Por Paulo Afonso Linhares
Quando se fala de democracia, de regimes políticos que se caracterizam, em maior ou menor medida, pelo princípio da maioria com vetor político na tomada de decisões, a impressão é sempre positiva. De fato, tinha razão Winston Churchill quando afirmou que “[…] Na realidade, já foi dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as outras já experimentadas de tempos em tempos”. Todavia, as democracias também têm suas manias e caprichos. Que o diga o próprio Churchill: consagrado como o maior herói na vitória contra o nazismo perdeu as eleições em 1945 e foi substituído pelo até então obscuro Clement Attlee, que o substituiu no cargo de primeiro-ministro da Inglaterra. Coisas da democracia.
Qualquer modelo democrático tem como base decisões tomadas a partir do consenso de indivíduos; quanto mais pessoas participam desse consenso, mais se aprofunda a prática de aferição do consentimento e, por consequência, o aspecto qualitativo da modalidade adotada. A soberania popular nem sempre se revela, nos processos de tomada de decisões, revestida de coerência, logicidade e adequação. Em suma, não raras vezes a maioria erra; o aspecto quantitativo, na construção das decisões, muitas vezes se sobrepõe ao qualitativo. Todavia, a precariedade ou insuficiências dessas decisões podem ser suplantadas pela legitimidade que o veredicto da maioria lhes confere. Claro, o sentido do que seja legítimo depende de uma apreciação valorativa, ou seja, os modelos democráticos – cuja rega fundamental é a prevalência do princípio da maioria – aplicados às relações sociais devem, preliminarmente, ser aceitos como valiosos e adotados como procedimentos inafastáveis nas tomadas de decisões na esfera pública, sobretudo, na formação das estruturas de governo. Veja-se, por exemplo, a decisão dos constituintes brasileiros em 1988: interpretando o forte sentimento da nação, resolveu eleger o princípio democrático como balizador da ordem constitucional que se construía e, afinal, se implantou no Brasil.
A construção das maiorias depende de processos variados de aferição do consentimento, sejam de formas simples e informais até aquelas mais complexas e revestidas de formalidades que garantem a incolumidade das decisões. Nestes casos estão inseridos os processos eleitorais que compõem sistemas formados por uma base cadastral de eleitores, procedimentos de escolha de candidatos nas instâncias partidárias (convenções) e de eleição (votação, apuração e proclamação de resultados, fiscalização, propaganda eleitoral, repressão aos delitos eleitorais e práticas que deformam a livre manifestação do cidadão-eleitor, como o abuso do poder econômico e/ou político).
A legitimação periódica dos governos, mediante eleições, implica a adoção de comportamentos, por parte dos gestores públicos a ela sujeitos, que sacrificam certas metas, programas e até políticas públicas. Assim, mesmo antes de iniciadas as campanhas eleitorais os futuros candidatos começam a pautar suas ações pela premente necessidade de agradar o público eleitor, mesmo que isto se dê em detrimento da governança, esta entendida como práticas de bom governo. Em suma, os governantes direta ou indiretamente envolvidos nas pugnas eleitorais futuras passam a atuar de acordo com o que entendem ser melhor aos olhos do eleitor. Isto acontece em todas as latitudes, porém, acentua-se mais onde as democracias são mais frágeis.
Um boa demonstração disto é a situação atual da economia brasileira. Ora, inegável é que a condução da economia no governo Dilma vinha acumulando uma série de bons êxitos, porém, o azimute sofreu uma mudança radical ante a expectativa da candidatura a reeleição da presidente para o pleito de 2014: muitas das decisões da equipe econômica de Dilma, passam a ser pautadas pela eleição presidencial vindoura, a começar pela construção de diagnósticos econômicos aquém da realidade, o que repercute nas tomadas de decisões errôneas e inadequadas para correção de rumos macroeconômicos, inclusive pelas contradições que afetam a política econômica nas dimensões fiscal, monetária e cambial. Um desses aspectos mais graves é o descontrole da inflação que, ultrapassado que sejam os seus limites, poderá acarretar sérias complicações econômicas. Depois de fazer algumas concessões no sentido de abrandar o controle da inflação, o governo resolveu aplicar o amargo e eficaz remédio de aperto do crédito, com o aumento de 0,25% na taxa básica de juros pelo Comitê de Política Monetária (COPOM), do Banco Central do Brasil. Afinal, um prenúncio de que há vida inteligente, também, nos bastidores governamentais da economia e de que nem tudo pode necessariamente ser sacrificado no altar das eleições.