DA ESTRATÉGIA DE DESMOBILIZAÇÃO, PASSANDO PELA DE PACIFICAÇÃO E DOMESTICAÇÃO E CULMINANDO NA CONCILIAÇÃO NACIONAL REFORMISTA: UMA ANÁLISE DAS RESPOSTAS DO STATUS QUO À RECENTE ONDA DE PROTESTOS NO BRASIL.
Prof. Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira – Doutor em Ciências Sociais.
[continuação da parte 4…]
Passemos então a uma análise mais minuciosa, transcrevendo e comentando, tema a tema, sequencialmente, os trechos da fala da presidente.
Pode-se deduzir, desta visão panorâmica e da determinação do peso atribuído a cada tema, os objetivos principais do pronunciamento [da presidente]: por um lado, reforçar – através do uso dos poderes carismático e burocrático da “grande líder” – a tática de estigmatização e isolamento dos “radicais” e, por outro, promover a estratégia de reconciliação das energias sociais com as instituições, pela via da proposição de uma ampla reforma política.
Passemos então a uma análise mais minuciosa, transcrevendo e comentando, tema a tema, sequencialmente, os trechos da fala da presidente. Grafaremos os referidos trechos entre aspas, enquanto nossas análises virão na sequência linear destes, entre colchetes.
1 – A Abertura (apresentação da tese/estratégia do governo):
“Minhas amigas e meus amigos…”[aqui vemos o uso de um recurso retórico demagógico – apelo às emoções – para estabelecer empatia com o público: claro que nem todos são “amigos” da presidente!] “As manifestações que ocorrem no país…mostram a força de nossa democracia” [aqui há um recurso à omissão, pois a presidente faz questão de “esquecer” que as manifestações vinham sendo, de forma anti(ou mesmo)democrática(?), brutalmente reprimidas até então.],“e o desejo da juventude de fazer o Brasil avançar”[aqui há um recurso à ideia enganosa de uma juventude brasileira unívoca, com o fito de facilitar a aceitação de sua interpretação dos fatos, dispensando-a de análises complexas. De qual juventude ela fala? Dos “bem vestidos” ou dos pauperizados? Dos progressistas ou dos reacionários?
Uma coisa é consensual: não é dos “radicais”.]. “Se aproveitarmos bem o impulso dessa nova energia política, poderemos fazer melhor, e mais rápido, muita coisa que o Brasil ainda não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas”[aqui, verifica-se dois expedientes de manipulação discursiva: primeiro, como foi sugerido anteriormente, a presidente fala de um suposto Brasil unívoco que, confrontado com a realidade, é puramente a ficção/mito da Grande Nação homogênea em seus interesses e anseios (os quais, obviamente, devem coincidir com os da presidente, pois ela parece entusiasmada). Segundo expediente: a presidente fala na necessidade de se aproveitar bem a nova energia política, o que, para ela – conforme já se entrevê – significa canalizar as mesmas para o campo institucional.
Ante a compreensão anterior do caráter falacioso da ideia de um “Brasil” unívoco, cabe questionar: de qual grupo político e sua respectiva concepção de democracia, em luta no período citado, Dilma está falando?
Aqui, é introduzido um dos objetivos principais do discurso: a promoção da estratégia de reconciliação das energias sociais com as instituições!], “mas se deixarmos, que a violência nos faça perder o rumo, estaremos, não apenas desperdiçando uma grande oportunidade histórica, como também, correndo o risco de colocar muita coisa a perder”[aqui, é introduzido o outro objetivo principal do discurso: o reforço à tática de estigmatização e isolamento dos “radicais”.]. Com estes dois últimos trechos, está completa a introdução da tese/estratégia.
2 – O Desenvolvimento:
2.1 – “Violência”:
“Como presidenta, eu tenho a obrigação, tanto de ouvir a voz das ruas, como (sic) dialogar com todos os segmentos, mas tudo, dentro dos primados da lei e da ordem, indispensáveis para a democracia”[aqui, introduz-se outra figura mistificadora da realidade – adotando-se a mesma lógica das anteriores, as do “Brasil” unívoco e sua correspondente “juventude brasileira” unívoca -: a unívoca “voz das ruas”. Porém, se deixa escapar uma contradição: o “Brasil” pretensamente unívoco cinde-se aqui, na distinção entre o ato de “ouvir a voz das ruas” e o de “dialogar com todos os segmentos”.
