Há várias maneiras de manipular uma pesquisa de opinião (enviesar perguntas, concentrar a aplicação em determinados grupos sociais ou regionais, etc). Mas é preciso também ficar atento ao modo como os números são seletivamente apresentados pela imprensa. É que a manchete e a “análise” acabam por levar o leitor a uma compreensão diferente do que está posto pelos dados. Nesse sentido, a sondagem publicada hoje pela Folha, em que a aprovação do governo Dilma cai 8 pontos, é significativa.
Alguns apontamentos:
01 – A pergunta de escala (ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo) não é a mais indicada para medir “aprovação”. Ela serve para “avaliar”. Por que ressaltar a diferença? Ora, porque o cidadão pode não está, circunstancialmente gostando do desempenho do governo, mas pode aprovar a presidente. A questão não é só de nomeclatura. Avaliar é diferente de aprovar. Veja que a confusão conceitual leva a conclusão jornalística de que Dilma está menos “popular” (texto da Folha se encontra depois das minhas ponderações).
Exemplo concreto de como a diferença é importante: Fernando Henrique, durante a sua reeleição, tinha a gestão mal “avaliada”. No entanto, sua popularidade como aquele que seria supostamente o mais capaz para enfrentar a crise de 1998 fez com ele lograsse êxito em sua jornada.
02 – No infográfico do levantamento é possível perceber que dos 8% em queda, 6% saíram do “bom e ótimo” e passaram para o “regular”. Esse movimento é típico do cidadão que assim raciociona: “estou desconfiado em relação a X fatores – daí a queda na avaliação –, mas ainda estou suscetível a aprovar o governo”.
O pequeno revés não pode ser desconsiderado. Entretanto, está claro que o eleitor não saiu de sua zona de conforto e ainda elegeria, se a eleição fosse hoje, a candidata do PT.
03 – O levantamento deveria aliar a pergunta de avaliação (ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo) com a de aprovação (aprova ou não aprova). Desse modo, saberíamos se a queda foi de avaliação e/ou de popularidade.
Minha sensação? Penso ser improvável que a pergunta não tenha sido feita. Ninguém aplica uma pesquisa de tamanha magnitude sem empreender um levantamento sobre diferentes aspectos e enfoques, como foi o caso, conforme dados demonstrados sobre percepção do cidadão em relação a outros cenários, corrida eleitoral, etc.
Alias, os jornais tendem a não publicar aquilo que não “consideram” relevante. Quando faço levantamentos, sempre entrego a pesquisa integralmente e é o períodico quem seleciona o que vai entrar na reportagem. A linha ideológica do jornal dá o viés de como as estatísticas serão demonstradas. E pelo modo como a Folha sistematicamente pinta o Brasil como sinônimo de caos, acredito que os números bons foram deixados de lado.
As manchetes negativas imperam. Quando algo bom ocorre, o fato positivo é sempre contrabalançado com um “mas” e um evento desabonador depois – exemplo: Brasil melhora nisso, mas isso, isso e aquilo nos mantêm na pior posição e tal…
04 – Diz a Folha: “A presidente perdeu (“)popularidade(“) entre homens e mulheres, em todas as regiões do país, em todas as faixas de renda e em todas as faixas etárias, segundo o Datafolha”.
Qual é a base de tais afirmações (terroristas)?! Para isso ocorrer, seria necessário que todas as submudanças regionais, de sexo e de renda ocorressem para além da margem de erro em comparação a um contexto anterior. E é improvável que isso tenha acontecido, dado o revés de 8% (subamostras têm margem de erro maior). É uma fala jogada ao vento sem nenhum embasamento técnico mínimo.
Tanto é que nenhum número foi exposto.
05 – O texto diz ainda: “Os números do Datafolha indicam que a deterioração da imagem de Dilma é um reflexo do aumento do pessimismo dos brasileiros com a situação econômica do país e mostram que a população está mais preocupada com a inflação e o desemprego”.
Acho que estou sendo repetitivo, mas é inevitável: qual a base de tais afirmações?! Até acredito na inflação como argumento (a matéria demonstra um dado concreto quanto a inflação), mas não estamos em período de “pleno emprego” e “renda acima da inflação”?!
