Por Antonin Artaud*
O Confessionário não é você, oh Papa, somos nós; entenda-nos e que os católicos nos entendam.
Em nome da Pátria, em nome da Família, você promove a venda das almas, a livre trituração dos corpos.
Temos, entre nós e nossas almas, suficientes caminhos para percorrer, suficientes distâncias para que neles se interponham os seus sacerdotes e esse amontoado de doutrinas afoitas das quais se nutrem todos os castrados do liberalismo mundial.
Teu Deus católico e cristão que, como todos os demais deuses, concebeu todo o mal:
1°. Você o enfiou no bolso.
2°. Nada temos a fazer com teus cânones, índex, pecado, confessionário, padralhada, nós pensamos em outra guerra, guerra contra você, Papa, cachorro.
Aqui o espírito se confessa para o espírito.
De ponta a ponta do teu carnaval romano, o que triunfa é o ódio sobre as verdades imediatas da alma, sobre essas chamas que chegam a consumir o espírito. Não existem deus, Bíblia, Evangelho; não existem palavras que possam deter o espírito.
Nós não estamos no mundo; ó Papa confinado no mundo; nem a terra nem Deus falam de você.
O mundo é o abismo da alma, Papa caquético, Papa alheio à alma; deixe-nos nadar em nossos corpos, deixe nossas almas, não precisamos do teu facão de claridades.
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[*] Poeta e Dramaturgo francês (1896-1948). Carta ao Papa foi publicado pela primeira vez em La Révolution Surréaliste, em 1925; tradução de Claudio Willer publicada em Escritos de Antonin Artaud, L&PM Editores, Porto Alegre, 1983 e reedições.