A realidade complexa da diversidade de interesses e anseios presentes na população irrompe inadvertidamente pela falha/insuficiência explicativa da ficção totalizadora da Grande Nação.]. “O Brasil, lutou muito, para se tornar um país democrático, e também, está lutando muito, para se tornar um país mais justo”[aqui, a presidente, obviamente, faz alusão ao (fantasma do) recente período de ditadura militar/civil. Ante a compreensão anterior do caráter falacioso da ideia de um “Brasil” unívoco, cabe questionar: de qual grupo político e sua respectiva concepção de democracia, em luta no período citado, Dilma está falando? Dos políticos civis tais como Ulisses Guimarães e Tancredo Neves (ambos do PMDB, o antigo MDB da ditadura), críticos do regime que, a bem da verdade, atuaram com (e dentro) (d)o regime? Dos grupos de Direitos Humanos fortemente vinculados à Igreja Católica que, a bem da verdade, não rompeu decididamente com o regime? Ou, dos guerrilheiros de inspiração marxista, dos quais ela fez parte e que, a bem da verdade, simpatizavam, em geral, com o projeto da ditadura do proletariado?
Nesta linha de raciocínio, cabe questionar, também: de qual compreensão em luta, sobre “justiça”, a presidente está falando? A do seu grupo político, que está no poder a três mandatos, ou a daqueles que foram às ruas no dia vinte manifestar uma insatisfação generalizada?]. “Não foi fácil chegar, onde chegamos, como também, não é fácil chegar onde desejam, muitos dos que foram às ruas. Só tornaremos isso realidade, se fortalecermos a democracia, o poder cidadão e os poderes da República”.[aqui, a presidente, certamente, faz alusão à repressão política do período da ditadura militar/civil, o que ela retomará depois. Este é um expediente de ameaçar com o fantasma da ditadura para, a partir daí, afirmar a necessidade incontornável de se lutar pela preservação e o fortalecimento – como está claramente posto – da democracia representativa. Ora, como já vimos, ao menos em princípio – e também na experiência histórica -, estas não são as únicas possibilidades políticas para as coletividades humanas.
Há, entre estas e outras, a proposição da democracia direta e/ou da autogestão que, inclusive, visa extinguir a dicotomia apontada – no final deste trecho da fala – entre “poder cidadão” e poderes da República – sendo que a tendência, em todos os países, parece ser que estes últimos prevaleçam -, de modo a instaurar o poder das coletividades como o único poder soberano, de fato. Ainda: é de se questionar seriamente se este fantasma do possível sucesso de uma reação ditatorial no Brasil se sustenta, visto que, ao contrário, o interesse maior da potência que, segundo consta, deu sustentação ao regime instaurado pelo golpe de 1964 no Brasil – os E.U.A. -, parece ser, no momento atual, o de instaurar democracias representativas pelo mundo afora, mesmo que seja pelo uso da força!] “Os manifestantes, têm o direito e a liberdade de questionar e criticar tudo, de propor e exigir mudanças…mas de forma pacífica e ordeira.”[aqui, a presidente deixa claro a natureza questionável e falaciosa da compreensão de liberdade, no âmbito das sociedades de Estado – conforme aponta Bakunin no trecho da epígrafe deste trabalho.
“Essa violência, promovida por uma pequena minoria, não pode manchar o movimento pacífico e democrático. Não podemos conviver com essa violência que envergonha o Brasil.”[aqui, a presidente reforça a tática de isolar e estigmatizar os “radicais”, tachando-os de “pequena minoria violenta” – já vimos como esta “pequena minoria” contabilizou, no dia vinte, em todo o território nacional, números que giraram, por alto, em torno da casa das centenas de milhares!
