Final de semana e o vizinho me chama para assistir o UFC. Aquela coisa, não é: o cara compra o pay per view e não faz cerimônia em dividir com os conhecidos, ou nem tão chegados assim. Uma típica forma brasileira de obter reconhecimento.
Eu, doido para ver as lutas de Lyoto e José Aldo, não recusei o convite. Noite legal e papo interessante. Mesmo sem me conhecerem direito, me trataram super bem.
Num momento da conversa, entre os socos dos confrontos televisionados, o assunto chega na política, sobretudo, após o dono da casa saber, através do comentário de seu filho, que joga futebol num campo perto de casa comigo, que eu sou formado em sociologia (o que foi confundido com ser de esquerda, socialista, etc). E aí os chamados “protestos” entraram em cena.
E eis que ele diz, de supetão, que votou em Lula e Dilma e não mais votará porque não vê os seus impostos convertidos em benefícios para ele. Uma percepção sincera da parte dele (mas não necessariamente correta).
Ora, algo não entrava na minha cabeça. Com um bom carro novo na garagem (adquirido provavelmente sem ter pago IPI), casa grande e recém reformada (beneficiado pelo minha casa, minha vida e queda dos juros), além de cursando, após os 40 anos de idade, engenharia civil numa faculdade (algo impensável há 15 anos atrás), como não se sentia atingido pelas políticas de Lula e Dilma?!
Não sei dizer ao certo. Mas tirei algumas escassas conclusões provisórias. Os benefícios, antes percebidos, se tornaram banais, em boa medida, “naturais”; uma espécie de “obrigação” bastante diferente do que foi considerado uma “realização” no passado.
BOLSA FAMÍLIA
Impressiona também como essas pessoas se incomodam com o bolsa família. Um dos motivos, acredito eu: é que toda as sociedades modernas criaram formas para fazer com que a classe média e mais abastadas não perdessem tempo nem energia com trabalhos domésticos. No caso do Brasil, uma atipicidade: a nossa lavagem de roupa, de pratos, limpeza, etc, passaram a ser feitas pelos trabalhadores advindos do fim da escravidão. Eles serviram de mão de obra extremamente barata e desregulamentada.
Daí o ressentimento para com o bolsa família. A proteção social criada pelo programa permite que os pobres não mais se sujeitem a loborar em troca de comida ou por meio salário. E é impressionante como isso incomoda as pessoas. O “ninguém quer mais trabalhar nesse país depois das bolsas”, fala também ouvida após o relato sobre a dificuldade de “encontrar alguém disposto a trabalhar”, tem esses significados implícitos.
EDUCAÇÃO E SAÚDE
Outra rala conclusão produzida pela conversa: quando reclamam da saúde e da educação, estão, na verdade, encontrando uma forma politicamente correta de verbalizar um descontentamento e não, de fato, preocupados com o SUS ou com as escolas públicas.
Descontentamento que tem a ver com o que disse acima: naturalização das realizações e a percepção de que antigos luxos e privilégios municiados por trabalhadores pessimamente remunerados não sairão mais tão baratos como no passado.
Será que os que se afirmaram com Lula e Dilma estão, a exemplo de outras sociedades que apresentaram forte crescimento dos setores médios, se “conservadorizando”?! Sai com a impressão que sim…