Search
Close this search box.

Brava gente, a norte-riograndense

Compartilhar conteúdo:

Ao juiz federal

Autor da liminar que impediu a manifestação em Natal marcada para o dia 21 de maio de 2013

 

imagesComo se posicionar diante do que foi escrito pelo excelentíssimo senhor, Juiz Federal Magnus Delgado, no texto em que concede liminar, impedindo a manifestação marcada para amanhã (21) pela manhã em Natal?

Ora, senhor juiz, com o mais puro sentimento de revolta.

Mas queremos apresentar a precisão exata do que desencadeou nossa indignação, senhor juiz.

Não foi contra a proibição, senhor juiz, de se fechar a Br-101 e, na prática – porque é o que vai acabar acontecendo novamente –, autorizar que a polícia, mais uma vez, faça o que fez na noite do dia 15 de maio em Natal contra o chamado movimento #RevoltadoBusão.

Nós já imaginavamos. Afinal, não é possível, senhor juiz, esperar muito de um poder judiciário que estende a todos os magistrados do Brasil um auxílio moradia de 7 mil e 500 reais, ainda que morem na mesma cidade em que trabalham.

Não nutrimos falsas expectativas, senhor juiz, com quem chama isso de “direito”.

Senhor juiz, o que desencadeou enjôo coletivo foi à seguinte afirmação:

 

“Em face da gravidade das agressões, desrespeitosos crimes cometidos contra a indefesa população de Natal, bem como contra os agentes da lei que buscaram o cumprimento do sagrado direito de ir e vir….”

 

Aonde, senhor juiz, encontraste “graves agressões” e “desesrespeitosos crimes” cometidos contra a indefesa “população de Natal”, contra “agentes da lei”?!

O que lhe permite, senhor juiz, fazer tal afirmação?

Qual dado real, senhor juiz?

Nós estavamos lá, senhor juiz, e vimos um movimento pacífico ser violentamente atacado.

Duvida do nosso relato, senhor juiz?

Então, senhor juiz, vasculhe nas redes sociais, ou para encurtar o trabalho, nas dezenas de publicações que veiculamos sobre o assunto aqui nesse site, que não recebe, ao contrário da imprensa que possivelmente tenha lhe levado a erro, senhor juiz, patrocínio de sindicato patronal.

Os vídeos, fotografias, relatos mostram de tudo um pouco, senhor juiz: agressões, tiros de borracha em pessoas correndo, na multidão que já dispersava, choque, cassetada para tudo que é lado, meninas sendo mal tratadas e até camêras retiradas dos seus devidos donos.

Tudo feito pelos “agentes” da “lei” convocados por vossa excelência, senhor juiz.

O saldo da violência também está devidamente registrado, senhor juiz – estudantes com os corpos marcados de bala de borracha, inclusive, na cara; cortes profundos, violência para todos os gostos.

Tudo fotografado e com laudo do Instituto Técnico-Científico de Polícia do RN, senhor juiz

Cadê, senhor juiz, os policiais supostamente violentados pelos manifestantes?

Nos mostre uma única imagem, senhor juiz.

E não é só isso, senhor Juiz. Há relatos de estudantes, professores secundaristas e universitários, advogados, trabalhadores, cidadãos e até sua representação de classe no nosso estado – a OAB – emitiu nota repudiando a ação policial.

Será que a OAB-RN mente, senhor juiz?

Aproveite também e veja os relatos de policiais, que estiveram lá e se vangloriaram nas redes sociais, esse espaço que libera o melhor e o pior dos homens, senhor juiz, alegando que “estavam de serviço no dia” e que haviam “batido muitoooo :)”.

Esse sinal “:)”, senhor juiz, é utilizado nas redes sociais para denotar alegria.

Está tudo aqui na Carta Potiguar, senhor juiz.

Sabe por que, senhor juiz?

Porque apoiamos um movimento que luta contra um sistema totalmente falido de transporte público, senhor juiz.

Mas não só contra ele, senhor juiz: contra uma também já superada relação entre Estado-Empresa-Sociedade.

Experimente ficar, senhor juiz, uma hora numa parada, algumas delas sem cobertura, andar num ônibus quente e descer bem distante do seu destino porque há linhas em Natal que têm mais de 20 anos e perderam qualquer tipo de interação com o crescimento da cidade.

E pior, senhor juiz, pagando a segunda tarifa mais cara do nordeste.

