Entendendo a Apoteose do Caos – Parte 03 (Final)
Por Ivenio Hermes
Levantando as Persianas (A Situação)
Agindo na contramão da vontade popular, a Administração Ciarlini adota ações de dissimulação quando se trata de apresentar, de forma clara, suas políticas públicas. Isso ocorre nos três eixos da plataforma política utilizada como base eleitoral: saúde, educação e segurança.
É evidente a falta de vontade do governo do Estado do Rio Grande do Norte em prover a ocupação de cargos criados para essas áreas, mas particularmente falando, a Segurança Pública ganha notoriedade na ausência de vontade política para tal mister.
A anomia caracterizada pela falta de objetivos está cada vez mais presente no desenvolvimento de ações estratégicas de segurança, e para evitar que tal retrato se torne cada vez mais visível, a gestão atual acena com projetos como a Força Tarefa para Investigação de Homicídios que coloca a polícia ostensiva no ciclo de atividade policial investigativa, sob a presunção de fornecer segurança à polícia investigativa, ao invés de buscar ampliar o quadro da polícia civil para que ela mesma seja capaz de atuar sozinha.
Levantando a bandeira em defesa dessa ação, surgem até mesmo delegados e policiais civis que não percebem (ou estão atrelados às suas agendas particulares) que isso é apenas mais uma forma de protelar a nomeação dos policiais civis que estão aguardando desde 2010 (quando terminou o Curso de Formação) e de realizar estudos e planejamentos no intuito de chamar os outros concursados que ainda não fizeram a academia de polícia.
Perscrutando Pelas Persianas (A Redescoberta)
Os dados dessa aparente vontade de evitar que a Polícia Civil se fortaleça podem ser vistos nos resumos seguintes:
1- Contra o aumento de efetivo na Polícia Civil
No topo das atitudes contra o fortalecimento da polícia civil estão os sucessivos recursos contra decisões do Poder Judiciário que determinam a nomeação e o chamado para novo curso de formação.
Diferente de alguns policiais que ficaram cegos quanto à situação de sua própria instituição, várias entidades têm promovido substanciais golpes nas propagandas de segurança da Administração Ciarlini.
A Associação de Delegados da Polícia Civil, por exemplo, ajuizou a Ação Ordinária de nº 0801600-08.2011.8.20.0001 cujo pleito principal era a nomeação dos candidatos que concluíram o curso de formação, que foi julgada parcialmente procedente e condenou o Estado do Rio Grande do Norte “a efetivar, imediatamente, a nomeação e posse dos candidatos aprovados para os cargos de Delegado, Agentes e Escrivães de Polícia Civil, dentro do número de vagas previstas no Edital”.
A decisão foi esclarecida pelo Juiz Bruno Lacerda Bezerra Fernandes, consignando que o concurso foi realizado para o preenchimento dos cargos que já estavam vagos por ocasião da publicação do respectivo edital, restando, todavia, garantidas as vagas surgidas ulteriormente a publicação do edital, decorrentes de morte, exoneração, demissão ou aposentadoria.
Contudo, o Governo do Estado do Rio Grande Norte ao invés de utilizar essa decisão para fugir das limitações legais decorrentes do limite prudencial, continua usando essa desculpa para não realizar a nomeação definitiva e interpôs através da Procuradoria Geral do Estado um processo autônomo de impugnação (reclamação nº 2013.002549-7) no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, objetivando a sustação da decisão do processo e assim a desobrigação de cumprir a determinação sentenciada. E após o desprovimento desta manobra processual, ainda interpôs recurso de apelação.
2- Contra a Jurisprudência (dados)
A jurisprudência é pacífica no quesito da existência de direito subjetivo de candidatos aprovados dentro do número de vagas, assim a tese da discricionariedade administrativa há muito foi superada. Recentemente houve mais um episódio julgado, onde o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 598.099/MS, mantém a posição sólida do Superior Tribunal de Justiça, decidindo que a nomeação dos candidatos aprovados em concurso dentro do número de vagas previstas no edital constitui direito subjetivo do concursado, em homenagem ao princípio da segurança jurídica.
Ainda compõe essa argumentação o fato de que a Lei de Responsabilidade Fiscal apresenta exceções à proibição de nomeações quando o Estado se encontra acima do limite prudencial, principalmente quando se trata de “decisões judiciais” nos moldes do artigo 19, § 1º da referida lei. Essa concordância ou entendimento comum entre o Tribunal de Contas do Estado, o Ministério Público e o Poder Judiciário apontam para a viabilidade em se realizar acordo homologado judicialmente, não havendo necessidade do Governo do Estado do Rio Grande do Norte de recorrer das decisões judiciais.
Mesmo diante da violência galopante demonstrada em ocorrências diárias, a Administração Ciarlini cria ensejos para não realizar as nomeações e assim desconsideram que:
I. A nomeação é direito adquirido por parte dos concursados face à comprovada existência e evidente necessidade de aumento de efetivo da Polícia Civil;
I. Os elevados índices de violência atestados relatados pelos meios de comunicação e estudos continuam crescendo;
II. Como o juízo de 1º grau julgou parcialmente procedente à demanda e o 2º grau indeferido a Reclamação interposta pela Administração Ciarlini, existe a possibilidade de realização de nomeações via acordo judicial sem ferir a LRF e sem haver fracionamento nessa nova convocação;
III. O impacto financeiro estimado estaria dentro daquilo que o Estado gasta com outras áreas não essenciais e parecem ser priorizadas pela gestão sem estratégia.
