Search
Close this search box.

Um olhar do paraíso

Compartilhar conteúdo:
“Meu nome é Salmon, como o peixe. Primeiro nome, Susie. Tinha 14 anos quando fui assassinada em 6 de dezembro de 1973.”

Baseado no livro The Lovely Bones da escritora Alice Sebold, Um Olhar do Paraíso (Nova Zelândia, Reino Unido, EUA 2009) nos apresenta a protagonista Susie Salmon (Saoirse Ronan), que narra, depois de morta, seu assassinato por um vizinho (deixo claro aqui que não estou fazendo nenhum spoiler com essa informação, pois, desde o começo, isso fica claro com a própria narração quase onipresente da protagonista), sua vida antes desse assassinato, sua frustração em ter sido morta aos 14 anos, perdendo assim a chance do seu tão esperado primeiro beijo; a busca obcecada do seu pai em descobrir o assassino e o estrago que isso faz a sua família; ainda seu desespero inicial ao perceber que está morta, seu ódio por aquele que a matou em tenra idade, e, mesmo tendo a chance de ir para o “paraíso”, resolve voltar para olhar para aqueles que ela, prematuramente, deixou, inclusive seu assassino.

Embora o enredo possa, ligeiramente, parecer um filme espírita para um desavisado, ele é, na verdade, uma fábula sobre a inocência diante da vida e da morte, e diante de uma família aparentemente feliz que é surpreendida por uma tragédia e a dificuldade desta em lidar com isso, e, ainda, da crueldade e frieza do mal, representado por um assassino frio que não tem escrúpulos em tentar satisfazer seus hediondos desejos. Enfim, é uma fábula sobre uma menina de 14 anos e seus os sonhos frustrados, interrompidos violenta e prematuramente.

No entanto, é lamentável como o sucesso pode levar um grande diretor a perder um pouco da sensibilidade narrativa que o consagrou. Peter Jackson (Almas Gêmeas, trilogia O Senhor dos Anéis) é um exemplo desses diretores que iniciam suas carreiras com filmes bem estruturados por narrativas sensíveis e roteiros impecáveis. Foi assim com Almas Gêmeas (Heavenly Creatures, 1994), filme de estréia de duas talentosas atrizes do cinema, Kate Winslet e Melanie Lynskey (a doce e psicótica Rose do seriado Two and Half Man). Entretanto, com seu filme Um Olhar do Paraíso, ele mostra um pouco do estrago que o sucesso pós-Senhor dos Anéis lhe fez. Não deixa de ser um filme belo, apesar da violência pela qual a protagonista foi vítima, violência essa que Peter Jackson tenta amenizar de todas as formas, apenas sugerindo os pormenores do hediondo crime. Entretanto, talvez seja aí que ele se perde. Pois, apesar de usar elementos semelhantes no seu bem sucedido Almas Gêmeas (inocência, fantasia, assassinato), ele faz uma narrativa arrastada que não deixa claro as verdadeiras intenções da protagonista nem mesmo as verdadeiras intenções do próprio diretor. Pois, ora ele satura a tela com imagens surreais, numa paleta de cores que reforça mais ainda o tom de fábula da obra, ora nos faz cair na expectativa comum aos filmes policias, onde torcemos para que o assassino seja descoberto e punido. E, às vezes, ainda deixa que se mostre certa atmosfera de filme espírita. Não que a mistura de gêneros cinematográficos seja um pecado, mas o pecado de Peter Jackson neste filme está em não saber harmonizar esses gêneros de um modo convincente. Parece haver na narrativa uma apreensão em esconder a brutalidade da tragédia que acometeu a personagem, como se o diretor quisesse nos poupar a todo tempo das imagens do assassinato da personagem. Coisa que em Almas Gêmeas ele não se preocupou em nos poupar. Entretanto, acredito que tal brutalidade que ocorreu com a protagonista, não deve ser mostrada com uma veracidade indigesta (como na cena do filme Irreversível, onde a personagem de Monica Bellucci é violentada), mas sinto que faltou neste filme uma sensibilidade maior do diretor para harmonizar o horror de um crime tão hediondo com a beleza da inocência infantil, representada pela jovem protagonista e seus sonhos adolescentes, coisa que Peter Jackson soube fazer no seu Almas Gêmeas (Perdoem as referências constantes que faço a esse filme, mas não vi como não comparar Um Olhar do Paraíso a ele, não somente por ser do mesmo diretor, mas pelo uso de elementos semelhantes que fazem como que este último seja como que um irmão mais novo do primeiro).

Entretanto há bons momentos de uma beleza poético-visual que remete ao surrealismo. Uma delas é quando o pai dela quebra garrafas com miniaturas de navios dentro delas, ao mesmo tempo em que Susie Salmon ver essas mesmas garrafas-navios (que, na sua perspectiva, adquirem enormes proporções) se desfazerem em um arrecife no mundo em que ela se encontra, que não é ainda o paraíso, nem o inferno, segundo sugere o enredo. Dentre outro momento rico dramática e poeticamente que não irei revelar aqui para não deixar escapar, desnecessariamente, um spoiler. Outros de completa tensão, num jogo de imagens e de ritmo sufocante, como no momento em que ela se encontra na “armadinha” do seu assassino. Momento este de uma ansiedade quase insuportável. De fato, Peter Jackson foi bem sucedido nestes momentos de terrível apreensão, onde torcemos que nada desagradável aconteça.

Mas, afinal, Um Olhar do Paraíso é ou não um bom filme? Acredito que se possa considerar um bom filme, ou, ao menos, razoável. Mas, que frustra as expectativas do que se poderia esperar de um diretor como Peter Jackson.

(Ficha Técnica)

Título original: The Lovely Bones

Lançamento: 2009 (Nova Zelândia, Reino Unido, EUA)

Direção: Peter Jackson

Duração: 135 min