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Manifestações, Violência e as Redes Sociais

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No escape 03Desde 1992 que o Brasil não via tamanha demonstração de mobilização popular nas ruas. Naquele ano fatídico, era pelo Fora Collor que a juventude brasileira começou a ir às ruas. O resultado, claro e límpido, em ano de gravíssima crise econômica e inflação, foi a derrubada constitucional do então Presidente Fernando Afonso Collor de Mello. Lição de civismo e democracia. Pintamos a cara, organizamos palavras de ordem. A mobilização fora então, de escola em escola, sindicato a sindicato, universidade a universidade, enfim, quase que no boca-a-boca. Pacíficas, elas ocorriam após 7 anos do fim do Regime Militar. Aos 16 anos de idade e, escondido de meu velho pai, pintei a cara e entrei no Movimento Estudantil.

Hoje, 21 anos depois, numa amostra de que a política e sua cultura são verdadeiras caixinhas de surpresas, a juventude tupiniquim, novamente ela, sai às ruas. Desta vez, a priori, está em busca de dignidade, por melhores transportes públicos no país da Copa de 2014. Como as ditas “obras de mobilidade” não chegaram em canto algum, sobra um modelo civilizatório centrado no transporte individual. Caótico, individualista e caro. Só em SP, custa cerca de 64 bilhões de reais por ano. Em quê? Em ENGARRAFAMENTOS.

Piada de mau gosto ou não, o Brasil é uma verdadeira Índia em termos de transporte público. Desde sua gênese, o atual governo, assim como o anterior, investem em políticas de financiamento da indústria automobilística. Carros e motos nas ruas. Poucos ônibus e quase nenhum metrô. Só para se ter ideia do tamanho do problema, só a cidade de Nova York possui mais de 3 mil km de linhas de metrô. O Brasil inteiro, somado, mal chegam a 300km.

O resultado desse quadro é um dos sistemas de trânsito mais violentos do mundo. Acidentes de motos e de carros elevam as estatísticas de morte aos quase 50 mil ao ano. No Brasil, a mesma quantidade de gente morre vitimadas por homicídios. Um milhão de mortos a cada década. Uma verdadeira hecatombe.

Mas, como parecem atestar alguns analistas, o movimento que estamos vivenciando e que, Natal quiçá terá sido a pioneira, tem a marca de uma juventude que, até pouco tempo, era chamada de alienada. Movida a Toddynho e a Shoppings Centers, essa meninada que não conheceu a inflação e nem a brutal crise econômica dos famigerados anos 1980 e 1990, acordou para exigir melhoras. Coroas como eu, com toda a certeza, estão branindo: “estão reclamando de quê se antes era pior?”. Eis a questão.

Porquê então remeter ao passado? Ora, segundo Nobert Elias:

“O passado nunca é simplesmente o passado. Ele age – com maior ou menor força, de acordo com as circunstâncias – como uma influência sobre o presente. Não apenas por causa da inércia das tradições que deslizam cegamente de era em era, mas também porque uma imagem de fases pretéritas da nossa própria sociedade, por distorcida ou deformada que possa ser, continua vivendo na consciência de gerações subsequentes, servido involuntariamente como um espelho onde cada um pode ver-se a si mesmo” (1997, p. 59).

Nossos jovens, que agora começam a tomar as ruas em clamor pelos seus direitos e, como bem lembrou um amigo no twitter: “Por dignidade!”. Usam as redes sociais como instrumento de mobilização e de tomada de uma consciência coletiva própria, se assim posso abusar do conceito durkheiminiano. Assim como na Primavera Árabe, mas com muito mais liberdade, nossa juventude “alienada”, entre uma postagem ou outra no Facebbok e no Twitter, comunicando-se via celular, tablets e computadores portáteis e cada vez mais baratos, se organizou e começou a tomar as ruas. Reprimida violentamente pelo aparelho repressor, “onde o ponto crucial é o equilíbrio entre as duas funções do monopólio da violência: entre a função para os seus controladores, e a função (ou funções) para toda a população de um Estado, por exemplo, no que se refere à pacificação interna” (ELIAS, 1997, p. 163).

No escape 02Afinal, para esses jovens há um latente “(…) sentimento de estar encarcerado num sistema social que torna muito difícil para as gerações mais jovens encontrarem oportunidades para um futuro pleno de significado” (ELIAS, 1997, p. 182). Ou seja:

“As pessoas de gerações mais antigas, com experiências nas lutas pelo poder, reconhecem com frequência a necessidade de compromisso. Os mais jovens são, na maioria das vezes, mais inflexíveis a respeito de meias-medidas. Pode ser aqui percebido um aspecto do conflito de gerações que se desenrola apenas meio reconhecido nas sociedades industriais ocidentais. Muito dos mais argutos membros das mais jovens gerações não se satisfazem com soluções de compromisso. Assim, quando desejam expressar e pôr em prática seus desejos políticos através dos canais institucionais da organização partidária, é frequente encontrarem o caminho obstruído, suas necessidades de significação bloqueadas” (ELIAS, 1997, p. 183).

Essa juventude que hoje toma as ruas, de celular nas mãos e tênis Nike nos pés, começa a sentir o prazer indelével de praticar atividades coletivas, sentir uma vida comunitária e suas respectivas demonstrações de massa, onde todas elas proporcionam aos participantes não só um sentimento de solidariedade, mas também o sentimento de se possuir um propósito significativo, um sentimento de poder e uma excitação feliz e prazerosa. Aí está os propósitos; aí está o significado. Mais do que lutar por 0,20 centavos ou pelo “Busão”, essa meninada luta por DIGNIDADE.

Estamos diante de um conflito geracional? Talvez sim. Todo conflito de gerações é sempre um conflito social. Mas, a estrutura desses processos no nível individual é determinada pela estrutura das relações entre as gerações na sociedade como um todo, seja ela uma tribo ou um Estado. Daí que, essa meninada, sem uma perspectiva de status positivo para o futuro, em espaços dominados pela violência cotidiana e onde, suas manifestações legítimas de identidade, arte, cultura e sexualidade, são tratadas como marginais ou outtsiders. Impossível não se rebelar em contexto assim.

Aqui, no País de Mossoró, a juventude clama pela existência do básico: um sistema de transporte público que permita-lhes ir e vir de fato. Realizaram um protesto que, chegando aos 1000 jovens, proporcionalmente, é mais significativo que o de Belo Horizonte ou São Paulo. Chamam a si mesmos de “Movimento Pau-de-Arara”, lembrando do meio de transporte sofrido no qual nossos irmãos nordestinos e sertanejos viajavam dias e dias para alcançar o sonho do Sudeste. Os jovens sonham, como seus antepassados, por dignidade.

A era do sonho acabou. Agora é a Era da Luta.

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CITAÇÕES:

ELIAS, Nobert. Os Alemães: A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Editado por Michael Schröter. Tradução de Álvaro Cabral. Revisão técnica de Andrea Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

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SOBRE O AUTOR:

Thadeu de Sousa Brandão, Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Consultor de Segurança Pública da OAB/RN e Professor de Sociologia da Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Mossoró/RN