Promoção da Má Formação Policial (1)
O conceito de formação policial que ainda devaneia nas mentes de muitos agentes encarregados de aplicar a lei é que a formação policial ocorre durante o exercício da função. Colidindo contra os conceitos atuais do ensino de adultos, a andragogia[i]. Essa forma de ver o método de preparo de um policial agride as bases da evolução social, afinal de contas, ela insiste em manter o futuro guardião vendado e somente encontrando a realidade de seu trabalho quando na ativa.
Contribuindo para a solidificação desse conceito errado, o Governo do RN realizou em 2010 um curso de formação de policiais civis que, salvo poucas instruções ministradas por pessoas realmente imbuídas na missão de preparar o futuro policial, foi pobre e sem conteúdo aplicável na vida real.
Além do treinamento precário, os policiais formados no tal curso foram oprimidos em sua essência, quando sentiram o desrespeito que sofreriam em sua futura profissão, ao serem privados de seu direito de receberem o valor referente à bolsa concedida para o instruindo, somente logrando êxito em recebê-la aqueles que recorreram à justiça, sendo necessários mais gastos com despesas advocatícias e trâmites legais. Após sua formatura, os ex-alunos da academia de polícia foram desgastados pela espera que os deixou mais despreparados ainda para o serviço policial em vista do tempo decorrido entre o término do curso de formação e suas convocações.
Quando de suas nomeações defasadas, esses agentes foram utilizados como massa de manobra de uma falsa propaganda governamental intitulada de “Interiorização da Polícia Civil[ii]”, que nada mais era senão uma forma de pulverizar os poucos convocados em cada nomeação para trabalharem em delegacias com outros policiais já experientes. Em uma polícia cuja defasagem de contratação de efetivo já somava quatro anos apenas para a função de agente, colocar esses novos policiais, que pouca doutrina recebeu em sua formação junto com os antigos foi uma forma de promover “o choque de gerações[iii]” sendo a mais nova assimilada pela mais antiga.
Alguns policiais mais antigos, contudo, não ficaram parados no tempo e resolveram investir recursos próprios para melhorarem seu desempenho profissional. Cada um procurando o curso que mais lhe conviesse, conquistaram diferentes formas de ação e procedimentos diversos foram se incorporando à doutrina fragilizada da Polícia Civil do Rio Grande do Norte, formando uma grande pseudodoutrina divergente do que se deseja para uma polícia: uniformidade de ações.
Os delegados não foram treinados para o uso do conhecimento jurídico na atividade policial e simplesmente reviram matérias do Direito da qual já possuíam conhecimento suficiente, tanto que foram aprovados no concurso. Assuntos relativos à gestão foram pouco ou nunca abordados e as técnicas de investigação foram suprimidas por treinamento de campo onde os instruendos foram submetidos à “suga[iv]” para o entretenimento de colegas, futuros colegas e instrutores. Ou seja, os novos delegados e gestores da polícia eram apenas bacharéis em Direito com um distintivo, que também foram em busca de treinamentos alternativos para poderem desempenhar suas funções.
Ao chegarem a seus locais de trabalho, os novos “interiorizados” policiais se viram primeiramente sem condições de trabalho pela falta de armamento básico, de coletes balísticos, viaturas, materiais e de locais adequados para o exercício profissional.
Os delegados da 1ª delegacia e da Delegacia de Defraudações de Mossoró encontraram um prédio sem condições de trabalho e uma equipe cansada de ser subutilizada para meros preenchimentos de boletins de ocorrência. Mesmo sem doutrina norteadora, esses homens sentiram que precisavam sobreviver em suas funções e assim buscaram alternativas longe da gestão da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social e longe da ajuda da Administração do Governo do RN, pois já estavam habituados a notar que dessas fontes não vertem recursos para a segurança pública.
Num espaço que, se fosse planejado por arquitetos poderia haver um conforto para trabalhar e atender ao público (ver levantamento fotográfico[v]), os dois delegados juntamente com os outros policias, improvisaram, colocando câmeras de segurança e sensores de movimento, pois o prédio fica desguarnecido sem vigilância durante a noite e suscetível à ações criminosas durante o dia, recorreram ao Sistema Penitenciário para utilizar a mão de obra daqueles sentenciados à penas de serviços comunitários para reerguer paredes, transformar antigas celas em salas, realizar limpeza do terreno da parte frontal, com mastros para as bandeiras que ainda comprarão, colocação de uma nova caixa d’água que não vaze, enfim, uma série de soluções estruturais para adequação de um prédio onde também funciona na parte de trás, com fachada para a rua dos fundos, a Delegacia de Plantão de Mossoró e a 2ª Delegacia Regional, e tudo com recursos financeiros próprios.
A doutrina falha na academia de polícia parece ter sido proposital para que esses homens tivessem que arranjar uma solução para poderem trabalhar, consistindo numa falta de respeito com eles, que retiram dinheiro de seus salários para poderem trabalhar.
Para um Estado mal administrado essa ausência de doutrina parece ter sido conveniente à sua falta de políticas públicas direcionadas à segurança, e a promoção da má formação policial serve como justificativa para atribuir falsamente aos erros cometidos por policiais sem condições mínimas de trabalho sua incapacidade de gerir a segurança de seus cidadãos.
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SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública, Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves tendo publicado diversos livros, dentre eles três sobre segurança pública no Rio Grande do Norte. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Texto por Ivenio Hermes e publicado originalmente em parceria com o amigo e fotojornalista Cezar Alves (Coluna Retratos do Oeste) do Jornal De Fato.
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REFERÊNCIAS:
[i] Ciência ou conjunto de métodos para ensinar adultos.
[ii] Processo de levar a presença da Polícia Civil ao interior do Rio Grande do Norte, lugares que nunca tiveram esse serviço de polícia.
[iii] Colisão de diferentes conceitos de policiamento e trabalho causado pela diferença doutrinária entre novas e antigas gerações de policiais.
[iv] Forma de submeter instruendos a condições de sobrecarga física e emocional.
[v] HERMES, Ivenio e ALVES, Cezar. Delegacias de Mossoró: 1ªDP e DEFD (Defraudações) Levantamento fotográfico. Disponível em < http://migre.me/fCzut > Publicado em 29 julho. 2013