcançado, constantemente em órbita sobre a miséria ao seu redor. A analogia cristã do céu (em cima) e do inferno (em baixo) é clara. Também a questão da imigração ilegal de pessoas de países pobres para os EUA é simbolizada sem sutilezas no filme. Assim, Elysium permite tanto leituras sociais quanto mitológicas e religiosas. Afinal, vivemos numa realidade onde todas as simbologias convergem e se entrelaçam em sincretismos de crenças, culturas e idiomas que divide a humanidade na velha luta de classes. Pobres e muito ricos num planeta tão “globalizado” e miscigenado que foi necessário um modo mais extremo de separar a elite da grande massa. Elysium explora seu teor marxista ao mostrar seu herói como um operário que, mesmo sendo contaminado gravemente por radiação num acidente de trabalho, não tem direito ao eficaz tratamento que o seu patrão, rico cidadão de Elysium, recebe para curar, em alguns segundos, qualquer enfermidade por mais grave que ela seja. Max (seria o nome referência a Karl Marx?) trabalha numa fábrica que faz os mesmos robôs que agem como a polícia truculenta das comunidades carentes do nosso país, e que o machucam da mesma forma que um PM bruto lhe machucaria se não tiver gostado de algum comentário seu. Com isto, Blomkamp se permite a mais uma denúncia da nossa própria realidade sul-americana.

Uma das imagens iniciais do filme mostra uma nave deixando Elysium. Depois descobrimos que esta cena serve para reforçar a ideia do quanto é comum a tentativa de entrada ilegal na estação para ter acesso a atendimento hospitalar e a inevitável deportação dos habitantes da Terra. E a busca por essa cura quase milagrosa é outro elemento que liga o filme às ideias religiosas, parecendo haver uma alusão a alguns mitos onde os “bem-aventurados” encontram no céu (Elysium) a cura para todos seus males. Mas as referências também se encontram com a literatura de ficção, como na irônica alusão ao Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, quando um robô com um rosto ridiculamente humanizado oferece pílulas ao perceber uma variação no humor do protagonista.

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Apesar de ter uma ação típica de cinema hollywoodiano, até mesmo nas falas do personagem do brasileiro Wagner Moura, a Los Angeles do filme poderia ter sido facilmente filmada em alguma região urbana pobre do Brasil ou da África. E a escolha por uma mistura de sotaques e povos, com atores de países como México e Brasil, é uma atitude inteligente do filme. Spider (o nome também não é por acaso), o personagem de Wagner Moura, é uma mistura de Han Solo com dono de boca de fumo de alguma grande favela carioca; enquanto que Alice Braga, o rosto brasileiro mais conhecido do cinema norte-americano, faz a enfermeira Frey, mãe de uma filha com câncer que, assim como toda a população da Terra, não tem acesso ao aparelho médico necessário para curar sua filha. Esperança que se encontra na distante Elysium. E essa “Porta da Esperança” para inúmeros dos desafortunados moradores do planeta Terra é barrada pela personagem de Jodie Foster que lembra, em diversos aspectos, a falecida dama de ferro, Margareth Thatcher. Semelhança esta que não seria um mero acaso, dado ao teor de crítica social do diretor sul-africano.

Mas, apesar de toda crítica social, Blomkamp cai na mesma armadilha dos filmes de ficção hollywoodianos da atualidade. Provavelmente para obter o retorno do investimento que o mercado cinematográfico norte-americano exige para um filme desse porte, o diretor lança mão dos clichês e a ação tipicamente hollywoodiana. Com isso, Blomkamp se mostra como um operário, uma parte da engrenagem da mesma máquina que ele critica no filme. Entretanto, apesar desses limites criativos impostos por Hollywood, Elysium (assim como Destrito 9) não deixa de ser uma quase bem sucedida tentativa de fazer um bom filme de ficção cientifica que sirva para o expectador pensar um pouco sobre o mundo em que vive e para onde nós vamos com o consumismo, diferenças e injustiças sociais que misturam céu e inferno na mesma realidade.

 

 

Ficha técnica:

Título original: Elysium

País/ano: EUA , 2013.

Direção: Neill Blomkamp

Roteiro: Neill Blomkamp

Elenco: Matt Damon, Jodie Foster, Sharlto Copley, Diego Luna, Wagner Moura, Alice Braga