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O Impacto do Desinteresse

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Arquivo 03Crimes de Gaveta: O Ciclo da Impunidade (Parte Final)

Por Ivenio Hermes

Quatro Anos de Agonia

A impunidade nos crimes contra o patrimônio público tem sido objeto de olhares atentos de jornalistas do mundo inteiro e grandes operações com Hígia e Sinal Fechado, costumam se transformar apenas em megaeventos midiáticos que logo cairiam no esquecimento do povo se não fosse a atitude de poucos jornalistas corajosos.

Recentemente, um megaevento desse tipo chamado Operação Máscara Negra, teve no RN o seu teatro operacional. Contudo, a investigação que fora realizada pelo Ministério Público já era motivo de denúncia pelo fotojornalista Cezar Alves de Lima desde o ano de 2009, que inclusive divulgou um material interessante em seu site.

Casos como esse estão se tornando clássicos na sociedade potiguar e visíveis aos olhos experientes de jornalistas policiais, analistas e profissionais de Segurança Pública que percebem que poderia haver mais celeridade na investigação e na apuração dos fatos.

O ciclo da impunidade no Estado do Rio do Norte tende a se perpetuar pela atual falta de gestão e políticas públicas de segurança, falta de planejamento estratégico, que passam por todos os escalões da administração, que passados quase 60% do tempo de mandato, tem sido recorrente a realização de ações equivocadas, recorrer-se de decisões judiciais acertadas, e fazer planos que ferem as atribuições profissionais dos encarregados de aplicar a lei.

Enquanto a vigência dessa gestão não termina e os potiguares dão a sorte de elegerem outra melhor, esses 60% do mandato quase transcorridos parecem se arrastar para quatro anos de agonia.

Arquivo 02Lacuna Atributiva

A Constituição Federal de 1988 vive sendo alvo constante de emendas, numa tentativa de atualizar o texto legislativo à sociedade moderna e para preencher as lacunas que ficaram quando o documento magno foi promulgado.

Alguns legisladores se utilizam dessa situação para tentar aprovar leis e emendas que muitas vezes ferem outros preceitos já fundamentados e que outrora não haviam sido postos em questionamento.

No trato com a investigação, o artigo 144 da CF nos diz quem possui a competência para tal, ou seja, a Polícia Federal no âmbito da União e as Policias Civis no âmbito dos Estados.

A tão atual e comentada PEC 37 deveria ser aprovada, mas se os Estados não aparelharem adequadamente suas polícias investigativas e não interferirem nas suas ações impedindo-as de trabalhar, a emenda se tornará uma utopia que logo receberá a devida correção.

Sem uma polícia para atuar de fato, principalmente no que diz respeito à apuração de crimes contra a Administração Pública, será muito provável a declaração de inconstitucionalidade, isso se ela não for certa.

Numa análise rápida ainda pode se arriscar a hipótese de que o Supremo Tribunal Federal declare a constitucionalidade progressiva, ou seja, caso os Estados não aparelharem adequadamente sua polícia investigativa e a colocarem em atividade com positivo poder de resposta às demandas criminais, passará a ser constitucional.

Essa já é a realidade no Rio Grande do Norte, onde a Administração Pública não dá importância para o combate aos crimes contra o patrimônio público, ensejando que o Ministério Público passe a atuar. Aliás, como outras delegacias que estão padecendo por inanição e deixando de existir, a Delegacia de Combate aos Crimes Contra o Patrimônio Público está fechada.

Arquivo 04Como Manter a Impunidade

A receita para manter a impunidade no Estado possui ingredientes claros, basta pegar a polícia investigativa e tratar da seguinte forma:

  1. Realizar seus cursos de formação sem critérios de planejamento, sem atender à Matriz Curricular da SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública e sem pagar a Bolsa para os alunos já demonstrando o desrespeito que terão e assim desmotivando-os para o cargo;
  2. Prolongar o tempo para nomear os concursados de polícia;
  3. Quando nomear, fazer de forma fracionada e pulverizar os nomeados pelo Estado, sob alguma alegação elegante de política pública sem planejamento, para assim fazê-los perderem as forças para levar novas ideias aos policiais que já estão na ativa a mais tempo e desta forma provocar mudanças;
  4. Não fornecer condições de trabalho adequado para a realização de suas funções;
  5. Adquirir viaturas caracterizadas para uma instituição cuja atividade precípua é a investigação, e ainda, não fornecer coletes balísticos nem armamento adequados;
  6. Promover o desvio de função de outros órgãos policiais para criar um clima de constante humilhação da categoria, além de gerar conflitos entre instituições que deveriam trabalhar em cooperação, cada uma desempenhando suas funções;
  7. Criar projetos inexequíveis de ação integrada que fomentem a discórdia interinstitucional;
  8. Colocar gestores de um órgão policial para promover ações em outros, com os quais não apresente a afinidade necessária para a realização das funções;
  9. Colocar gestores do mesmo órgão policial para promover ações internas, contudo que não tenham compromisso com a instituição e nem o interesse no bem estar da sociedade na qual vive;
  10. Incitar a divisão de classes (delegados, agentes e escrivães) ao coloca-los como porta vozes da inação governamental criticando ações de entidades de classe;
  11. Encerrar as atividades das delegacias durante a noite e ter apenas duas delegacias de plantão, quando é sabido que a maior parte dos crimes acontece no período noturno;
  12. Minimizar o efetivo de policiais para que eles se limitem a meros registradores de ocorrências, acumulem diversas cidades ou áreas de elevada concentração populacional e não tenham mais capacidade de investigar;
  13. Incapacitar o Instituto Técnico-Científico de Polícia (ITEP) de suprir os meios essenciais de solucionar crimes que subsidiariam as investigações da Polícia Civil;

É claro que existem outros, mas esses são os mais contundentes e que hodiernamente, no Rio Grande do Norte, têm se apresentado muito comumente em pauta.

