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Sem embargo, os infringentes

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Artigo de autoria do amigo e advogado Rafael Pimenta, trazendo maiores luzes acerca da polêmica que envolve o cabimento de embargos infringentes na Ação Penal nº 470.

Sem embargo, os infringentes

Rafael da Cunha Pimenta[1]

Ontem, após assistir à sessão do pleno do Supremo Tribunal Federal, me peguei refletindo sobre toda a celeuma envolvendo a malfadada Ação Penal nº 470, sobretudo no que se refere à atual discussão acerca do cabimento ou não dos chamados “embargos infringentes”. Faltaram-me palavras. Talvez por incompetência lexical, não sabia se me considerava desapontado, decepcionado ou mesmo frustrado diante da votação que acabara de ver, principalmente pelo posicionamento de ministros que, particularmente, reputava brilhantes. Por óbvio, é certo que o convencimento de um julgador sobre determinada matéria não pode ensejar a destruição de todo o referido brilhantismo construído ao longo de uma carreira notável, mas certamente o deixa sobremodo esmaecido, pelo menos temporariamente. Por pior que seja, prefiro acreditar que alguns dos votos foram conduzidos por motivações eminentemente políticas.

 

Mas, deixemos essas divagações e voltemos à incompetência (digo, a minha). Ainda sem conseguir definir meu estado, fui buscar a ajuda de um velho conhecido (de cujo uso, por sinal, muito me orgulho e que já me instruiu bastante): um tal de Aurélio. Ele mesmo, o dicionário!

 

Folheei pra lá e pra cá em busca de vocábulos apropriados, mas não conseguia pensar, sequer, em um sinônimo. Complicado…

 

Resolvi, então, aproveitar o ensejo para tentar analisar linguisticamente (e não só sob o ponto de vista jurídico) o nomen juris do recurso mais falado ultimamente. Como operador do Direito, tenho plena consciência de que cada um dos ramos da ciência apresentam um vocabulário peculiar, determinando, às vezes, leituras restritivas de certos termos. Mas, o que, de fato, seriam esses famosos “embargos infringentes”? Pois bem, vejamos.

 

Para o Direito, pautando-se em uma perspectiva extremamente simples, trata-se de recurso cabível quando uma decisão de tribunal não é unânime, de modo a possibilitar a rediscussão da matéria pelo colegiado de juízes. Mas esse não é o ponto principal da análise.

 

Linguisticamente, é preciso analisar os termos de forma isolada. A princípio, tem-se a palavra “embargo”, a qual encerra, via de regra, o significado de: barreira, obstáculo, impedimento. Percebi que no Direito também é assim. Os embargos de declaração, por exemplo, previstos no art. 535 do Código de Processo Civil, funcionam, na verdade, como um obstáculo processual para que o juiz possa sanar uma omissão, obscuridade ou contradição na decisão proferida. No mesmo sentido, os embargos de terceiro também agem como uma barreira no curso natural do processo, de modo a permitir que terceiro não integrante dos polos processuais possa pleitear direito próprio.

 

Parece, pois, que o emprego do vocábulo “embargos” apresenta uma satisfatória adequação terminológica, uma vez que sinaliza o que, de fato, acontece na relação processual.

 

Mas, e com relação ao adjetivo “infringentes”? Pois é. A rápida consulta realizada ao dicionário me permitiu constatar, de forma bem evidente, que infringir é o mesmo que: transgredir, violar, postergar, desrespeitar, desobedecer. Assim sendo, infringente é aquele ou aquilo que objetiva uma dessas finalidades (saliente-se, extremamente negativas ou pouco desejadas).

 

Ora, parece uma consequência silogística inafastável conceber, então, que os embargos infringentes apresentam uma inconsistência quase que genética (ou normogenética, para os juristas). São eivados de vício desde sua origem.

 

A simples interpretação da denominação jurídica atribuída a esse instituto revela que, nos casos de cabimento desse recurso, o objetivo é tão somente a criação de um mecanismo que impeça o trâmite natural do processo, com uma finalidade manifestamente infringente, ou seja, que transgride os ditames do ordenamento jurídico pátrio, buscando apenas postergar a conclusão do processo.

 

É evidente que o Direito nem sempre deve se apegar a uma interpretação literal de seus institutos; todavia, parece que o pior é perceber que, na prática, o uso dessa espécie recursal não difere muito dessa possível concepção.

 

Juridicamente, compartilho do entendimento que a previsão regimental de cabimento dos embargos infringentes no STF foi derrogada pelas disposições da Lei nº 8.038/1990, sob pena de se conferir uma absurda irrevogabilidade ao Regimento Interno do Supremo. Mas isso quem vai definir é o Ministro Celso de Mello.

 

Em tempo: a palavra que procurava era perplexo… Fiquei perplexo.



[1] Advogado.