Por Homero de Oliveira Costa, professor de Ciência Política da UFRN
A presidente Dilma Rousseff, em resposta às manifestações e reivindicações das ruas, propôs no dia 24 de junho de 2013 aos 27 governadores e 26 prefeitos de capitais convidados para uma reunião no Palácio do Planalto, a adoção de cinco “pactos nacionais” (responsabilidade fiscal – com o objetivo de garantir a estabilidade da economia diante da crise mundial – e melhorias na qualidade dos serviços públicos de transporte, educação, saúde, e uma “profunda e ampla reforma política que amplie a participação popular e os horizontes da cidadania”.
Em relação à reforma política – considerado um dos temas mais relevantes, e urgentes – inicialmente a intenção era a de realizar um plebiscito para decidir a convocação de uma Assembleia Constituinte para a reforma do sistema político (a presidente já havia cogitado essa possibilidade na campanha eleitoral de 2010, tal como Lula, mas também como ele, ao assumir o mandato abandonou a ideia e só agora, em função das manifestações de ruas, voltou com a proposta). No entanto, um dia depois, alvo de críticas no Congresso e questionamentos jurídicos, o governo desistiu e no dia 2 de julho, encaminhou formalmente uma mensagem ao Congresso Nacional propondo cinco temas para um plebiscito sobre reforma política (financiamento público, misto ou privado, sistema eleitoral (proporcional ou distrital), suplência de senador (continuidade ou não), fim do voto secreto em deliberações do Congresso e continuidade ou não das coligações em eleições proporcionais). Enviou uma mensagem e sugestões porque, segundo a Constituição (Artigo 49) cabe ao Congresso a prerrogativa de convocar plebiscitos e referendos.
Embora uma reforma politica seja bem mais ampla do que os temas propostos, e sem que haja certeza quanto à possibilidade de realização de um plebiscito, pelo menos para valer para as eleições do próximo ano, um dos grandes méritos das manifestações de ruas foi (re)colocar em debate temas relevantes (e polêmicos) e alguns, com poucas chances de ser aprovados no Congresso Nacional, como o financiamento público exclusivo de campanhas e o fim das coligações em eleições proporcionais (mesmo que tenham sido aprovados pelas Comissões Especiais de Reforma Política, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados).
No momento, a possibilidade da realização de um plebiscito está ameaçada. Depois de uma reunião realizada no dia 4 de julho com líderes dos partidos da base aliada, o vice-presidente Michel Temer afirmou que não havia tempo suficiente para realizar um plebiscito para valer nas próximas eleições. Pouco depois, em função da repercussão de suas palavras, afirmou que tinha expressado apenas a opinião dos líderes dos partidos e que o governo continuava a se empenhar para que o prazo fosse mantido, ou seja, realizar um plebiscito antes do dia 5 de outubro e assim ter validade para as eleições de 2014. De qualquer forma, é muito difícil manter a data considerando principalmente o posicionamento do seu partido (PMDB). O presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN) formou uma comissão para num prazo de três meses apresentarem uma proposta. A intenção é claramente adiar a decisão, uma vez que essa comissão é completamente desnecessária já que foram formadas várias comissões especiais de reforma política e existem relatórios que sequer foram votados, como da comissão mais recente que teve como relator o deputado Henrique Fontana (PT/RS). Mas caso o Congresso aprove o plebiscito (pode manter, diminuir ou ampliar
os temas propostos) um dos mais relevantes certamente é do financiamento de campanhas eleitorais.
Os dados da prestação de contas dos partidos e candidatos nas eleições municipais de outro de 2012, demonstraram o quanto são elevados os valores de uma campanha eleitoral no país, considerando ainda que as receitas e despesas nem sempre são as que são apresentadas à Justiça Eleitoral. Esses recursos, como os dados demonstram, são majoritariamente da iniciativa privada, especialmente de pessoas jurídicas.
Diversas pesquisas tem demostrado que há uma estreita relação entre recursos de campanhas e desempenho eleitoral. Quanto mais recursos tiverem, maiores serão suas chances de êxito eleitoral. Isso vale das eleições presidenciais a de vereadores. Um dado apresentado pelo relator da Comissão Especial de Reforma Política, deputado Henrique Fontana (PT/RS) baseado em dados do TSE, mostra isso: dos 513 deputados eleitos em 2010, 369, o seja, quase 72% foram os que mais gastaram nos seus respectivos Estados. Para ele “A democracia brasileira é cada vez mais uma democracia do dinheiro e cada vez menos uma democracia de ideias e projetos. O dinheiro é cada vez mais decisivo no processo eleitoral. Em oito anos (2002 a 2010) os gastos em campanhas saltaram de R$ 800 milhões para R$ 4,8 bilhões” (Henrique Fontana “Para fortalecer a democracia”, 05/04/2013).
