Emergindo do Confronto Desnecessário
Por Ivenio Hermes
Introito
Após as últimas ocorrências envolvendo policiais e manifestantes do movimento #Revoltadobusão uma nova cena se desenrola no cenário de Natal. Ao invés de confronto, provocação ou medição de forças, a busca pela paz sem negar o direito de ir e vir de muitos e nem tampouco o da livre manifestação de tantos outros, foi o grande fator de equilíbrio mostrando que não há necessidade da manutenção do antagonismo entre polícia e sociedade.
Histórico
A situação decorrente da manifestação pelo aumento da passagem de ônibus urbano em Natal tem sido explorada de todas as formas:
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Parte da imprensa que divulga informações sem compromisso com a verdade ou a paz social, visando apenas auferir lucro próprio na venda de jornais e anúncios online;
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Alguns manifestantes se envolvem na guerra contra a polícia em franca rivalidade não com os homens que usam o uniforme, mas contra as autoridades que eles representam e contra a forma que os agentes encarregados de aplicar a lei se conduzem;
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Policiais descarregam seu rancor, oriundo de um treinamento que coloca o cidadão como criminoso potencial e seu próprio descontentamento contra a hierarquia e contra os chefes políticos, através de agressões, bravatas e palavras de humilhação contra os manifestantes.
O fato é que diante do paradigma comportamental suscitado pelo “escurinho do cinema”, onde todos possuem suas identidades protegidas pelo anonimato, seja ele fornecido pela imersão em uma força policial ou pelo capuz e a proteção da multidão, não houve equilíbrio entre policiais e manifestantes.
Ambos os grupos se polarizaram em argumentos que marginalizam os movimentos sociais de um lado e criminalizam o uso da força policial. Em ambos os polos, indivíduos com pensamentos extremos levam outros a agir e esboçar um comportamento agressivo que aumenta o abismo entre a sociedade e as forças policiais, transformando-os em títeres de uma elite que os manipula.
Os verdadeiros criminosos, como eu disse no artigo Confronto na Revolta do Busão posam de bonzinhos diante das câmeras, com sua culpa ofuscada pelas marcas de balas borracha exibidas pelos manifestantes ou pelas marcas de pedrada nas viaturas policias.
Mas ainda existe a chance de não fazer guerra, de não punir o inocente, de não marginalizar umas minorias e nem criminalizar a conduta de outras. É o caminho da paz apenas vislumbrado por quem percebe quem são e não possuem ligações os verdadeiros promotores da discórdia.
O Caminho da Paz
Numa busca pelo entendimento, sabendo ser o confronto o último recurso a ser utilizado, Marcos Dionísio Medeiros Caldas (Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal), Evandro Minchoni (Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RN Natal) e Rosemberg Alves de Medeiros (superintendente da Polícia Rodoviária Federal) juntaram-se em amplo debate anterior aos eventos do dia de hoje visando a cooperação mútua entre os órgãos representados para evitar embates.
Assim, desde que a ordem de não permitir a obstrução da Rodovia Federal BR101 e nem de suas marginais foi expedida, foram adotadas as seguintes providências:
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O superintendente da Polícia Rodoviária Federal, Rosemberg Alves de Medeiros, articulou uma operação de contenção de conflitos, participando pessoalmente dela sem esperar que novos conflitos acontecessem. Sua ação prévia buscou de convocar um contingente para ações de controle de distúrbio civil, poupando o Grupamento de Choque da Polícia Militar;
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O Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal, Marcos Dionísio Medeiros Caldas, ficou encarregado de articular meios pacíficos de manifestação entre os diversos grupos representativos do movimento sem terra;
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O Professor e Advogado Evandro Minchoni, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RN Natal, recebeu o encargo de articular com os estudantes, meios semelhantes de fazer a marcha até ao local onde o movimento teria real legitimidade sem ser antipatizado por passantes ou pela ordem judicial vigente.
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O próprio Corregedor Regional da Polícia Rodoviária Federal e sua equipe foram inseridos no teatro de operações, de forma a garantir a ação dos agentes de polícia dentro dos limites estabelecidos pelo uso progressivo da força;
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O chefe da Assessoria de Comunicação da PRF/RN foi encarregado de fazer os registros em vídeo dos eventos, novamente usando uma técnica de ação em controle de crises para coibir ou registrar casos de possíveis excessos e tentativas de provocação dentro e fora da própria polícia.
Não parece ser uma fórmula complicada, pelo contrário, o diálogo ainda é o melhor de pessoas civilizadas e respeitadoras dos movimentos sociais se entenderem.
Observações In Loco
Mesmo carentes de uma liderança unificada, os manifestantes do movimento #Revoltadobusão realizaram plenárias, se predispuseram a ouvir o chefe de Operações Especiais da PRF quando este se aproximou da plenária, a dar atenção à voz ponderada do Professor Evandro Minchoni, e finalmente decidiram marchar até a Governadoria para de lá, junto com o MST, buscar em uníssono pleitear pelas suas reivindicações.
Alguns professores da UFRN que se encontravam no local, também mostraram que estavam ali para apoiar os manifestantes e não para incitá-los contra a autoridade policial. Essa cooperação contribuiu para que um dia tranquilo em meio ao caos no qual a segurança pública potiguar está imersa.
Cheguei cedo ao local para extrair minhas observações de dentro da situação e fiz um amplo levantamento fotográfico intitulado A Arte de Não Fazer Guerra. Outro editor da Carta Potiguar, Alysson Freire, também ficou comigo até precisar se ausentar para outro compromisso. Não presenciei ações desequilibradas em nenhuma das partes.
Apenas vi duas ações que poderiam ser tidas como agressivas por observadores passionais:
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No início da manhã, antes das sete horas, um fotógrafo foi revistado porque se encontrava numa posição que o privilegiaria caso fosse um agressor (ele estava no Viaduto enquanto os policiais se reuniam na parte inferior);
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Alguns manifestantes estavam mascarados e usavam mochilas que poderiam gerar suspeição nos policiais federais, mas ambos os grupos mantiveram uma distância respeitosa;
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Não houve nenhum sentimento de repúdio por parte dos policiais federais nem quando os grupos de manifestantes iniciou um grito “polícia comprada, o povo na calçada” e da mesma forma quando as viaturas delimitavam a área para marcha.
A sociedade potiguar se encontra à mercê da falta de segurança pública, ela perdeu a confiança em sua polícia, em seus governantes, e em muitos de seus representantes nas casas legislativas que possuem condutas diferenciadas antes de eleitos e após suas eleições.
Podemos emergir de possíveis confrontos desnecessários e fazer valer nossa capacidade de provocar mudanças.
Ainda tenho fé em uma polícia cidadã, passível de erros, porém que transforma esses erros em casos a serem estudados para evita-los. Ainda acredito em movimentos sociais que reconhecem que seu direito de se manifestar não pode esbarrar no direito dos outros.
Creio no altruísmo do povo potiguar e na brava gente norte-riograndense que vai à luta por seus direitos, que não se cala diante das atitudes impostas pelos maus gestores públicos que agridem a dignidade de todos os cidadãos com seus atos egoístas e que agora se locomovem confortavelmente nos belos veículos adquiridos com seus salários inflados enquanto seus eleitores se digladiam para não pagarem a mais por um transporte público de baixa qualidade que retira o pouco que sobra de seus salários inflacionados.
Creio na arte de lutar com inteligência e na arte de não fazer guerra.