Cinco a cinco. Este é o placar do julgamento do Supremo Tribunal Federal na quinta-feira, 12 de novembro, em que se decide se serão admitidos embargos infringentes em favor de onze réus condenados na Ação Penal no 470, o chamado mensalão. Em que pese se tratar, na verdade, da admissão ou não de recursos de apenas dois condenados, Cristiano de Mello Paz e Delúbio Soares, a decisão no caso desses dois abrirá o precedente para outros nove réus condenados que receberam votos de quatro ministros pela absolvição.
A discussão é apaixonada. O ministro Marco Aurélio chegou a dizer que, caso fossem admitidos os embargos, ficava feliz de terem sido blindadas as janelas do Supremo.
Estou certo de que, realmente, o julgamento da AP 470 foi um “ponto fora da curva” na história do STF. Não preciso, para chegar a essa conclusão, analisar profundamente provas ou fazer juízos de valor sobre a culpa ou não de qualquer acusado. Basta notar, objetivamente, que, no caso do mensalão, o STF alterou inúmeros pontos de sua própria jurisprudência. Também tomou providências esdrúxulas, como “importar” a chamada teoria germânica do domínio do fato completamente fora de seu contexto teórico e legislativo na única intenção de condenar o réu José Dirceu.
Contudo, o que se analisa aqui é um ponto bastante específico: realmente cabem esses embargos?
Os embargos infringentes em ação penal são (ou foram) um recurso previsto no artigo 333, inciso I, do Regimento Interno do STF, cabível do julgamento não unânime de ação penal que concluir pela condenação. É que, à época da edição do Regimento Interno, a Constituição Federal de 1967/1969 conferia ao STF poder de legislar sobre o processo no próprio tribunal.
Contudo, a Constituição Federal de 1988 retirou do STF a competência de legislar sobre matéria de processo (embora ainda possa suplementar a lei por seu Regimento), atribuindo essa competência ao Congresso Nacional. Assim, editou-se a Lei no 8.038/1990, a qual regula o processo e julgamento nos Tribunais Superiores, inclusive na própria Suprema Corte. O ponto nevrálgico da discussão é que a 8.038 não previu o recurso de embargos infringentes.
A melhor lógica, a meu ver, é aplicar o disposto no artigo 1º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas no Direito Brasileiro: uma lei revoga outra quando, dentre outras hipóteses, regula inteiramente matéria antes prevista na anterior. É exatamente o caso: a nova lei, editada pelo Congresso Nacional, regula inteiramente todo o processo e julgamento de ações penais originárias no STF, o que antes era feito pelo Regimento. Trata-se, portanto, de caso inexorável de revogação.
Entender de forma diferente é dar ao Regimento do STF caráter de superlei: irrevogável.
Os ministros que entendem pela admissibilidade dos embargos fundamentam sua pretensão em uma garantia da Convenção Interamericana de Direitos Humanos – o famoso Pacto de São José da Costa Rica. Esse diploma prevê que toda pessoa tem direito de recorrer a um tribunal superior.
Ocorre que, a meu ver, o Pacto não tratou dessa coisa bizarra que temos no Brasil (não só aqui: vários países desenvolvidos ainda mantêm essa prática) chamada foro especial por prerrogativa de função. No caso da AP 470, os acusados foram julgados pela mais alta corte do sistema judicial brasileiro. Ora, para quem recorrer, então? A idéia do “direito ao recurso” no Pacto é dar ao sujeito a garantia de que não será condenado por arbítrio de uma autoridade judicial específica. No caso da AP 470, os acusados já foram julgados pela Suprema Corte, órgão a que chegariam apenas, nas vias ordinárias, após no mínimo duas outras instâncias.
A meu ver, portanto, não são admissíveis aqueles embargos, muito embora acadêmicos muito melhores opinem o contrário. No fim, a palavra está com o homem mais pressionado da República: ministro Celso de Mello.