O Fim da Liberdade de Expressão
Por Ivenio Hermes
O Retorno ao Passado
O fim da liberdade de expressão parece estar espalhando seu espectro novamente. A nova polícia cidadã que respeita os direitos fundamentais do ser humano volta a se tornar uma ilusão, diante das expectativas de muitos que sonham diariamente com uma polícia que atuem em prol da população, da sociedade e a favor das minorias, e nunca uma polícia que atenda aos donos de um poder gerado por riqueza e prestigio social ou político.
Essa premissa de medo se dá por fatos que muitos desconhecem e que agora passam a ser motivo de alerta para aqueles que pensam estar vivendo em total liberdade.
Seguimentos da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, voltam a desafiar os Direitos Humanos através de práticas invasoras da liberdade, entrando no perfil do facebook de pessoas consideradas suspeitas, buscando imagens, palavras, apoio à esse ou àquele movimento como o objetivo de criminalizar a conduta de determinadas pessoas.
No Rio de Janeiro a corregedoria do Corpo de Bombeiros invadiu o perfil e e-mails de agentes que não simpatizavam com a administração do órgão público e os levou à prisão. No Rio Grande do Norte, pessoas são citadas como estando envolvidas em manifestações e têm suas identidades do facebook devassadas em busca de indícios de envolvimento com atividades ilegais.
É o reinício do fim da liberdade e o retorno ao passado negro da ditadura militar que o Brasil tenta esquecer.
A Situação Carioca
Em 18 de fevereiro de 2013, um grupo de 20 bombeiros militares do Rio de Janeiro foram apanhados de surpresa com ordens de prisão e passaram 4 dias detidos em diversos batalhões, eles somente foram libertados por força de uma liminar que concedeu habeas corpus ao grupo e foi expedida pela Justiça Militar, assinada pela Juíza Ana Paula Monte Figueiredo Pena Barros.
Previamente punidos pela privação de liberdade, os bombeiros militares, todos enfermeiros da corporação, eram encarregados de socorrer vítimas de acidentes nas estradas e a punição que lhes fora aplicada deu-se por um motivo: eles debatiam, pelo Facebook e por e-mail, questões consideradas internas dos quartéis. Pelo menos essa foi a alegação apresentada pela Corregedoria do Corpo de Bombeiros.
O próprio órgão de correição de uma entidade do governo embasou suas prisões de forma ilegal. Afinal, os e-mails, as páginas de Facebook e todas as mensagens trocadas pelo grupo são de natureza privada. Elas não são passíveis de monitoração pela instituição militar, que se utilizou da invasão de privacidade para impor o medo e retaliar qualquer forma de manifestação dos membros da corporação.
O corregedor interno daquela corporação carioca determinou a instauração da sindicância para apurar a conduta dos 20 militares envolvidos, alegando que os comentários por eles postados na rede social eram “inadequados”. Ele também citou comentários através de e-mail que tornariam público situações que concorriam para desprestigiar a corporação. A atitude do corregedor foi a cercear o direito de se manifestar de seus subordinados e nem sequer teve a coragem de mencionar como obteve acesso aos comentários e conteúdos de e-mails, haja vista que nem e-mails corporativos eles eram.
Aliás, a própria juíza fez questão de observar em seu despacho: “Ressalte-se, o e-mail em tela não pertence à corporação, não se trata de e-mail funcional, mas sim privado, pertencente ao Hotmail”.
Além disso, os 20 militares tiveram certos cuidados ao criarem uma página denominada GSE CBMERJ – sigla de Grupo de Salvamento e Emergência – Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro.
Dentre as precauções adotadas na criação da página, eles foram claros em mencionar que o objetivo daquela iniciativa não era o de incitar, conclamar ou comandar greves, muito menos de “amotinar” militares, algo que os diferenciava de um possível movimento grevista como aquele que resultou na prisão e na expulsão de bombeiros do Rio de Janeiro e da Bahia, em 2011.
Numa cópia dos e-mails utilizados pela Corregedoria e anexada ao processo, havia o seguinte texto da Cabo Viviane Ferreira Carvalho: “Não estou aqui propondo uma revolução, uma manifestação nem muito menos uma greve, odeio ser militar, mas somos, e tudo podemos propor e resolver com o regulamento, com leis e com normas que estão à disposição de todos”.