Liberdade, nesta concepção, significa a abertura outorgada de um campo de ações possíveis, previamente limitado, segundo os interesses de quem o outorga: o Status Quo. Obviamente, esta outorga do Status Quo não admite, dentro dos limites deste campo de ações, a possibilidade da revolta contra o próprio sistema que condiciona, oficialmente, os exercícios de liberdade a uma espécie de código de gestos sociais institucionalizados, dos quais os cidadãos são meros permissionários e, como tal, passíveis de verem a sua permissão/concessão de uso ser restringida ante qualquer suspeita de falta com a “etiqueta”.] “O governo e a sociedade, não podem aceitar, que uma minoria violenta e autoritária, destrua o patrimônio público e privado,…, e tente levar o caos, aos nossos principais centros urbanos.”[aqui, a presidente deixa escapar, nas entrelinhas da sua fala, a verdadeira natureza da “violência” tão repudiada pelo Status Quo e o verdadeiro incômodo que esta lhe causa: no trecho substituído por reticências, a presidente desfia um rosário de ações de investidas contra propriedades estatais/capitalistas – “patrimônio público e privado” -, perpetrada pela “minoria violenta e autoritária”, e o detalhe é que nenhum dos tipos de ações citadas configura agressão contra a vida.
Ao concluir este trecho, repudiando que esta “minoria violenta e autoritária” – aqui, a presidente mais uma vez omite o fato das violências contra as pessoas, na forma das repressões cruéis contra os protestos que foram repetidamente praticadas pela instituição que, teoricamente, serve à (maioria da) sociedade: a polícia -, “tente levar o caos, aos nossos principais centros urbanos”, a presidente coroa de sentido a leitura que estamos propondo: o que o Status Quo repudia nas ações em questão, não seria a sua suposta natureza “violenta” – visto que, quando se trata de atos oficiais de agressões contra pessoas, perpetradas pelas polícias durante as ações de repressão, a etiqueta de “violência” não lhes é aplicada -, mas, o que lhe incomoda e “violenta”, é a possibilidade do “caos”, o que, bem entendido – diante do fato de que a perda total do controle sobre a sociedade está descartada, pois o Estado permanece o detentor majoritário do uso da força -, significa a inviabilização das dinâmicas econômicas de produção e reprodução do capital.].
“Essa violência, promovida por uma pequena minoria, não pode manchar o movimento pacífico e democrático. Não podemos conviver com essa violência que envergonha o Brasil.”[aqui, a presidente reforça a tática de isolar e estigmatizar os “radicais”, tachando-os de “pequena minoria violenta” – já vimos como esta “pequena minoria” contabilizou, no dia vinte, em todo o território nacional, números que giraram, por alto, em torno da casa das centenas de milhares! – e contrapondo-os a um caráter pacífico e “democrático”, oficialmente imputado ao movimento – mistificando a realidade, mais uma vez, pela atribuição de um caráter uníssono a um(?) movimento cuja composição politica e social se verificou tão variada, que encontraram-se ali grupos de orientações políticas que vão desde o libertarismo, passando pelo conservadorismo, e chegando até ao reacionarismo!
Visto o caráter mítico da ideia de uma “sociedade brasileira” unívoca (falácia de toda concepção nacionalista), cabe, ainda, questionar: qual é o “Brasil” que a presidente afirma ser envergonhado pelas ações dos “radicais”? O daqueles que vem acumulando décadas de frustrações e ressentimento com todo o descaso com que as autoridades vem tratando a população, o dos movimentos sociais e políticos revolucionários ou até separatistas, ou o dos restritos grupos socioeconômicos que gozam comodamente das benesses da estrutura excludente e desigual vigente e que, consequentemente têm interesse na preservação das instituições mantenedoras desta estrutura?!
E mais: diante de quem, no âmbito internacional, se deveria sentir tal vergonha: Das populações dos países árabes que recentemente promoveram uma série de mudanças políticas em seus países através de revoltas de caráter – também – violento e que são sistematicamente elogiadas pelos países ocidentais pelo fato de tais revoltas apontarem para a constituição de democracias representativas? Diante das populações de alguns democráticos países europeus atingidos pela crise internacional que, ante os programas governamentais de “austeridade” que lhes retira direitos sociais, estão indo às ruas, em massa, confrontar os verdadeiros responsáveis por esta situação – os governos e as corporações capitalistas -, pela via de ações que incluem, inclusive, a sabotagem de bancos e grandes instituições comerciais?
