Por Paulo Afonso Linhares, Professor da UERN
Em pronunciamento à imprensa, no final do seu último governo presidencial, o ex-presidente Lula lamentou não ter tido a iniciativa de remeter ao Congresso o projeto da reforma política, logo no início do seu primeiro mandato. Foi uma temática que ficou de fora da pauta do Congresso Nacional nos seus oito anos de Palácio do Planalto. À míngua das iniciativas do Executivo e, sobretudo, do Legislativo, alguns pontos do que seria a reforma política têm sido “resolvidos” pelo Poder Judiciário, notadamente o Tribunal Superior Eleitoral e o próprio Supremo Tribunal Federal. Uma das decisões judiciais mais significativas, nesse período, foi sobre a fidelidade partidária: o TSE acabou com a promiscuidade nas mudanças de partidos políticos por parte dos que exercem mandatos eletivos, ao argumento de que estes pertencem às agremiações partidárias e não às pessoas. Aliás, até então era comum que um eleito para cargo executivo ou parlamentar mudasse de partido antes de iniciar o mandato outorgado pelos cidadãos eleitores. Essa farra, felizmente, acabou; os partidos políticos passaram a ser bem mais valorizados. Lamentavelmente, mudança tão necessária e significativa somente veio a lume através de esforço interpretativo dos ministros do TSE, no limite ou quase além de sua competência de modo a usurpar, na prática, atribuição que seria mesmo do Congresso Nacional.
Assim, a reforma política vem sendo realizada a conta-gotas pelo TSE, através das simples resoluções que edita para regulamentar as eleições e outros temas do Direito Eleitoral positivo. O Tribunal Superior Eleitoral haure essa competência regulamentar no artigo 1º, parágrafo único, que se combina com o art. 23, inciso IX, (“expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código;”), do Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965). Com o advento da Lei nº 9.504/1997, no seu artigo 105, esse poder regulamentar do TSE ficou mais explícito (“Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos.” Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009).
A doutrina reconhece dúplice natureza jurídica dessas resoluções do TSE: a de ato normativo primário, na medida em que normatizam as eleições, em decorrência do permissivo legal contido no citado art. 105 da Lei nº 9.504/1997, têm força de lei ordinária federal, com mesmo status normativo da citada lei autorizadora. Por isso, dessas resoluções com força de ato normativo primário, caberia Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). O STF é firme no entendimento de que só é cabível essa ação quando a resolução tiver caráter primário, ou seja, quando tiver força normativa, de alcance geral e abstrato (ADI 2321 MC; ADI 3999, dentre outros); e, a de ato normativo secundário, porquanto essas Resoluções que apenas interpretam as diversas leis eleitorais ou mesmos dispositivos da própria Constituição, têm caráter meramente regulamentar, equiparáveis aos decretos expedidos pelo Poder Executivo para regulamentar leis. Todavia, desses atos infra-legais não cabe ADIN, mas, podem ser objeto de consulta ao TSE. Todavia, essa função “quase legislativa” do TSE, nas palavras do Prof. Torquato Jardim, tem sido alvo de muitas críticas, sobretudo, quanto à usurpação de competência do Congresso Nacional.
Uma as mais comezinhas lições da política é que os espaços vazios de poder são imediatamente preenchidos. Assim, se o Congresso (Câmara dos Deputados e Senado Federal) se exime de legislar em matéria eleitoral, o TSE o faz através de suas resoluções, mesmo que muitas vezes ultrapasse os lindes das normas regulamentadas. Aliás, entende MARCOS RAMAYANA que o poder normativo do TSE deve se dar “secundum” (segundo) e “praeter legem” (além, fora da lei), nunca “contra legem” (contra lei), sob pena de invalidação. Isto, repita-se, nem sempre ocorre. Infelizmente.
Por fim, um alento: é propósito do atual presidente da Câmara dos Deputados, deputado Henrique Alves, votar ainda este ano a reforma política. O importante é que o Congresso Nacional assuma suas prerrogativas perante a nação, sem tergiversações ou reprováveis omissões.