A corregedoria não explica como obteve acesso aos e-mails pessoais dos militares, e ainda alegou que as prisões foram decididas e executadas com base em “indícios” de condutas irregulares por parte dos militares. Vejam os indícios:
- Proferir ofensas contra o comandante de suas unidades através de grupo de rede social virtual;
- Disparar correspondência eletrônica incitando quebra na cadeia de comando;
- Desrespeito do comando de suas unidades.
Indícios como esses acima, foram suficientes para a Corregedoria do Corpo de Bombeiros invadir a privacidade de seus subordinados e privá-los de suas liberdades até sabe-se quando se não fosse a decisão da juíza, em face do pedido do advogado Carlos Azeredo, que representando um dos bombeiros, motivou a libertação de todos e ainda mostrou que o órgão de correição daquela corporação não possui uma conduta condizente com sua atividade.
Existem ainda outras irregularidades promovidas pela Corporação, como criação de dossiês de pessoas que estariam possivelmente envolvidas em manifestações, utilizando militares do serviço de inteligência para monitorar acontecimentos, “de modo a subsidiar estratégias que evitem manifestações radicais contra a instituição e contra a sociedade.” Como informou a Assessoria de Imprensa do Corpo de Bombeiros sobre outro episódio ocorrido nas proximidades da ALERJ – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
O Paralelo Potiguar
Uma das manifestações mais contundentes dos últimos tempos ocorreu em Natal entre o fim de agosto e início de setembro do ano de 2012 e ficou conhecida como a #RevoltadoBusao.
O episódio não deveria ter passado de uma mera manifestação pacífica se não houvesse algumas intercorrências:
- Os manifestantes protestavam contra o aumento das passagens de ônibus, que passaram de R$ 2,20 a R$ 2,40, gerando um impacto no bolso assalariado que não era percebido pelo Poder Executivo de onde a ordem de aumento emanara;
- No primeiro protesto, realizado em 29 de agosto, a despeito das afirmações do comandante da PM, Coronel Araújo, os policiais do BPCHOQUE tentaram deter a marcha dos manifestantes provocando um conflito;
- Essa situação de repressão indignou os manifestantes que realizaram novo e maior protesto em 31 de agosto, numa marcha aproximada de 14 quilômetros;
- Com a revogação do aumento pela Câmara Municipal no início de setembro, os manifestantes se sentiram vitoriosos, mas os empresários surpreenderam a população ao suspender as gratuidades do sistema, pois a falta do aumento geraria desequilíbrio econômico-financeiro, e com essa atitude provocou um novo protesto do dia 18 de setembro.
Saindo do contexto da manifestação propriamente dita e voltando o olhar crítico para a situação da ausência de Segurança Pública no Rio Grande do Norte, ausência essa que nem a pretensa Operação Metrópole Segura conseguiu deter a escalada da violência e nem os homicídios praticados na vigência da operação.
E nesse palco operacional que as polícias potiguares não conseguiram impedir que o número de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) no Rio Grande do Norte crescesse 304% nos últimos 17 anos. Com destaque para a administração atual cujo índice de mortalidade é de pelo menos sete pessoas por semana.
A Polícia Civil do RN agoniza com falsos investimentos e propagandas mentirosas que escancaram números imaginários que tentam mascarar fatos como os 57 inquéritos de homicídio instaurados somente na 14ªDP em Natal, tendo apenas quatro deles elucidados e não devido a uma investigação e sim porque os próprios culpados confessaram ou a falta de efetivo da Polícia Civil que não consegue fazer investigações porque o Governo se nega a nomear os Policiais concursados desde 2009, fazendo pequenas reposições de efetivo em virtude de aposentadorias, exonerações e falecimentos.
Nesse Estado quebrado em sua capacidade de investigar, Daniel Dantas Lemos alerta desde novembro de 2012 que uma comissão de três delegados especiais foi designada para investigar a #RevoltadoBusao, num desprendimento de energia estatal para descobrir possíveis culpados enquanto centenas de homicídios e outros crimes violentos caem no ostracismo.
