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Policiamento Ostensivo: A Política do Descompromisso

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Ações imediatistas e falta de acompanhamento ou não se faz o Sistema Único de Segurança Pública sem diálogo, conhecimento ou selecionando, recortando e colando.

UPP Bope no Pavao Pavaozinho

Por Ivenio Hermes, Marcos Dionisio e Cezar Alves

Independente das políticas traçadas pelo Governo Federal através da Secretaria Nacional de Segurança Pública e das Polícias Federais, no âmbito estadual, ainda se observa uma grande ausência de políticas públicas de segurança, de planejamentos claros que demonstrem exatamente as metas que o governo de cada estado tem que atingir e como se comportam os investimentos destinados a esse importante setor tão mencionando durante as campanhas políticas.

Ainda imperam as iniciativas fundadas no selecionar, recortar e colar sob o brasão do estado, sem diálogo com a sociedade ou os entes federados fronteiriços e a uma distância abissal da modulagem de um Sistema Único de Segurança Pública, baseado na Segurança Cidadã, sob a égide dos Direitos Humanos.

UPP Conflito com pedreiroO Drama nas UPPs

Embora não reste dúvida de suas necessidades e do fato de que as Unidades de Polícia Pacificadoras tenha obtido relativo sucesso, não se pode esquecer que o principal programa da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro já implantado em 33 favelas da capital, apenas fez desaparecer o tráfico ostensivo, aquele realizado sem temor à polícia e com exibição de armas para desafiar os órgãos de segurança, mas o tráfico disfarçado continua, além disso, as grandes forças do crime migraram para as áreas de Niterói, Região dos Lagos e outras áreas do Rio.

Outras situações antes consideradas pontuais, agora começam a tomar vulto como a morte de inocentes, agressões físicas e desaparecimentos constantes, um exemplo da falta de acompanhamento técnico que envolvesse treinamento psicopedagógico contínuo para avaliar e estabelecer parâmetros de comportamento e conduta dos policiais envolvidos no programa.

O crescimento constante de situações assim se tornou objeto de levantamento feito pela Folha, cujos estudos baseados em relatos e documentos das Polícias Civil e Militar demonstram que há denúncia contra os policiais em 25 das 33 UPPs, ou seja, em 76% das unidades.

O índice de desaparecimentos também cresceu em relação aos homicídios. Em 18 UPPs analisadas houve um decréscimo de 68% na taxa de homicídios, no entanto, houve um aumento de 56% no número de pessoas desaparecidas, sendo que as outras não puderam ser estudadas por não possuírem dados suficientes.

Onde está o Amarildo talvez não seja apenas o mote de reivindicação da localização de quem esteve em mãos do estado e também desapareceu. Talvez seja um grito desesperado de uma Sociedade que apoiou as UPPs, mesmo com suas limitações e com seu imediatismo, como alternativa ao poder do Crime Organizado que amordaçava comunidades, corroía a economia, impedia o livre empreendedorismo e atraia a juventude para o beco sem saída do mercado da morte, um grito mesmo de quem não se dispõe abraçar uma paz inquieta que apenas alternou a opressão e a maneira estética desta em realizar-se, sendo vítimas, os humilhados e ofendidos de sempre.

Tranquilizar a Sociedade seria restaurar a verdade sobre o desaparecimento de Amarildo abrindo uma cortina para resolver a série de desaparecimentos em “tempos de paz”.

Sobre o tema aduz o jornalista Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, a 01 de Setembro que mais uma vez ecoa a pergunta CADÊ O AMARILDO? E acrescenta três singelos questionamentos:

UPP Movimentacao do BOPE1) Onde está o pedreiro Amarildo?

2) Com que frequência as câmeras da PM pifam? (As da UPP pifaram na hora de registrar a saída de Amarildo.)

3) Com que frequência as viaturas da PM rodam com os GPS desligados? (Os da UPP não funcionavam naquele mesmo dia.)

As duas últimas perguntas o secretário José Mariano Beltrame pode responder. É só querer.

Fica fácil após cinco anos da implantação das UPPs estigmatizar os policiais militares pelo problema e não buscar entender que o Brasil possui problemas basilares na formação policial, problemas que podem atingir qualquer política de Segurança Pública impactante e que se utilize do emprego de armamento pesado e técnicas de combate urbano, aliás, avaliar as UPPs tem que ir além da mera avaliação do desempenho individual do policial.

