Não defendemos uma tese apenas com afirmações. Às vezes, questionamentos enviesados cumprem melhor o papel pelas linhas da sutileza, da suposta espontaneidade gratuita e imparcial. Por exemplo, se eu perguntar: existe um duende verde voando na sua frente? A indagação elenca como possibilidade algo que não tem a menor plausibilidade. Se alguns respondentes disserem que viram o tal duende voando sinaliza que o fato procede?
Falsos dilemas são acompanhados de sofismas sem sustentação.
O mesmo é feito na enquete da UOL. Talvez até não tenha sido a intenção do portal, mas ele acaba pela indagação: “você acha que, se não fosse pela ditadura militar, o Brasil seria um país comunista? (todo o texto do site está veiculado no fim da postagem)”, atribuindo um verniz de possibilidade a tese, que está sendo defendida pelos militares interrogados pela comissão da verdade.
Na verdade, a enquete anda de “mãos dadas” com a tentativa de imposição de uma nova versão para os acontecimentos da época. E por final, sob o manto de que está apenas produzindo um levantamento singelo de opinião, cria margem para forjar uma realidade inexistente.
Geralmente, o resultado da enquete é utilizado, posteriormente, para alimentar polêmicas vazias (se alguns internautas marcarem que sim, a defesa dos militares faria sentido?! A “voz do povo não é a voz de Deus”?!). Serve até para corroborar a versão dos militares, que torturaram, cercearam à liberdade de expressão, sufocaram à atividade política (da esquerda e da direita e não apenas dos “comunistas”) e agora tentam colocar a culpa em quem se insurgiu contra o regime ditatorial.
Quando não há intenções claras de nortear (desvirtuar) um debate (não sei se foi o caso da motivação de quem fez a enquete, apesar do cenário gerado endossar objetivamente os fins alcançados), tais levantamentos produzem um empobrecimento da discussão, pois que coloca os temas mais complexos sob a simplista condição do “a favor” ou “contra”, “concorda” ou “discorda”. Expõe situações atravessadas de muitas nuances a um maniqueísmo do torce pelo flamengo ou pelo fluminense, ou para ficar no meu RN, ABC x América. A reflexividade vai para o espaço e a esfera pública de discussão se transforma num palco para muito confete. Enfim, a verdade é logo escanteada.
DO UOL
Você acha que, se não fosse pela ditadura militar, o Brasil hoje seria um país comunista?
O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi de 1970 a 1974, maior órgão de repressão aos grupos de esquerda contrários à ditadura militar, disse em depoimento à Comissão da Verdade que os esquerdistas “tinham no seu programa o objetivo de implantar o comunismo no Brasil” e não combater a ditadura militar, e que se não fossem reprimidos, “não existiria democracia no país e estaríamos vivendo um regime comunista”
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