Isso, senhor juiz, se o transporte público passar no dia, na hora ou na região em que o senhor espera.

Nossa frota, senhor juiz, é das mais velhas do nordeste.

Importamos, senhor juiz, o refugo dos ônibus usados de capitais, que cobram tarifa menor do que a nossa.

Há outros problemas, senhor juiz.

Mas, fundamentalmente, publicizamos tudo porque não gostamos de trair os fatos, como parte de nossa mídia local, que após sua liminar, senhor juiz, fala em tom de vibração e clamando por sangue, que “vai faltar bala amanhã”.

Se alguns cidadãos, senhor juiz, iriam ficar esperando por poucas horas um protesto social pacífico acontecer e a sua liminar se preocupou com o direito de ir e vir delas; um movimento social luta na nossa cidade por dezenas de anos pelo mesmo direito.

Já ouviu falar numa festa, senhor juiz, chamada “Carnatal”?

É um carnaval fora de época que acontece em Natal, senhor juiz, aonde só participa quem paga.

É uma festa promovida por uma empresa privada, senhor juiz, que privatiza nossa cidade por quatro dias, suja nossas avenidas e ainda recebe patrocínio público e forte apoio logístico.

Nenhum togado, senhor juiz, mesmo sendo exaustivamente provocado pelo Ministério Público, impediu dela retirar o direito de ir e vir dos natalenses.

Para ser justo com a “#RevoltadoBusão”, senhor juiz, a luta é pelo próprio direito à cidade.

Ainda há, senhor juiz, dois outros movimentos sociais legítimos, que vieram se unir aos protestos que ocorrem em Natal – o Movimento Sem Terra e o chamado Grito da Seca.

Senhor juiz, não sei se é de seu conhecimento, mas nós nunca fizemos uma reforma agrária.

O Movimento Sem Terra, senhor juiz, luta apenas pelo direito ao trabalho.

Outros países capitalistas, senhor juiz, já implementaram essa política no início do século XX.

Estamos no XXI e ainda não ocorreu no Brasil, senhor juiz.

E o MST não quer, senhor juiz, terra de ninguém.

Só quer as improdutivas, senhor juiz.

E há muita, senhor juiz.

O Grito da Seca também não está pedindo muito, senhor juiz. Só quer que seu clamor por água seja ouvido pelo governo.

Não sei se chegou até o seu gabinete, senhor juiz, mas passamos pela maior seca do último século.

Mas enquanto o governo do estado tem quase 50 milhões de reais do BID destinados para segurança hídrica parados, senhor juiz, metade do nosso rebanho foi dizimado.

Enquanto há mais de uma centena de poços com água em desuso pela simples ausência de bombas de sucção, senhor juiz, há cidades sem o recurso imprescindível para a nossa existência há mais de um ano.

Numa democracia, senhor juiz, governos são pressionados.

E não é bom que seja assim, senhor juiz?

No regime democrático, senhor juiz, o direito à associação, à reivindicação, ao livre protesto são irretiráveis.

Muita gente, senhor juiz, morreu por eles.

Imagine, senhor juiz, se na campanha contra a ditadura, nas chamadas “Diretas Já”, na luta pela redemocratização, um magistrado tivesse emitido liminar semelhante à sua.

Como teria sido sem o povo na rua, senhor juiz?

Democracia não se faz sem povo soberano, senhor juiz.

Queremos ressaltar que o MST tem forte apoio popular, senhor juiz.

E mais, senhor juiz, enfatizamos que sem terra não é bandido.

O Grito da Seca tem forte apoio popular, senhor juiz.

E mais, senhor juiz, quem sofre com a falta dàgua não é bandido.

O movimento chamado de #RevoltadoBusão tem forte apoio popular, senhor juiz.

E mais, senhor juiz, aqueles que foram nossos professores nas universidades, participaram da caminhada e emitiram nota de repúdio à violência policial contra manifestantes não são bandidos.

Nossos alunos e ex-alunos que estiveram lá, senhor juiz, não são bandidos.

Nossos amigos, representantes de classe, membros de entidades estudantis, sindicalistas, integrantes de outros movimentos sociais, simpatizantes, cidadãos, senhor juiz, não são bandidos.

Enfim, senhor juiz, se o senhor entendesse que nós somos a população de Natal, RN desprotegida, mas muito batalhadora, a quem o senhor juiz diz resguardar; possivelmente, não teria assinado a liminar que nos causou tamanha indignação.