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O que é preciso para praticar o Zen?

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Há um koan no Zen Budismo sobre o mestre zen Nan-in, que recebeu um erudito com muitas dúvidas. Assim que o erudito chegou, começou a perguntar coisas a Nan-in, e pouco a pouco começou a especular, a tirar conclusões do que achava que seria o Zen. O mestre Nan-in resolveu então servir o chá. Quando servia o chá, a xícara ia enchendo até transbordar, mas o mestre não parava de despejar o chá. O erudito então falou:

Está cheio. Não cabe mais nada!

Nan-in então respondeu:

Assim como essa xícara, você está cheio de opniões e especulações. Como posso lhe mostrar o Zen sem antes você esvaziar sua xícara?

Esse koan cabe bem na minha história de contato com o Budismo. Lembro que quando entrei pela primeira vez em um recinto com vários budistas, o que vi me deixou desconcertado pelo estilo de vida diferenciado. Eu tinha apenas dezesseis anos na época, morava em Maceió com meus avós e conheci um casal e uma moça que estavam em uma casa meditando. Eu jogava na época RPG com o filho deles, e eles tinham vindo do Rio Grande do Sul para morar na cidade.

Assim que entrei na casa deles, foram meditar num quarto. Fiquei na mesa da sala com meu amigo e lá passamos a tarde no AD&D. A moça se vestia como uma hippie, e tinha uma voz leve e macia, falava de chakras e Nova Era e puxava assunto sobre mediunidade. O pai do meu amigo tinha a cabeça raspada e gostava de cantar mantras hare krishnas no dia-a-dia, e a mãe dele era vegana. Passei um tempão com essa imagem na cabeça, de que budistas são hippies vegetarianos que esqueceram de entrar na década de 1970. Depois dali, fora um professor de matemática (bastante racional), só vim conhecer de fato o Budismo novamente quase oito anos depois. Pesquisei e me interessei. Mas, por que ficou marcado o estilo de vida deles? Por eu ter me identificado? Não! Eu achei o estilo de vida deles absurdo, e isso criou em mim uma resistência, pois imaginei como uma filosofia de vida muito pouco prática.

Hoje, estou em uma sanga Zen Budista. As pessoas que sabem do fato se assustam quando descobrem que pratico o Budismo.

Logo você? Ateu, cético, materialista e cientista?“.

Isso quando não olham pra minha barriga-pochete alegando que “Barrigudos não podem ser budistas” ou que “Minhas opiniões polêmicas não tem nada da passividade e da calma zen“. A verdade é que o Zen não é uma coisa que se é, mas uma coisa que se pratica, que se faz. Há nas sangas muita gente que adotou o vegetarianismo, mas há também quem não tenha adotado. Muitos praticam reiki, mas há quem não pratique. Muitos zen-budistas são magros, naturebas, alternativos e místicos, mas outros não são nada disso. A coisa é bem simples: um ateu, cético, materialista, cientista, barrigudo, onívoro, racional, cervejeiro e sexualmente ativo pode ser tão budista e praticar o zen quanto um teísta, crédulo, místico, esotérico, magro, vegano, emotivo, abstêmico e casto.

Ao afirmar que um zen-budista não pode ser uma coisa estamos simplesmente incorrendo naquele estereótipo que meu primeiro contato com a família do meu amigo trouxe com suas impressões. Hoje, como apenas um praticante leigo e iniciante, percebo muito mais de Zen nos atos banais do homem comum que nas especulações do Movimento New Age. Mas não foi sempre esse mar de rosas.

Comecei a praticar o Zen de fato há dois anos, mas já vinha testando e estudando o Zen há um tempo. Assim que dei os primeiros passos, eu imaginava que o Zen era uma doutrina ateísta, cética, materialista e científica. Porém, essa era uma visão que eu trazia comigo, em minha xícara. Eu achava que Zen-Budismo era ateísmo, ceticismo, materialismo e ciência, até me dar conta de que Zen-Budismo era outra coisa. Muitos zen-budistas na sanga são esotéricos, veganos e ateus, mas não significa que sejam pré-requisitos para praticar o Zen.

E qual o pré-requisito então? Nenhum. A única coisa que se espera de um zen-budista é que ele não deixe suas construções mentais prévias do mundo interferirem na prática. Não posso deixar meu ateísmo interferir na minha lucidez da prática Zen, da mesma maneira que um evangélico também não pode deixar sua religião interferir. Há quem creia em vida após a morte, mas a crença não pode mexer com a meditação. Enfim, o único pré-requisito é estar disposto a esvaziar sua xícara, que é um exercício constante para o praticante.