Ou, diante dos grandes grupos econômicos interessados em que reine, no território brasileiro, uma “paz de cemitérios” que permita que os seus megaeventos como a copa do mundo de futebol sejam realizados sem contratempos?] “Todas as instituições e os órgãos de segurança pública, têm o dever de coibir, dentro dos limites da lei, toda forma de violência e vandalismo.(…), vamos continuar garantindo o direito e a liberdade de todos. Asseguro a vocês: vamos manter a ordem.”[aqui, a presidente incorre em um contrassenso: primeiro exorta os órgãos de segurança pública a cumprirem seu dever de coibir/reprimir os atos dos “radicais”, tachados como “violência” e “vandalismo” e, em seguida, afirma que continuará garantindo o direito e a liberdade de todos! Aqui, cabe perguntar: como classificar a precarização de serviços públicos e elevação do custo de vida pela exploração financeira por parte de empresas privadas parceiras do poder público que vêm ocupar o vácuo aberto pela ausência destes serviços e, também, como classificar o uso de “bombas de efeito (i)moral”, spray de pimenta, gás lacrimogênio, cassetetes, balas de borracha (e, em alguns casos, até munição letal), e outras “armas não letais” (uma contradição em termos), para reprimir, como foi feito na maior parte dos casos, manifestantes que a própria presidente afirma serem, na sua maioria, pacíficos? A nosso ver, estas ações sim, configuram vandalismo (destruição) e depredação (saque), bem como violência (ataque covarde e cruel contra a integridade física de pessoas), enquanto que os atos de investida contra a propriedade capitalista/estatal, configuram uma reação de autodefesa contra estas agressões estruturais e históricas!
Ah, sim: mas, como lembra a presidente, a violência do Status Quo situa-se dentro dos limites da lei! Isto apenas corrobora a compreensão anteriormente exposta de que liberdade, nas sociedades de Estado, consiste apenas na outorga, por parte do Status Quo, de um código de gestos sociais institucionalizados que, obviamente, não permite, dentro dos limites deste campo de ações assim previamente limitadas, nenhuma possibilidade de revolta contra a própria Ordem que este “códex” visa manter.
Claro, alguém dirá: o detalhe é que agora estamos em uma democracia! E a(s) radicalidade(s) libertária(s) poderá(o) retrucar: estamos, de fato, é numa ditadura dos grandes grupos econômicos (verdadeiras máfias internacionais) capitalistas, sob a capa de democracia!]
Enfim: nas sociedades de Estado – como nos lembra a presidente, mais uma vez -, liberdade resume-se a Lei & Ordem.] “Brasileiras e brasileiras:”[aqui, a presidente usa de um expediente de “quebrar” o costume segundo o qual se usa apenas o gênero masculino para se dirigir a um público genérico e inicia o trecho utilizando primeiro o feminino, com o fito de um investimento na imagem – construída por seu partido -, de integrante de grupos partidários da defesa das minorias e das diversidades – imagem que, a nosso ver, vai ficando bastante comprometida ao longo deste discurso]: “as manifestações dessa semana, trouxeram, importantes lições”[aqui, a presidente não deixa claro, por um lado, nem quais foram as tais lições e, por outro, nem para quem estas lições foram trazidas.
Porém, pelo que se segue no discurso, pode-se inferir que as referidas lições foram dadas – pelos manifestantes – ao Status Quo, e que as tais lições tratam-se aí de percepções de que a ação direta – saída às ruas para expressar sua indignação, sem intermediários – e a união de forças sociais, constituem grandes instrumentos de poder social…] “As tarifas baixaram”[a esta altura, o aumento no valor das passagens dos transportes já havia sido revogado em várias cidades], “e as pautas, dos manifestantes, ganharam prioridade nacional.[Pode-se perceber que a presidente investe, aqui, em uma estratégia que visa configurar uma empatia entre ela e os manifestantes, adotando uma sutil distinção entre ela e aqueles para quem as lições anteriormente referidas teriam sido dadas] “Temos que aproveitar o vigor dessas manifestações, para produzir mais mudanças. Mudanças, que beneficiem o conjunto da população brasileira.”[aqui, a presidente deixa escapar uma sutil contradição em relação à imagem de empatia com a luta dos manifestantes, que o trecho imediatamente anterior visa promover: então, a redução das tarifas não beneficia o conjunto da população?