O que fundamenta análise tão perspicaz?!
AUSÊNCIA DE RIGOR CONCEITUAL
Produzo o meu doutorado sobre o impacto, grosso modo, de pesquisas de opinião e eleitoral. E impressiona o modo descuidado com que o Instituto Datafolha constroi conceitos empregados nas suas sondagens. O assunto é preocupante, pois uma simples palavra trocada/mal situada pode alterar a maneira como o respondente atribuirá uma sentença.
Exemplo prático:
Você é a favor da homossexualidade?
Ou
Você é a favor do homossexualismo?
Em estudo recente, o DataFolha aplicou a segunda indagação. Ora, a noção “homossexualismo”, ao contrário de “homossexualidade”, tem carga valorativa negativa e carrega o estigma de ter sido utilizada no passado como enquadramento patológico das relações homoafetivas, algo que a Organização Mundial de Saúde já rechaçou.
Em que pese o erro gritante, a Folha de São Paulo mobilizou alguns colunistas a se prestarem ao vergonhoso papel de defender o uso do abolido termo médico.
CIRCUITO DE LEGITIMAÇÃO
Na década de 1970, o sociólogo Pierre Bourdieu já tinha “cantado a pedra” – a imprensa forma a opinião, repetindo-a pelos mais diferentes caminhos e aspectos (vide o terrorismo contemporâneo no que tange o tema inflação, tecendo comparações esdrúxulas entre o período anterior ao controle inflacionário e o atual) e, ao término, aplica uma pesquisa mostrando a suposta novidade – a “opinião pública existe e tem medo da inflação”.
É por essas e outras que o estatístico americano George Gallup também denominava a pesquisa de opinião como “método de manipulação da opinião pública”.
Da Folha
Governo Dilma tem 57% de aprovação após queda de 8 pontos, diz Datafolha
A popularidade da presidente Dilma Rousseff caiu pela primeira vez desde o início de seu mandato, há dois anos.
Pesquisa feita pelo Datafolha na quinta e na sexta-feira mostra que 57% da população avalia seu governo como bom ou ótimo. São 8 pontos a menos que no levantamento anterior, feito em março.
A presidente perdeu popularidade entre homens e mulheres, em todas as regiões do país, em todas as faixas de renda e em todas as faixas etárias, segundo o Datafolha.
Os números do Datafolha indicam que a deterioração da imagem de Dilma é um reflexo do aumento do pessimismo dos brasileiros com a situação econômica do país e mostram que a população está mais preocupada com a inflação e o desemprego.
Para 51%, a inflação vai subir. Em março, esse índice era de 45%. A mesma tendência pode ser observada em questões sobre desemprego, poder de compra do salário, situação econômica do país e do próprio entrevistado.
Apesar da queda de popularidade, a presidente Dilma Rousseff continua sendo a favorita para vencer a eleição presidencial do ano que vem.
No cenário mais provável da disputa, em que teria como adversários a ex-senadora Marina Silva (Rede), o senador Aécio Neves (PSDB) e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), Dilma teria 51% das intenções de voto, segundo o Datafolha.
São sete pontos a menos que o verificado no levantamento anterior, de março. Mas ainda assim é o suficiente para liquidar a eleição já no primeiro turno.
Em segundo lugar, com os mesmos 16% da última pesquisa, aparece Marina, atualmente engajada na criação de um novo partido político, a Rede Sustentabilidade.
Aécio foi o único que cresceu em relação ao levantamento de março. Ele tem agora 14% das intenções de voto, quatro pontos a mais que na pesquisa anterior.
Nessas oportunidades, Aécio criticou o governo com muita ênfase na inflação, objeto de crescente preocupação da população, conforme a mesma pesquisa.
Em quarto lugar na pesquisa, com 6% das intenções de voto, aparece o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). O índice é mesmo obtido por ele no último levantamento.
A pesquisa foi realizada nos dias 6 e 7 de junho. Foram feitas 3.758 entrevistas. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.