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De como se gera no Brasil um modelo conservador de nação

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Publicado originalmente no No Minuto

Há um projeto de nação em gestação no país.

Não se trata de um projeto de governo ou desse governo.

Falo de um projeto reacionário, conservador e preconceituoso que tem sido executado através de duas forças simbólicas muito importantes: o controle da informação e a promoção de um clima de opinião na sociedade.

Há indícios desse processo que faz o país recuar de avanços populares sem, necessariamente, se utilizar do golpe de estado como ferramenta.

Não apenas a presença do pastor Marco Feliciano (PSC/SP), homofóbico e racista, na direção da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara indica o processo.  Se ele chegou lá, é porque em nome da governabilidade o governo cedeu muito para a bancada evangélica.

Esses dias circulou pelo Youtube o vídeo de uma pastora incitando os cristãos contra as políticas do governo. Uma prática antiga e recorrente de demonização da esquerda e seus representantes no meio evangélico.  Falta pouco para afirmarem que a cor vermelha – representação da esquerda – faz referência ao inferno.

Desde 1989, na primeira eleição direta para presidente, que é assim. No submundo evangélico a maior gama de sujidades é gerada com nítidos objetivos políticos e eleitorais contra as campanhas da esquerda.  O pior é que uma parcela não desprezível da população é crédula o suficiente para acreditar – e, também, não percebe que eleição após eleição um grupo de profetas mal-intecionados se levanta prometendo o inferno com a vitória de políticos de esquerda – e esse inferno nunca chegou.

Essa credulidade é o mais evidente indício de que o projeto de nação baseado no controle da informação e da opinião pública está em curso.  Acreditar, por exemplo, que em um país como a Inglaterra a maioridade penal é atingida aos sete anos de idade beira o ridículo.

Não é preciso mais que sejam dados golpes de estado.  Basta gerar uma discussão no seio da opinião pública – ou no submundo da Internet ou das religiões -, definir o enquadramento e, pronto, o governo capitula e se submete.

Assim, o governo tem sido covarde para enfrentar o tema da democratização da mídia e do marco regulatório para a comunicação eletrônica no Brasil.  O mesmo governo que recuou do kit educativo contra a homofobia ou desistiu de uma campanha de prevenção da AIDS porque, oficialmente, o material não continha a logomarca do ministério da saúde.

O modelo de um país conservador, retrógrado e reacionário está sendo construído.  Qualquer pretensão de avanço democratizante sério vai ser destruído antes de ser parido através do discurso conservador de uma liderança religiosa que afirmará, “profeticamente”, um futuro tenebroso para a nação, a família e deus.  Então, o governo reagirá dizendo que não é nada disso e, por fim, adotará o mesmo discurso conservador daquela liderança.

Conheci Marco Feliciano, em Natal, na campanha de 2010, assim.  Ele foi escalado pela campanha de Dilma Rousseff, como pastor e deputado federal eleito, para afirmar para a comunidade evangélica conservadora do país que a candidata pensava como essa comunidade nos temas nevrálgicos da agenda “da família”.  Se ele chegou à CDHM se deveu a esse jogo político de construção de um futuro e de um modelo nacional conservador e reacionário.

Quando ontem republiquei em meu blog este texto de Matheus Machado sobre as mentiras que estão sendo contadas para convencer as pessoas a favor da redução da maioridade penal, não imaginava a quantidade de acessos. O texto foi compartilhado 137 vezes, até agora, e teve mais de 1600 visitas.  Mas o que me surpreendeu mesmo foi o nível de alguns comentários postados:

 

“tem mais é que fuzilar essas pestes, mesmo com a constituição falando merda”

“Menor Idade Penal e Penas mais longas a todos. Sim, resolve! Essa questão de vida digna ou melhores condições não é desculpa! 98% de menores ou maiores não matam e nem roubam independente de sua criação ou condições sociais! Quem não se ajusta a sociedade não pode conviver em sociedade!”

“Eles matam porque são pessoas ruins mesmo, são de índole má. Ser carente de recursos não justifica os atos bárbaros que eles executam. Quem tem pena deles que os levem para acompanhar sua filha.”

“Acredito que enganado está o blogueiro.
O Brasil é muito permissivo, e não acredite em todas as pesquisas antes de saber o que há por trás delas.
A questão é punição. Aquele que comete crime deve ser punido com rigor, independente de idade.
Será que só o Brasil está correto em seu modo de lidar com o menor infrator?
Será que eu tenho que arcar com a violência exercida contra mim devido a possibilidade desse menor ter a infancia sofrida?
Por causa dos senhores é que vivemos em um dos países mais violentos do mundo.
Estamos repletos de sociólogos e socialistas que não levantam a bunda da cadeira pra nada, mas sempre divulgam essa idéia utópida do politicamente correto.
Todos são coitadinhos, menos as vitimas dos crimes.
Acha justo alguém morrer e o autor do crime ficar no máximo (bem dificil) 3 anos presos?
Pois bem. Deus lhe proteja.”

Os argumentos me assustam. Porque são frágeis, mas, principalmente, porque demonstram o quão conservadores e reacionários são os que comentam – uma amostra do global da sociedade.

Um defende o fuzilamento dos menores e sequer tem consciência de que eles já são fuzilados diariamente pelas armas de fogo de policiais ou vingadores, mas também pela falta de condições dignas de moradia, trabalho dos pais, educação, saúde, lazer.
Fuzilá-los não resolve porque tenta tratar um problema através da eliminação de uma de suas consequências sem se dar conta das causas – sem considerar que essa, os mais jovens, é a parcela da população brasileira que mais morre de morte matada.

Outro peca em transformar uma coisa que é resultado da interação entre sujeito e meio social em questão meramente individual. Esse viés moralizante e moralizador não se sustenta em nenhum estudo ou pesquisa sérios.

Outro argumento que é apresentado mas sem nenhuma evidência concreta em dados de pesquisa, estudos ou qualquer empiria é a de que as condições sociais não interferem na produção do crime e do criminoso. Quem disse isso?  Em que estudo?  Como se comprova?  É um achismo, uma opinião barata, uma afirmação com base no senso comum, apenas.

O último afirma que o texto de Matheus está todo errado. Se há engano, onde está o erro? O estudo [e a própria lei] mostra que o país é mais rígido que muitos países erroneamente utilizados na propaganda em favor da redução da maioridade penal. Se há dados que desmentem o texto, que sejam mostrados. Não se podem decidir questões sérias como essas com base em paixões sem nenhuma concretude empírica. Assim como é um equívoco achar que é possível haver sociólogos “que nunca levantam a bunda da cadeira”: nunca seria levada a sério, na academia, uma pesquisa ou um pesquisador que não tivesse um empiria muito bem embasada e concreta.

O Brasil do futuro está sendo gestado ainda mais conservador, reacionário e sanguinário. Tenho medo do quanto sangue vai rolar por causa disso.