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A intolerância nossa de cada dia

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images (20)As repercussões das recentes manifestações de intolerância oriundas dos discursos e projetos do deputado Marcos Feliciano (e seus similares), oportunizam a discussão sobre o tema. Podendo ir mais além que o fato pontual, contextualizando a construção e o histórico dos discursos e práticas de intolerância em nossa sociedade.

Muitos se espantam com as declarações deste deputado no que tange a sexualidade e questões raciais, as quais são baseadas em princípios religiosos de sua seita. Idéias generalizantes (de base linear homogeneizadora) que abordam o comportamento humano e a sexualidade ignorando a singularidade e a subjetividade das demandas internas de cada indivíduo.

Os projetos e discursos de intolerância deste deputado (e seus similares) significam apenas a ponta de um tenebroso “iceberg”. Com argumentação pseudocientífica que estabelece os parâmetros de normalidade e anormalidade, elegendo determinados comportamentos como indesejados que devem ser “ajustados” ou “curados”.

As idéias deste deputado (e seus similares) apenas refletem o pensamento conservador e comportamento reacionário de parte significativa da população brasileira.  Estes mesmo são respaldados, apoiados por brasileiros de vários segmentos da sociedade brasileira que vão desde pobres com baixa escolaridade até “esclarecidos” de classe média alta.

Numa sociedade em que o ter sobrepuja o ser é natural que a intolerância seja disseminada, pois o poder vai determinar através de seus códigos e territórios (velados e sinuosos), quem são os humanos que tem algum valor e quem são os que devem ser considerados escória e indesejados. Estes mesmos marginalizados, indesejados, excluídos, desajustados é que são os principais reprodutores de comportamentos intolerantes, num processo de introjeção e identificação com os seus opressores.

Numa discussão mais ampla sobre o tema (não sobre o fato) vamos perceber que lamentavelmente a intolerância presente no discurso do tal deputado, faz parte de nosso cotidiano, manifesta-se com freqüência em quase todos os grupos humanos. Nas escolas, universidades, religiões, canteiros de obras, Shopping Center, escritórios, mesa de bar, lares, favelas, condomínios, etc…cada contexto carregando suas particularidades ambientais e estruturais.

Muito ingênuos se espantam quando descobrem que muitos dos que promovem a intolerância em nosso país é gente “elegante”, “sofisticada”, “esclarecida”, “importante”, pessoas públicas que se exibem como referência e defensores da democracia.

Os fascistas tupiniquins mais elegantes sabem que não devem expor de forma explícita suas opiniões, por conta do grande risco de condenação da opinião pública.  É muito comum recorrerem à discrição para não haver comprometimento (Boris Casoy deixou “escapar” sua opinião sobre os trabalhadores da limpeza urbana, por conta de uma falha técnica…sua máscara  caiu! Muitos disseram atônitos: “não sabia que ele pensava isso”…).

Para ser mais explícito, cito o fato de civis que apoiaram e deram respaldo à ditadura civil-militar no Brasil, mas que em dias atuais fingem ou escondem que o fizeram, para evitar o imenso constrangimento que é o de ser acusado de ter apoiado o regime que cometia violências inomináveis para manter a ordem desejada pelas elites econômicas. É o caso da famosa emissora de TV e de inúmeros “representantes da democracia” de hoje, que construíram seus impérios politiqueiros a partir de serviços prestados a ditadura.

Todos os dias os telejornais mostram fatos tenebrosos e tristes de intolerância, ouvimos comentários e assistimos nos ambientes que estamos inseridos. Uns já não se espantam mais (“a morte não causa mais espanto” diz uma bela canção dos Titãs), pois um dos efeitos do convívio doentio de nossa sociedade, em que seres humanos são coisificados, é a naturalização da maldade e da conivência coletiva diante destes fatos.

Os veículos de comunicação, além de não estimularem o debate (apenas expondo os fatos na busca por audiência), também fomentam a intolerância, que chega a nossos lares de forma velada e disfarçada a todo instante.

Observem as “preferências” construídas (o “consenso fabricado” citado por Noam Chomsky), modelos de “sucesso” que são estimulados, os que são considerados “feios” e “bonitos”. E parem para refletir sobre os resultados desta violência simbólica diante daqueles que possuem pouca condição de discernimento\julgamento perante um bombardeio de estímulos consumistas e comportamentais.

O mestre Sigmund Freud não quis nos aborrecer, mas nos ajudar (mesmo sendo pouco otimista) a refletir sobre a intolerância e o comportamento humano de modo geral:

“O homem é tentado a satisfazer sua necessidade de agressão contra seu próximo, de explorar seu trabalho, de usá-lo sexualmente, de apropriar-se de seus bens, de humilhá-lo, de lhe causar sofrimentos, de martirizá-lo e de matá-lo. O homem é o lobo do homem; quem teria a coragem, face de todos os ensinamentos da vida e da história, de negar o valor desse adágio¿”.

Então, não nos surpreende que numa sociedade “democrática” manifestem-se em plenários e câmaras representantes com discursos e projetos carregados de intolerância. A mesma é disseminada todos os dias e estes senhores são meros reprodutores respaldados por parte significativa da população brasileira.

Em tempos de hipernarcisismo e individualismo exacerbado, o combate à intolerância deve estar na ordem do dia em todos os grupos humanos. Estimulando os indivíduos à administração suas demandas de egoísmo muito estimuladas pela sociedade coisificadora.

Para finalizar esta reflexão, vale lembrar-se dos esperançosos versos de Renato Russo: “a humanidade é desumana, mas ainda temos chance…”.