Como uma resposta para Uma Cilada para Roger Rabbit (1988) num estilo, estética e liberdade que remete as animações da revista Heavy Metal, Mundo Proibido (1992), ou Cool World no original e como eu prefiro chamar, ousa na psicodelia presente tanto no enredo como na cenografia onde prédios contorcidos e portas que são bocas monstruosas me fizeram lembrar os “prédios dragões” do poeta Roberto Piva.
Após uma tragédia que o faz momentaneamente perder a razão, o ex-soldado Frank Harris (Brad Pitt) cai no tal “Cool World” do título, um mundo de desenhos animados, onde 99% dos personagens são completamente indecentes, sádicos etc. (como numa versão da turma do Pernalonga para Sin City de Frank Miller), mas também intensamente divertidos, num hedonismo pleno como se estivessem numa eterna noite de rave ou num carnaval sem fim. São personagens nervosos, inquietos, feitos de tinta e, certamente, de muita cafeína vitaminada. Mundo criado pelo desenhista de histórias em quadrinhos Jack Deebs (Gabriel Byrne), que, antes mesmo de sair da cadeia por ter matado o amante da sua ex-mulher, é atraído para o Cool World por uma das suas personagens, a voluptuosa Holli (Kim Basinger), um desenho animado que não tem escrúpulos em fazer qualquer coisa para se tornar um ser de carne e osso para, com isso, conhecer o mundo real e ter acesso a todos os prazeres que esse mundo real possa lhe oferecer. No entanto, ela terá que cometer o único pecado não permitido naquele mundo, a única restrição em todos os seus excessos: fazer sexo com um humano. E, para que tal plano não se realize, Harris (Pitt) tentará impedir, pois ele é o detetive da cidade (um dos raros personagens com algum valor ético) e está ciente de que isso poderá destruir os dois mundos.
E por falar em ética, a falta dela parece se justificar num mundo onde a violência é uma piada, já que ninguém parece realmente se ferir, mesmo sendo esmagado por um rolo compressor. Não é por acaso que o sadismo impere nesse “mundo legal”. Raras são as cenas dentro desse mundo em que alguém não seja, em segundo plano, arremessado, triturado, esquartejado, esmagado, ou mesmo perseguido por desenhos tarados. É um mundo em que ser normal é ser maníaco, e tudo ao redor parece ter saído de um pesadelo de Salvador Dali, ou do delírio de um Walt Disney esquizofrênico. Mas é um mundo onde a tristeza e a morte não existem. E isso justifica a relutância do personagem de Pitt em deixá-lo, como ele mesmo comenta em certo trecho do filme ao descrever o mundo real: “É um mundo doloroso e solitário. […] Há oito milhões de maneiras de morrer e todas são permanentes.” Para um personagem que participou de uma guerra mundial e perdeu a mãe num trágico acidente, o detetive Harris (Pitt) tem todas as razões do mundo em querer permanecer no delirante e divertido Cool World.
Com uma ótima construção de cenário, um criativo roteiro e personagens delirantes num mundo que só pode ser acessado pela loucura de um soldado traumatizado (Harris) ou pela intensa criatividade de um desenhista de histórias em quadrinhos (Deebs), Cool World é um filme raro, não só por não ser conhecido pelo grande público, mas por usar nomes como Brad Pitt e Kim Basinger (no auge da carreira) numa produção ousada para o comportado cinema hollywoodiano.
Ficha técnica
Título original: Cool World
Lançamento: 1992 (EUA)
Direção: Ralph Bakshi
Atores: Brad Pitt, Gabriel Byrne, Kim Basinger
Michele Abrams, Deirdre O’Connell.