Que não se questione aqui o dever de o Estado apurar irregularidades, que se questione é o direcionamento de esforços diante de outras necessidades notórias que se apresentam pelos noticiários diários e que alguns jornalistas já se recusam a tratar como meros índices estatísticos, como Cezar Alves, que procura evidenciar o nome das vítimas para tentar sensibilizar o Estado em investir verdadeiramente no seguimento investigativo da atividade policial.
O esforço da Gestão Estadual em promover investigações se direciona para mapear subversivos semelhantes ao praticado no Regime Militar e que a inteligência policial para solicitar ao twitter, facebook e outras redes sociais informações que levassem à identificação dos endereços IP (Internet Protocol ou Protocolo de internet), que identifica um dispositivo (computador, impressora, etc) em uma rede local ou pública, de pessoas que postaram qualquer informação sobre a #RevoltadoBusao.
Seria pregar a apologia ao crime tentar proteger a privacidade e o direito de se manifestar das pessoas, como o dialogar dos militares do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro que se posicionaram contra os desmandos corporativos de sua instituição? Ou seria ainda incitar a prática criminosa, o defender do direito de opinar contra atitudes erradas do Governo por meios de twitaços, postagens no Facebook e no Google+? Estamos vivendo novos momentos onde a liberdade de pensamento está sendo cerceada pelo espectro aniquilador do Estado que deveria nos proteger e não se utilizar da força investigativa para deter a busca pela justiça ao invés de utilizá-la para a própria busca?
O Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro tenta punir a Cabo Viviane Ferreira Carvalho e os outros militares por terem manifestado seu pensamento; O Estado do Rio Grande do Norte tenta punir Felipe Serrano, Danyelle Guedes, Sandra Erickson e mais uma lista de pessoas indiciadas por suas manifestações nas redes sociais, expondo seus nomes e seus endereços no Facebook para causar um temor prévio e fazê-los se calarem diante das suas liberdades de expor suas ideias.
Estamos de volta aos tempos do regime de exceção ou avançando nossa sociedade para um futuro mais promissor?
Novamente citando Daniel Dantas Lemos, enquanto “homicídios superam um ano sem ser esclarecidos, o inquérito contra um dos investigados na #RevoltadoBusao já foi concluído.” A investigação contra Felipe Serrano já foi encerrada, a denúncia foi apresentada pelo MP e já devidamente recebida pela justiça na última sexta-feira.
No Rio de Janeiro, uma juíza corajosa foi contra a ação do Estado contra os militares; no Rio Grande do Norte, a “DEMonização” de manifestações reinaugura uma divisão da polícia para impor a soberania absolutista disfarçada do Estado.
É o reinício do fim da liberdade, o fim da ida ao futuro e o retorno ao passado.
BIBLIOGRAFIA:
LEITÃO, Leslie. Bombeiros espionam Facebook e e-mails para prender militares que criticaram a corporação. Revista Veja. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/bombeiros-espionam-facebook-e-e-mails-para-prender-militares-que-criticaram-a-corporacao > ou <http://db.tt/y29fQ2D2 >. Publicado em: 22 fev. 2013.
OLIVEIRA, Pâmela; RITTO, Cecília. Deputado do Rio prende coronel dos bombeiros e denuncia espionagem. Revista Veja. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/deputado-do-rio-prende-coronel-dos-bombeiros-dentro-da-alerj > ou <http://db.tt/4nzRiJAt >. Publicado em: 26 fev. 2013.
LEMOS, Daniel Dantas. #RevoltadoBusão: Militantes de partidos políticos e movimentos sociais são investigados pela polícia potiguar. De Olho no Discurso. Disponível em: <http://www.blogdodanieldantas.com.br/2013/03/revoltadobusao-militantes-de-partidos.html > ou <http://db.tt/mFnobgHa >. Publicado em: 11 mar. 2013.
ZAULI, Fernanda. Número de crimes violentos cresce 304% em 17 anos no RN. G1 Rio Grande do Norte. Disponível em: <http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2013/03/numero-de-crimes-violentos-cresce-304-em-17-anos-no-rn.html> ou <http://db.tt/LMD9GsyC>. Publicado em: 12 mar. 2013.