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Policial: Reconhecimento e dignidade

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Por Edmilson Lopes Júnior 

(Publicado no Terra Magazine

Nem as prisões de alguns líderes, e menos ainda a sôfrega tentativa de criminalizar as ações coletivas por eles desenvolvidas, frearão a movimentação dos policiais militares. E enganam-se redondamente aqueles que veem apenas busca por aumento salarial nos movimentos grevistas detonadas na Bahia e no Rio de Janeiro. Respeito, dignidade e reconhecimento são as verdadeiras demandas de uma categoria que cansou de esperar que os seus comandantes ou as elites políticas removessem um entulho autoritário que lhes nega os direitos básicos da cidadania.

As suas lideranças cometeram erros? É inegável. Mas esses equívocos não justificam a açodada criminalização com a qual governadores imaginam encurralar o movimento dos policiais. E o tiro poderá sair pela culatra: apenas fermentará a revolta e o ressentimento de quem se sente, não sem razão, cotidianamente desrespeitado como profissional.

Por ação ou omissão, os políticos mostraram-se incapazes de lidar com temáticas fundamentais para a segurança pública e a ampliação dos direitos civis e trabalhistas dos policiais: desmilitarização das PMs, unificação das polícias estaduais e estabelecimento de um piso salarial nacional para os operadores da segurança pública.

As dificuldades da atuação policial no Brasil ou a subjetividade do trabalhador em segurança pública não são merecedoras de muita atenção entre nós. Mesmo no universo da pesquisa acadêmica, poucos se preocupam em abordar com seriedade os graves problemas psíquicos que atormentam os policiais e suas famílias. Os próprios policiais, ao incorporarem fortemente as disposições e os esquemas mentais de suas corporações, encontram dificuldades quase intransponíveis para verbalizar as suas angústias e sofrimentos. Como falar de stress, se a sua tematização é percebida, pelos próprios colegas, como a explicitação do fracasso?

Quando não pode mais esconder as dores de sua alma e revela-se estressado ou deprimido, o policial militar passa a ser tido como um fracassado. Na cultura das corporações não há lugar para o reconhecimento do stress. A impossibilidade de sua explicitação tem como subproduto o que poderíamos denominar de “mal-estar policial”. Esse “mal” foi abordado, por cientistas sociais franceses, em um artigo intitulado “Maux du travail: dégradation, recomposition ou illusion?”, publicado em um dos últimos números da prestigiosa revista Sociologie du travail. Os autores do texto, liderados por Michel Lallement, chegam à conclusão de que uma das formas de manifestação do mal “é o sentimento de ser pouco estimado pela população, de ver o seu trabalho entravado por leis que dão ‘muitos direitos’ aos delinquentes ou pelas ações de outros profissionais (juízes, advogados…) etc.”

Esse “mal-estar”, que afeta os policiais europeus, também se atormenta os trabalhadores da segurança pública no Brasil? Não temos dúvidas de que sim. Nestas plagas, além de alimentar uma espiral ascendente de sofrimento social, também fermenta ressentimento e revolta. Não por acaso, há um sentimento de “basta” na base das corporações militares.

Diante do quadro acima, a demonstração de grandeza dos governadores não é, com certeza, açular a criminalização das ações coletivas dos policiais militares, mas, sim, negociar com responsabilidade as demandas expressas pelas greves. Uma atitude como essa teria o significado de jogar um pouco de água fria em um ambiente cuja fervura já está além do humanamente suportável.

 

Edmilson Lopes Júnior é Sociólogo e professor de sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).