A questão, aqui, é que esta alegada necessidade de mais mudanças – lembram do discurso “o povo brasileiro quer mais”, repercutido por grandes empresas de comunicação desde a manhã do dia vinte e um? – precisa ser introduzida, pois esta proposição será desenvolvida mais adiante. Porém, como se vê, as alegadas mudanças a mais que se fazem necessárias, devem, ainda, ser qualificadas como mudanças que beneficiem o conjunto da população brasileira para, desse modo, ir configurando o suposto campo de ações necessárias para tais mudanças como sendo aquele (pretensamente) único campo que poderia conter em si “o conjunto” dos anseios do “povo brasileiro”: o campo das instituições nacionais! A contradição sutil a que nos referimos logo acima se demonstra, então, ser apenas aparente, ao compreendermos assim que a presidente demonstrou empatia – anteriormente – com as lições da ação direta, apenas para, a partir do possível estabelecimento deste almejado vínculo afetivo com os manifestantes, poder abrir um espaço favorável à recepção da ideia – que será propugnada em seguida – de que se faz necessário reverter as energias sociais para os marcos da luta política institucionalizada!]
“A minha geração, lutou muito, para que a voz das ruas fosse ouvida.”[aqui, cabe questionar: qual a “voz das ruas”, da sua geração, pela qual a presidente lutou para que fosse ouvida, visto que, sabemos que na arena social das disputas por corações e mentes à época da ditadura militar/civil, atuavam, entre outras forças, a organização católica conservadora Tradição, Família e Propriedade – T.F.P.; a organização reacionária Comando de Caça aos Comunistas – C.C.P.; os diversos grupos de esquerda, de inspiração marxista revolucionária – entre os quais, como se sabe, ela lutou como guerrilheira urbana – etc. Uma vez mais, a presidente omite – pela adoção da figura mítica da unívoca “voz das ruas” – o fato de que, o âmbito da política, seja em ditaduras ou em democracias, é o âmbito da disputa entre forças diversas e até divergentes, o que implica, no limite – com evidente recorrência histórica –, em conflitos que redundam no uso da violência como recurso incontornável.
O objetivo do recurso a este sofisma/expediente discursivo da unívoca “voz das ruas” é deslegitimar a “violência” dos “radicais” enquanto forma válida de ação política, conforme se vê logo em seguida.] “Muitos, foram perseguidos, torturados, e morreram por isso”.[aqui, recorre-se novamente à ameaça do fantasma da ditadura – cujo risco de uma temível “reedição” sugerida aí, não parece se sustentar muito (pelo menos, não na sua forma “clássica”), conforme já tratamos -, para, com isto, afirmar a suposta necessidade incontornável de se lutar pela preservação da democracia representativa]“A voz das ruas, precisa ser ouvida e respeitada. E ela, não pode ser confundida, com o barulho e a truculência de alguns arruaceiros.”[aqui, pontuaremos a ironia histórica contida nesta frase: a presidente, ex-guerrilheira urbana – conforme é de conhecimento público -, que ontem adotou o método da violência política para lutar contra um regime opressor, hoje, enquanto integrante do Status Quo, adota, no trato com os “radicais” da atualidade, uma postura de mesma natureza daquela que adotaram os integrantes do antigo regime com relação aos então guerrilheiros: a promoção do demérito com relação às ações “violentas” de seus opositores, impingindo-lhes termos que visam desclassificá-las enquanto ações políticas e confundi-las com “violência” vulgar – até parece que o autor deste texto foi algum general empertigado que, como tal, não poderia deixar de bradar, contra os jovens contestadores: “seus vândalos, arruaceiros” (e também, claro: “terroristas”)!
Claro, alguém dirá: o detalhe é que agora estamos em uma democracia! E a(s) radicalidade(s) libertária(s) poderá(o) retrucar: estamos, de fato, é numa ditadura dos grandes grupos econômicos (verdadeiras máfias internacionais) capitalistas, sob a capa de democracia!] Com este último trecho, a presidente arremata este ponto cujo objetivo é, conforme se vê, reforçar a tática de estigmatização e isolamento dos “radicais”. Em seguida, passa a investir em seu outro objetivo geral neste discurso: a promoção da estratégia de reconciliação das energias sociais com as instituições, pela via da proposição de uma ampla reforma política.