Arquivo 01Intenções Frustradas

Na contramão da vontade do governo, alguns novos policiais nomeados de forma fracionada e pulverizadamente, procuram reunir forças para desenvolver seu trabalho.

Um deles, no intuito de apurar crimes relacionados a processos licitatórios e, motivado pelo espírito investigativo, resolveu ir ao Tribunal de Contas do Estado para tomar conhecimento de alguns procedimentos adotados por aquele tribunal na prestação de contas dos municípios.

Inicialmente o policial iria apenas requerer alguns documentos. Contudo, foi motivo de surpresa para os servidores do DAM (Diretor das Administrações Municipais) o fato de um membro da Polícia Civil comparecer naquele local.

Entretanto, o nível de interação entre o policial e o Secretário de Controle Externo foi grande e anteviram, baseado na experiência do primeiro quando aquele era servidor do TCE/PI em cooperação com a PF, a possibilidade da formalização de algum tipo de “termo de cooperação técnica” entre o TCE/RN e a PC/RN com o objetivo de troca de informação em tempo real.

Posteriormente o policial foi informado pelo Secretário de Controle Externo, Jailson Tavares Pereira, que esse acordo dependeria dos representantes das instituições e empreitou tentativa de conversar com o DEGEPOL, mas, em virtude de sua ausência do delegado titular da pasta, foi recebido pelo seu adjunto, que apesar de ter achado a ideia proveitosa, foi informado que a administração pública não tinha vontade política na efetivação.

As implicações do desinteresse:

  • Não há reestruturação da Delegacia Especializada de Combate ao Crime Contra a Administração Pública (que ressaltamos que já existiu no Rio Grande do Norte), com suas circunscricionais ou várias delegacias para os diversos crimes;
  • Não produz o término da inatividade da Polícia nessa área;
  • Não cria o conhecimento real de quantos inquéritos existem que foram concluídos durante o exercício de 2012 com indiciamento de sujeitos que praticaram crimes dessa natureza;
  • Não gera comparativos com a quantidade de furtos, roubos, homicídios etc para mapeamento e estudo comprobatório da pouca ou nenhuma atividade da Polícia Civil nessa área, não porque o Ministério Público impediu, ou porque não existam crimes nesse âmbito, apenas porque não há capacidade de investigação.

É a polícia investigativa do Estado tendo suas mãos algemadas pela gestão pública que parece não querer que ela cumpra suas atribuições constitucionais.

Arquivo 05Outros Crimes no Arquivo

Para a Segurança Pública tudo é difícil no Estado Mamute. As atribuições dos órgãos de polícia são descaracterizadas e atrapalhadas, de tal forma que até outras autoridades desconheçam quem é quem no sistema de segurança.

A autoridade das entidades policiais é confundida, policiais militares são incentivados ao desvio de função para fazerem o trabalho de policiais civis; policiais civis são obrigados fazerem o serviço de agentes penitenciários, e enquanto isso, a violência continua mostrando o ciclo da impunidade se fortalecendo.

Alguns nem percebem que esse problema se potencializou sobremaneira e hoje atinge até policiais uniformizados e suas famílias. Sem investigação que detenha o crime que abarrota as gavetas dos arquivos de casos sem solução, os criminosos impunes se sentem cada vez mais imunes à ação policial.

O trem da investigação criminal no Estado do RN deveria ser puxado por uma locomotiva conduzida pela polícia com competência constitucional para isso. Mas essa locomotiva está sem maquinistas para pilotá-la e seus vagões ficam soltos nos trilhos. De vez em quando, alguns heróis tentam recuperar o controle da máquina, e se o fazem, encontram o trilho de seu trabalho interrompido pela falta de vontade de pessoas em condições de agir.

E todos os dias outros crimes de gaveta são adicionados ao arquivo.

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CONSULTORES ESPECIAIS DESSE ARTIGO:

Henrique Baltazar Vilar dos Santos. Exmo. Sr. Juiz de Direito, especialista em direito processual civil e penal e MBA em gestão judiciária.

Marcos Dionísio Medeiros Caldas. Advogado, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal.

Cezar Alves de Lima. Jornalista e fotojornalista do Jornal O Dia, com atuação no Oeste do Rio Grande do Norte.

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REFERÊNCIA:

LIMA, Cezar Alves de; HERMES, Ivenio; SANTOS, Henrique Baltazar Vilar. Compêndio de Anotações e Entrevistas. Natal – RN: Não publicadas, 2012/2013. 40 p.

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ASSISTENTE DE PESQUISA:

Sáskia Sandrinelli. Graduada em Sociologia e Ciência Política, com atuação em pesquisa e divulgação de tendências em redes sociais.