O cientista político Emerson Urze Cervi fez uma pesquisa com o objetivo de verificar a relação entre desempenho eleitoral e fontes de financiamento e no artigo “Financiamento de campanhas e desempenho eleitoral no Brasil: análise das contribuições de pessoas físicas e jurídicas e partidos políticos nas eleições de 2008” (Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, 2010) analisa os resultados da pesquisa que teve como base a prestação de contas de 173 candidatos a prefeitos de 26 capitais brasileiras em 2008 e o impacto dos tipos de doadores no desempenho dos partidos. O resultado, que não difere de outras pesquisas, mostra que “as doações de pessoas jurídicas apresentam maior correlação com candidaturas bem-sucedidas, sendo esta a origem da desigualdade”.
Essa desigualdade diz respeito à disputa eleitoral. A forma como se dá o processo eleitoral no Brasil, com o primado do financiamento privado, evidencia a desigualdade na disputa e o quanto ela não é democrática, ou seja, os que têm mais recursos (próprios, dos partidos e especialmente privados) têm muito mais chances de se elegerem.
Isso tem implicações na própria representação política na medida em que o representante terá seu mandato muito mais comprometido com os financiadores de campanhas de que com seus eleitores (que não exercem nenhuma forma de controle do exercício do mandato, ao contrário de quem financia) e, com diz Emerson Cervi, se há uma retribuição posterior por parte de órgãos públicos (aos que financiam as campanhas) isso “tende a distorcer o processo representativo, reduzindo a qualidade dos serviços públicos prestados pelas instituições democráticas à sociedade”.
Nesse sentido, cresce a importância de uma reforma política que possa, entre outros aspectos, acabar com financiamento privado de campanhas. O ideal seria que os partidos fossem sustentados pelos seus filiados e simpatizantes, mas na impossibilidade, com o descrédito dos partidos (evidenciado nas recentes manifestações) a solução é torna-lo público e exclusivo (que, aliás, tem sido defendido por todas as comissões de reforma política do Congresso, inclusive as mais recentes, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados).
O financiamento privado de campanhas tem sido a fonte de muitos escândalos e corrupção no país, como atestam os exemplos mais recentes do chamado “mensalão” (fundamentalmente a formação de “caixa dois” para financiamento de campanhas eleitorais) e os crimes detectados pela CPMI que investigou a organização chefiada por Carlinhos Cachoeira (Os depoimentos e gravações feitas com autorização judicial indicaram a transferência de recursos por meio de empresas “fantasmas” para o chamado “Caixa 2” dos partidos e candidatos), ou seja, os tais “recursos não contabilizados”.
Como afirma o deputado Henrique Fontana (PT/RS) mudar a forma de financiamento das campanhas no país é essencial para fortalecer a luta contra a corrupção: “além de combater futuros escândalos, a mudança também deverá reduzir os valores gastos nas campanhas, contribuindo para tornar o debate ideológico e de projetos o objeto principal da atenção da sociedade nas eleições (…) esse modelo abre as portas para que redes criminosas tentem influenciar o processo eleitoral e obter ganhos ilícitos após as eleições”.
Para ele, esses ganhos “podem ocorrer de várias formas. Tráfico de influência, direcionamento de licitações ou superfaturamento de obras públicas”. Em todas elas sempre quem perde é a sociedade” e continua “às vezes escuto pessoas dizerem que é um absurdo destinar recursos públicos para campanhas eleitorais. Concordo que devemos também investir em saúde e educação, mas temos que reconhecer que é a população, entre eles os contrários ao financiamento público, que acabam pagando a conta pelos danos causados pelo financiamento privado”.
Os que são a favor do financiamento privado argumentam que o ato de contribuir seria uma forma legítima de expressar suas preferências políticas. Pode ser. No entanto, em geral, as empresas, empreiteiras, bancos etc., financiam vários partidos e/ou candidatos e o fazem não por afinidades programáticas e ideológicas, mas visando o retorno (com lucros) dos seus investimentos, ou seja, destinam recursos a partidos e candidatos com maiores chances de vitória, independentemente da posição ideológica, esperando o retorno desses investimentos.
Já o financiamento público exclusivo pode permitir maior igualdade de condições entre candidatos e partidos, tornando à competição eleitoral mais democrática.
Nesse caso, a questão central nos parece ser como garantir que os recursos do Estado sejam a única fonte de financiamento das campanhas e quais os mecanismos fiscalizadores que se dispõem (e sua eficácia) e a forma de como esses recursos serão distribuídos entre os candidatos e partidos. Da forma como está, ele não é democrático, nem em relação aos recursos privados (maior parte), nem em relação aos recursos públicos (fundo partidário) que não são distribuídos democraticamente nos partidos.