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Resenha de notícia velha

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A grande referência brasileira no que se refere à crônica, e de resto de toda a literatura, é Machado de Assis, nosso maior escritor. No mister de cronista, Machado comentava os acontecimentos da Corte com a velha maestria de sempre, acrescendo bom humor e erudição, mas sem perder a contundência nas análises. Semanalmente ou quinzenalmente, Machado fazia publicar, aos domingos, sua página de crônica, repassando o olhar nos fatos que no seu entender mereciam atenção.

Pensa você que na segunda metade do século XIX ele não tinha do que falar? Só tinha. Mudança de gabinete ministerial, Guerra do Paraguai, uma nova companhia lírica, um novo poeta, a morte de uma autoridade, um larápio preso, emissão de notas falsas, o calor etc., nada passava em branco na sua coluna. Frivolidades? Mesmo que fossem, vale a pena lê-las a fim de testemunhar como um grande homem enxergou os acontecimentos de sua terra e do seu tempo.

Naquela época Machado considerava ideal cronicar no prazo “exíguo” de uma semana, no máximo de uma quinzena. Mas certa feita o pediram para fazer sua crônica alargando-a dentro do prazo de um mês. Vejamos o que ele disse a respeito(*) :

“O caso é que quando eu cronicava a quinzena tinha diante de mim (ou antes atrás) um espaço limitado, um período cujos limites podia ver com estes olhos que a terra me há de comer. Mas trinta dias! É quase uma eternidade, é pouco menos de um século. Quem se lembra de coisas que sucederam há quatro semanas? Que atenção pode sustentar-se diante de tão vasto período?
Exemplo:
Houve no princípio do mês uma mudança ministerial, uma completa alteração na política do governo. Que virei eu dizer de novo trinta dias depois? Quinze dias, vá; ainda parece que a gente vê o sucesso; os acontecimentos não são de primeira frescura, mas ainda estão frescos. Um fato de trinta dias pertence à história, não à crônica”.

Não podia dar certo: a empreitada só durou de fevereiro até abril de 1878 e foi sepultada com o nome de “História de 30 dias”.

Pois bem. E hoje? Seria possível fazer um apanhado retrospectivo da semana – nem falo da quinzena ou do mês por ser obviamente impossível, e do ano, por ser batidíssimo – nas páginas de um jornal como Machado de Assis fazia?

Creio que nem Hércules ousaria arrostar tamanha empresa.

Ora, um acontecimento que ainda pinga a tinta pela manhã quando tomamos o café, à noite, na hora da janta, já estará fossilizado e relegado ao passado pré-histórico, mais ou menos como se ocorrido no período neolítico. Adaptando Machado, o que dizer de tal fato depois que ele repercutiu à exaustão e foi esgotado nas redes sociais, blogs, telejornais e mesas de bares e restaurantes no prazo de algumas horas? Os trocadilhos e piadas, principalmente piadas, já foram todas publicadas; o barulho de teclas a digitar as palavras dos blogueiros e jornalistas já cessou e seus olhos e dedos estão à caça de outra novidade para entreter seus leitores; as câmeras e repórteres já estão a postos para novas matérias, e o William Bonner já deu o seu “boa noite” ao país, encerrando o assunto.

Imagine isso ao cabo de uma semana. Não, não é mais possível. Quem o fizer será apenas um chato que está a demonstrar a sua impertinência e, pior, que está atrasado na notícia. Se mesmo assim teimar em fazê-lo, resta evidente que suas palavras falarão ao vento surdo e a ninguém mais.

Resumo da ópera: naqueles remotos tempos de escrita à pena e tipografia, uma semana; em tempos de internet, iPad e redes sociais, somente algumas horas, e olhe lá.

(*)  ASSIS. Machado de. História de Quinze Dias – Obras Completas de Machado de Assis. São Paulo: Globo, 1997. p. 161.