É preciso alargar o olhar e procurar enxergar as mutações ocorridas na PM em função do programa de Unidades Policiais Pacificadoras. Aproximou-se a PM carioca das comunidades, da Cidadania ou permanece a PM do chute na porta e do uso a esmo da força – logo convertida em violência – e de equipamentos conforme se assistiu durante a Copa das Confederações? As imagens das TVs foram claras e somente o chamado “vandalismo”, até mesmo o nascido do “monstro da lagoa dos órgãos de inteligência”, salvou a PM Carioca, por ora.

Cabe mesmo resgatar a reflexão do pensador Nilo Odalia, no simples e magistral O que é Violência para quem ”a institucionalização da miséria, do sofrimento, da dor, da indiferença pelos outros, da ignorância, do não saber sobre si e sobre a sociedade, não ocorre porque o homem é mau – uma ave de rapina, nas palavras de Oswald Spengler – mas pelo simples fato de que uma sociedade estruturada para permitir que a competição, o sucesso pessoal individualizado, sejam os parâmetros de aferição do que o homem é, não pode, evidentemente, preparar o homem para ver no seu semelhante outra coisa que não um concorrente ou uma presa a ser devorada”.

Não basta adotar uma política de Segurança e esquecê-la, é preciso acompanhá-la, verificar seu progresso e se suas metas estão sendo alcançadas em detrimento dos prejuízos que ela vem causando. O planejamento não pode ser verificado apenas em curto prazo e médio prazo, ele deve cobrir longos períodos de tempo, com indicadores que realmente norteiem novos direcionamentos a partir dos resultados alcançados.

UPP Sao CarlosO Policiamento e o Combate Urbano

O Policiamento ostensivo é o exercício da atividade policial que consiste basicamente na fiscalização de comportamentos e atividades, na regulação ou manutenção da ordem pública, reprimindo crimes, contravenções, infrações de trânsito e zelando pelo respeito dos indivíduos à legislação.

A falta de previsão do Estado, a ausência de políticas de Segurança Pública, de policiamento comunitário e preventivo, de policiais treinados para a sociabilização, para cuidar e proteger, e não para a exclusiva ação de repressão, amplia na população a figura de um policial algoz, inimigo ou no mínimo cheio da antipatia dos moradores, oportunizando mais ainda possibilidades de falhas do policiamento uniformizado. Quando essa modalidade de policiamento não tem sucesso e o crime se “endemiza” numa determinada área tornando impossível a penetração das forças da lei, a população se torna refém de traficantes e outros tipos de criminosos que ganharam a simpatia de seus filhos, inverterão os valores morais, num estado amoral e de anomia, obliterando as perspectivas de futuro dos moradores das áreas afetadas.

Ao se ver compelido a agir, o Estado busca recurso em grupos que precisam ser altamente treinados para dar a resposta imediata que a mídia e a sociedade demanda, e a uma ação de combate urbano, que se caracteriza por uma guerra onde há três lados, o lado dos policiais, o lado dos criminosos e o lado dos inocentes potencialmente em perigo de morte no meio dessa medição de força entre as forças do Estado e as forças do crime.

Treinado para viver essa situação de perigo no cotidiano, o combatente urbano precisa de um acompanhamento psicológico para que ele retorne ao ritmo de suas atividades comuns sem desenvolver paranoias, problemas comportamentais, ou até se desvirtuar motivado pelas mais diversas circunstâncias. Sem a previsão do instituto do acompanhamento psicopedagógico do policial, poderão existir prejuízos irreversíveis para o agente. E prejuízos paradoxais também para as comunidades e a sociedade.

No caso das UPPs fluminenses, em pouco tempo os policiais começaram a desenvolver uma mudança no comportamento tradicional dos relatos. Margarida Pressburger, representante brasileira na Comissão Contra a Tortura da ONU afirma que eles “parecem estar substituindo os autos de resistência (mortes que ocorrem durante confronto com a polícia) pelo desaparecimento de pessoas”. E isso traduz que há indícios de um morticínio cometido por policiais militares. Pacificação “por extermínio”, por desaparecimentos forçados, é a paz dos cemitérios.

