Por Homero de Oliveira Costa, prof. Ciência Política da UFRN
A fidelidade partidária tem sido objeto de muitas discussões, tanto dentro como fora do Congresso Nacional. Na sociedade civil organizada, são muitas as entidades que defendem a fidelidade partidária, como é o caso da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a Plataforma dos Movimentos Sociais Pela Reforma do Sistema Político, que congrega dezenas de entidades e mesmo no Congresso Nacional há propostas nesse sentido. A infidelidade partidária é uma característica do sistema eleitoral e partidário brasileiro. Vigorou desde o início da República(1889) e apenas num breve intervalo durante a ditadura militar, entre os anos de l969 e l985 foi instituída a fidelidade partidária. Com o fim da ditadura, a lei foi abolida pela Emenda Constitucional n.25 e daí até 2007, quando o Tribunal Superior Eleitoral instituiu novamente a fidelidade partidária (com objetivos completamente distintos da ditadura. Naquele momento, foi uma imposição para manter coesa a Arena, partido governista em função do posicionamento de alguns parlamentares no episódio da cassação do Deputado Márcio Moreira Alves. No caso do TSE, a justificativa foi fortalecer os partidos, impedindo o troca-troca de partidos e suas consequências).
Antes de sua aprovação, a infidelidade partidária era a regra. Alguns dados ilustram a afirmativa: entre 1991 e 1995, 268 parlamentares no Congresso Nacional mudaram de partido, entre l995 e 1997 foram 230 e entre l997 e 2005 a média foi de aproximadamente 1/3 do total dos parlamentares que mudaram de partido (considerado apenas o Congresso Nacional. Comportamento semelhante ocorreu nas Câmaras de vereadores e Assembleias Legislativas).
A interpretação dos que mudavam de partido era de que o mandato pertencia ao parlamentar e, portanto, a mudança dependia apenas deles mesmos e suas conveniências. Não era raro parlamentares serem eleitos e antes de tomarem posse mudarem de partido e às vezes, para uma legenda adversária ideológica e programática da qual foi eleito, numa evidente traição ao eleitorado.
Em 2007, o então PFL fez uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral quanto ao artigo 23, parágrafo XII do Código Eleitoral. A pergunta foi: os partidos e as coligações têm direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?
Por 6 votos a 1, os ministros do TSE definiram que os mandatos obtidos nas eleições pelo sistema proporcional, pertencem aos partidos políticos ou às coligações e não aos candidatos eleitos. A decisão foi regulamentada pela resolução n. 22.610/07 e em função das controvérsias da decisão, a sua Constitucionalidade só foi confirmada no dia 12 de setembro de 2008.
Na resolução estão previstas quatro condições para mudança de partido: como justa causa a incorporação ou fusão do partido, a criação de um novo partido, a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação pessoal.
A fidelidade partidária em vigor, portanto, foi uma decisão da Justiça Eleitoral e não do Congresso Nacional.
E desde a sua aprovação em 2007, pouco se fez no Congresso Nacional para corrigir o que muitos parlamentares consideraram como “uma invasão do judiciário no legislativo”, a exemplo do que havia ocorrido com a chamada verticalização (uma regra instituída pelo TSE em fevereiro de 2002 que proibia os partidos políticos de formarem nos estados coligações diferentes das constituídas para as eleições presidenciais. Essa norma durou quatro anos: em fevereiro de 2006 o Congresso aprovou o fim da verticalização).
Atualmente encontra-se na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 7656/2010 que dispõe sobre o tempo de filiação para concorrer a cargo eletivo e perda de mandato caso haja mudança de partido. Esse PL tem origem no Senado (PL n.289/05) de autoria do então senador Aloizio Mercadante e foi aprovado em março de 2010 no Senado, seguindo para a Câmara dos Deputados, onde está até hoje para ser votado(em 08 de agosto de 2012, quando estava na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, foi retirado de pauta por acordo). O PL torna obrigatória a filiação de candidatos a cargos majoritários ou proporcionais ao partido político a que desejam concorrer pelo menos três anos antes do pleito (o que está em vigor é a Lei dos Partidos Políticos, n. 9.096/95 que estabelece um prazo de filiação de pelo menos um ano para poder concorrer às eleições) Na proposta aprovada pelo Senado, amplia-se de um para três anos, com a justificativa de que contribuirá para o fortalecimento dos partidos. A ampliação dos prazos também foi aprovada nos relatórios do Senado e da Câmara dos Deputados nas respectivas Comissões Especiais de Reforma Política.
Com a possibilidade de votação de uma reforma política (mais provável é que seja de apenas alguns itens mais consensuais) o tema volta ao debate com propostas de que seja criada uma “janela” permitindo a troca de partidos (ou seja, uma quinta condição) na qual o prazo passa a ser de apenas 30 dias e não mais um ano antes das eleições. Trata-se, portanto de diminuir e não de ampliar o prazo de filiação.
Se essa proposta for aprovada é mais um casuísmo, que só agrava os problemas do sistema partidário brasileiro, reforçando o individualismo dos parlamentares e em nada contribui para o fortalecimento dos partidos. O atual sistema com seus 30 partidos legais (e outros em processo de legalização) impede a construção de maiorias partidárias consistentes, colocando enormes desafios à governabilidade e a aprovação dessa “janela” só contribuirá para o troca-troca de partidos. O que se deveria era ampliar o prazo, como está no projeto original e não diminuir, com a tal “janela” para a infidelidade.