3- Contra a Jurisprudência (citações)
Observem alguns excertos da letra legislativa:
Lei complementar 101 de 04 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal)
Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:
(…)
§ 1o Na verificação do atendimento dos limites definidos neste artigo, não serão computadas as despesas:
(…)
IV – decorrentes de decisão judicial (…)
Ministério Público – Parecer do Procurador Geral do Estado (Dr. Manoel Onofre) em 13 de julho de 2011.
“A despesa advinda de qualquer decisão judicial, não importa se provisória ou definitiva, não é incluída nos limites de despesa com pessoal.”
Tribunal de Contas do Estado – Consulta em 13 de setembro de 2011
“O termo “sentença judicial” deve ser entendido extensivamente como sendo qualquer decisão judicial e não apenas aquela proferida em primeiro grau de jurisdição, como uma leitura apressada do dispositivo poderia sugerir.”
“É possível o aumento de despesa com pessoal, mesmo atendido o limite prudencial, na hipótese de decisões judiciais (aí incluídas aquelas proferidas pela Justiça do Trabalho), em homenagem ao princípio intrínseco ao Estado Democrático de Direito, de acordo com o art. 22, parágrafo único, inciso I;”
Poder Judiciário – Sentença da 1ª Vara da Fazenda Pública em 18 de dezembro de 2012 (0801600-08.2011.8.20.0001)
“Com relação a questão da situação orçamentária ou do limite prudencial relativo à despesa com pessoal, como óbice à nomeação pretendida pelo Autor, a mesma não se sustenta, seja porque se o Estado convocou e realizou o certame público era porque existia previsão orçamentária, devidamente aprovada para tal fim. Tal previsão orçamentária existiu e ainda existe, havendo nos autos declaração que atesta que na proposta orçamentária de 2011, já havia a previsão de disponibilidade de verbas para pagamento dos policiais civis, inclusive os concursados.
Este fato já seria suficiente para afastar a barreira imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Contudo, mesmo que tal barreira existisse, sendo a nomeação fruto de determinação judicial, incidiria o disposto no inciso IV do § 1º do artigo 19, da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF), que prevê a não computação dentro do limite prudencial das despesas com pessoal decorrentes de decisão judicial e da competência de período anterior ao da apuração a que se refere ao § 2º do artigo 18, da mesma Lei Complementar.”
Poder Judiciário – Acórdão Unânime da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no RMS 26593/GO)
“As restrições sobre as despesas com pessoal, previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, não incidem quando decorrerem de decisões judiciais, nos termos do art. 19, § 1º, IV, da LC 101/00.”
Baixando as Persianas (A Alternativa)
A atual situação de desgoverno da Segurança Pública não pode e nem deve permanecer, até porque o debate sobre mudanças na legislação penal voltou ao cenário das notícias principalmente na matéria da alteração da maioridade penal.
A Administração Ciarlini insiste em não obedecer às determinações judiciais para que seja realizada uma nomeação imediata dos concursados, inclusive garantindo também a entrada dos “suplentes” que deixaram de ser considerados dessa forma porque as nomeações até agora realizadas foram de mera substituição dos cargos vagos e não para a ampliação do quadro efetivo de policiais.
Talvez com a vinda da Secretária Nacional de Segurança Pública, Dra. Regina Miki e a realização dos estudos para a celebração dos acordos que trarão para o Rio Grande do Norte a versão atual do Projeto Brasil Mais Seguro, o governo do Estado do RN seja instado ou compelido a dar seriedade à questão da polícia investigativa.
Enquanto a Sr.ª. Rosalba Ciarlini e sua equipe administrativa continuarem considerando a segurança pública como assunto secundário, algo corriqueiro e sempre passível de preterimento, o Estado do Rio Grande do Norte continuará sendo cenário de ocorrências cujos números se assemelham aos das chacinas.
A equipe da Administração Estadual continuará também a usar meios de encobrir a insatisfação popular, escondendo dados, alterando as estatísticas e protegendo a Governadora contra todo tipo de manifestação popular, inclusive baixando as persianas atrás do parlatório onde a Governadora Rosalba costuma discursar na Assembleia Legislativa, a casa do povo, para evitar que os cartazes que desmentem seu discurso se evidenciem mais.
As nomeações dos policiais que já estão formados desde 2010 e que pouco devem ainda guardar do treinamento distante, bem como a realização de novo curso de formação para aqueles que agora possuem o direito de serem chamados para exercerem a função de encarregados de aplicar a lei, contribuiria muito para preservar a ordem pública e a paz social. Enquanto a Administração Ciarlini não se der conta disso, a única solução para essa tão desastrosa administração é realmente encobrir sua falta de aceitação pública baixando as persianas.