A Revolta do Busão foi algo impressionante como movimento e como manifestação da consciência da necessidade de se atacar a questão fundamental do Brasil – a desigualdade. Não é apenas por R$ 0,20 centavos, é por direitos que a gente luta, muitos disseram quando foram vandalizados do ponto de vista físico e simbólico, este último, às vezes, mais doloroso do que o primeiro.
A pauta era clara – o que se quer é cidade, em seus desdobramentos mais amplos. A crítica ao aumento da passagem sempre teve esse sentido embutido. E na segregacionista noiva do sol – como Natal é chamada por alguns bobos alegres –, convenhamos, é uma baita agenda.
Fiquei entusiasmado porque a plenária recusou uma via aparentemente fácil, mas com consequências nefastas – a da violência. Sim, vi muitos policiais sendo agredidos no último ato e compreendi que isso se relaciona com o ressentimento de alguns no que tange a questão da truculência repressiva. No meu entendimento, os grupos organizados (nenhum daqueles ligados à revolta do busão) que hostilizaram os homens de farda durante o ato do dia 20 expressaram o claro sentido de “vingança”, de “descontar” o que é recebido (na condição de vítimas!) cotidianamente em suas periferias.
Mas a tudo procurar compreender não significa a tudo aceitar. Transformações sociais substantivas não virão pelo revide porque o ressentimento exposto dessa maneira só criará mais espaço para ataques de ambos os lados. Nisso a plenária foi objetiva – a gente tem um propósito, que é o de mudar a forma como um serviço público – essencial – é feito na cidade. Queremos alargar a cidadania e os canais de participação, aprofundar o diálogo, a democracia e não atentar contra esta última. Combater a ignorância com ações reflexivas.
E o movimento social saiu melhor do que a encomenda. A força foi mostrada nas ditas redes sociais – que facilitam a comunicação, mas não dizem o que informar e o que levam as pessoas a se indignarem (ela não é base material do descontentamento!) –, nas ruas. Tudo feito no viés da grande política, sem mesquinharias.
Mas, ao esvaziar a pauta e fazer um protesto chapa branca, os conservadores da cidade, conscientes de que era impossível frear a #RevoltadoBusão, tentaram amansar os estudantes, sugerindo que o problema a ser perseguido era o da corrupção, da falta de ética na política, etc (até a hashtag foi alterada sorrateiramente para #ProtestoNatal).
Eu não sou contra combater a corrupção, de perseguirmos mais ética na política. Quem, em sã consciência, é contrário a isso?! Porém, não caindo nessa demagogia barata, a alteração do modelo não se processa por um simples lance de troca de postura individual, que no discurso moralista alega superioridade de fulano ou cicrano. Sempre terminaram mal os projetos políticos capitaneados por um escolhido, mais sábio, mais honesto, puro.
Não é gritando com histeria e com soluções ditatoriais que se combate à corrupção. É com mais democracia, criação de conselhos gestores e forte controle social. Não é de um santo que estamos à procura. Pelo que entendi das plenárias e atos que fui, o que se almeja é refazer a correlação de forças em favor de uma agenda, que privilegie a inclusão e criação de um cenário institucional aonde a cidadania seja alargada e a própria participação mais efetiva resultará em maior acompanhamento, logo menos corrupção. Quando o agente fala dentro de um fórum qualificado e segue o serviço prestado de perto, o erro é rapidamente equacionado e corrigido.
Pelo que assisti o anseio da revolta do busão sempre foi o de melhorar a cidade e aprofundar canais democráticos de participação e controle. Nunca teve a ver com uma suposta moralização do país pela via conservadora, pois que não afirma o cidadão, mas estabelece a (falsa) concepção de que há pessoas melhores e outras piores, mais honestas e menos honestas, mais capazes e menos capazes. O que se quer é acabar com hierarquias e não estabelecer mais uma. Se entendi bem, a ideia é interagir e não delegar a um terceiro supostamente mais honesto.
Os manifestantes da Revolta do Busão não estavam dormindo. Tomavam parte muito antes dos que pularam da cama agora. Os já enquadrados (de modo torpe) de vândalos, arruaceiros e vagabundos sempre se fizeram presente quando o objetivo era perseguir uma cidade mais justa e igualitária. Os militantes da Revolta do busão utilizaram a palavra sem se renderem a qualquer tipo de terrorismo, acusação feita – com a intenção de criminalizar – aos atos pacíficos que eu tive a oportunidade de checar.
É fato que a pauta foi parcialmente capturada durante o último ato. Até o SETURN, depois de deixar reiteradamente todo mundo a pé, alegou ser a favor dos protestos. A governadora Rosalba Ciarlini, que liberou a polícia para bater nos manifestantes, também. Os defensores do atraso, dos interesses inconfessáveis tentaram retirar a radicalidade inclusiva almejada pelos estudantes. Acredito eu, com um quê de esperança, que foi sem sucesso. A Revolta do Busão não deseja a violência, nem muito menos passeata estilo Carnatal com teses pró-familia, propriedade e ditadura militar, como as que foram aventadas por algumas pessoas no dia 20. Não tergiversa diante de agressões contra militantes, que abraçaram a luta desde o início, nem admitirá ser bucha de canhão de golpistas. Não quer ordem e progresso, dois termos caros à permanência, não ao caminhar.
Se eu entendi bem – por favor, me corrijam se eu estiver errado –, o espírito que move é o de mais mobilidade, reforma urbana e cidade para todos, democratização da mídia, mais acesso aos canais decisórios, mais participação, enfim, mais mudança e autonomia para sacudir a taba. O que corre nas veias não é óleo de coxinha, mas o sangue de um povo nunca domado, dos índios potiguares.