Mais cedo do que se esperam dores, traumas e ódios farão eclodir novos conflitos. Comportamentos profissionais eivados de vícios, chocar-se-ão com a vida comunitária e a manipulação de inocentes poderá retroalimentar uma Guerra Civil ainda estribada na má distribuição de renda, exclusão de políticas públicas,mitigadas e o entulho autoritário, legado teimoso da Doutrina Segurança Nacional.

Especialistas são unânimes em afirmar que a culpa está na forma e no conteúdo do treinamento bem como na política de emprego e acompanhamento desses policiais no desempenho de suas atividades. E de fato, não existe Estado que mantenha realmente um planejamento de treinamento regular de seus policiais visando à aproximação desses homens com a sociedade.

Quando uma política de Segurança Pública é adotada, sua ação deve ser mensurada, contemplando o maior número de variáveis possíveis e num período de tempo suficiente para que haja dificuldade no retorno do problema. Não parece que esse foi o caso no momento da deflagração das UPPs.

De bom alvitre lembrar os magistrais Tropas de Elite, de José Padilha, onde o que discutimos ficou por demais evidenciado. Fazer o contrário do que mostra os filmes no cuidar da Segurança, das comunidades e dos próprios policiais, pode não ser a solução, mas não recairia no lugar comum da alimentação da barbárie, desmoralização e as dores choradas na solidão dos lares.

UPP Rio TuranoAção e Compromisso

Na maioria dos estados só se consegue notar formas emergenciais de combate ao crime e à violência, como se sempre houvesse uma intencionalidade em deixar que a insegurança se estabeleça para só então agir com medidas que remediam de maneira exagerada, que de tão forte o remédio se torna um veneno que mata os mais fracos e portanto mais sujeitos à ações que se fossem profiláticas não os teria vitimado.

E por outro lado, o sucesso limitado é abraçado pelo egoísmo em busca do conforto que pode privatizar serviços, manipular agentes e mascarar os próprios resultados, dificultando, assim, qualquer iniciativa de correção de rumos.

Ou a redução dos homicídios ainda não estaria sendo festejada não fosse o desaparecimento forçado de Amarildo para nos trazer um cadinho da realidade necessária para uma investigação teórica e prática sobre as UPPs e seus sucessos relativos e os engodos embutidos?

Isso mesmo, o desaparecimento de Amarildo trouxe visibilidade para os desaparecimentos forçados em plena Democracia, em “Tempos de Paz”.

Ações e políticas adotadas são imediatistas e sem compromisso, não criando soluções estáveis que perdurem até a chegada do próximo governo. As verbas públicas não são aplicadas adequadamente, e essa inexistência na priorização da Segurança Pública atinge as polícias, os policiais e a sociedade, cujos índices de vitimização têm sido derramados em enxurradas pela mídia que chega todos os dias nas casas da população brasileira.

Poderia nos socorrer o poeta carioca Chico Buarque de Hollanda ao cantar que “a dor da gente não sai no jornal”. A dor de Amarildo sai nos jornais, mas, quantas dores amordaçadas não estiolam o que resta de saúde mental de mães, pais, filhos, avós e netos em comunidades ditas como pacificadas?

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REFERÊNCIAS:

CARVALHO, Cláudio Frederico de. O Policiamento Ostensivo Preventivo sob a ótica Jurídica. Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: <http://db.tt/49UpBv9j>. Publicado em: 07 mar. 2012.

MARTINS, Marco Antônio. Em 76% das UPPs no Rio há denúncia contra algum policial: Levantamento da Folha mostra que casos ocorrem em 25 das 33 unidades. Folha de S. Paulo. Disponível em: <http://db.tt/5UCX4tvb>. Publicado em: 02 set. 2013.

GASPARI, Elio. Folha de São Paulo, Domingo, 01 de setembro de 2013.

ODALIA, Nilo. O que é violência. São Paulo – Brasiliense, 2012 – (Coleção Primeiros Passos)

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SOBRE OS AUTORES:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Marcos Dionísio Medeiros Caldas. Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal.

Cezar Alves, Fotojornalista (Coluna Retratos do Oeste) do Jornal De Fato.