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A mídia partidarizada

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Por Homero de Oliveira Costa, prof. Ciência Política UFRN

 

A relação entre Mídia e Política tem sido objeto de muitos estudos tanto no campo da comunicação, como nas ciências sociais.  Pelo menos desde a década de l990 foi constituído em várias universidades grupos de pesquisas que analisam a relação entre mídia e política, que tem resultado em dissertações de mestrado e teses de doutorado. São muitas pesquisas e a publicação de seus resultados. Para fins deste artigo, destacaria mais especificamente alguns estudos que tratam de um dos aspectos relevantes da temática, que é o da partidarização da mídia (considerado aqui a chamada “grande mídia” que inclui jornais, revistas  e canais de televisão), entre eles, o artigo “Veja e a construção do CR-P (Cenário da Representação Política) nas eleições presidenciais de 1998” de Murilo Cesar Soares (apresentado no II Encontro Nacional de Estudos de Comunicação e Política, em Salvador, 1998),os livros “Mito e discurso político: uma análise a partir da campanha eleitoral de 1994 de Luis Felipe Miguel(Editora da Unicamp,2000);  “Eleições presidenciais em 2002 no Brasil (Hacker editores, 2004) e“A mídia e as eleições de 2006(Editora Perseu Abramo, 2007) e, mais recentemente  “A ditadura continuada: fatos, factoides e partidarismo da imprensa na eleição de Dilma Rousseff” de Jakson Ferreira de Alencar (Editora Paulus, 2012) . Este último  trata das eleições presidenciais de 2010 e da  “tomada de partido por parte da imprensa e da Folha de S. Paulo, em particular (…) pelo panorama da cobertura do jornal do período e de seus posicionamentos políticos”.  Como disse Venício Lima ao comentar o livro “ele demonstra e confirma o que já sabemos: os jornalões brasileiros, além de partidarizados, não têm compromisso nem mesmo com seus manuais de redação”.

Destacam-se também as pesquisas realizadas pelo Doxa (Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública) do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ e artigos de seus pesquisadores como:“Tomando partido: Imprensa e política nas eleições de 2006,  de Alessandra Aldé, Gabriel Gutierrez e Marcus Figueiredo (Politica & Sociedade , v.10,2007).

O conjunto desses estudos (baseados em pesquisas) mostra que não há nem isenção nem imparcialidade dos meios de comunicação na cobertura das eleições e mais do que isso, mostra o seu partidarismo. No artigo “A mídia e os juízes” (Carta Capital, 14/11/2012) Marcos Coimbra diz “ainda há quem duvide quando ouve que a mídia brasileira é partidarizada. Que tem posição política e a defende com unhas e dentes. Por opção ideológica e preferência político-partidária, ela é contra o PT. Desaprovam os dois presidentes da República eleitos pelo partido e seus governos. (…) a chamada “grande imprensa” é formada basicamente por quatro grupos empresariais. Juntos, possuem um vasto conglomerado de negócios e atuam em todos os segmentos da indústria da comunicação. Têm um grau de hegemonia no mercado brasileiro de entretenimento e informação incomum no resto do mundo”.

Para o cientista político Marcus Figueiredo, que tem feito pesquisas sobre a cobertura da mídia em eleições, especialmente em relação às eleições presidenciais, ao analisar a natureza e a cobertura das eleições presidenciais de 2002 e 2006 mostram como se “adotam um híbrido entre dois modelos de pluralismo: formalmente, no discurso ético de auto qualificação diante dos leitores, procuram associar-se aos conceitos e rituais de objetividade do jornalismo americano, como é possível constatar nos slogans, diretrizes oficiais, manuais de redação, cursos de jornalismo. No entanto, na produção do impresso diário, o que vimos são diferenças no tratamento conferido aos candidatos, de amplificação de certos temas negativamente associados a Lula, contraposto à benevolência no tratamento de temas espinhosos relacionados aos seus adversários”.

Em livro publicado recentemente (A explosão do jornalismo – das mídias de massa a massa de mídias)Ignácio Ramonet analisa os grandes grupos midiáticos e a forma como se estrutura um novo cenário global e utiliza o termo “Aparelhos privados de globalização” no qual “O verdadeiro poder é, a partir de agora, mantido por um feixe de grupos econômicos e financeiros planetários e de empresas globais, cujo peso nos negócios do mundo é, às vezes, mais importante  do que o dos Estados”. Eles são os “novos mestres do mundo” e na nova guerra ideológica impostapela globalização, às mídias são utilizadas como uma arma de combate. Elas abandonaram a função de “quarto poder” e procuram defender seus privilégios.Segundo Ramonet tal “Como ocorria antes com a oligarquia latifundiária, esses proprietários de latifúndios midiáticos opõe-se a toda reforma social e a toda distribuição um pouco mais justas das imensas riquezas sociais”.

A mídia, cada vez mais oligopolizada, enquanto aparelho privado insere-se assim no processo de globalização e mantém como um dos núcleos constituintes a difusão da ideologia de seus proprietários, que são integrantes das classes dominantes. A mídia hegemônica, para usar a expressão de Serge Halimi (em “Os novos cães de guarda”, Editora Vozes, 1998) são os “novos cães de guarda” do Capital. Longe de ser um “contra-poder”, como postulam,na verdade está dominada por aquilo que ele chama de “jornalismo de reverência”, a serviço do mercado, dominada por grandes grupos econômicos. Para Ramonet, esses“cães de guarda”se comportam como verdadeiros partidos políticos. “Não reivindicam o direito de crítica, mas se constituem uma oposição ideológica. Sua verdadeira missão é conter as reivindicações populares”.

Para muitos analistas,a revista Veja cumpre esse papel no Brasil, como representante da direita política brasileira, e que tem atuado como um verdadeiro partido político. O proprietário da revista, Roberto Civita, na sua carta ao leitor no final de 2012, reitera a ideia de que na falta de uma oposição digna desse nome, a imprensa deve assumir as funções de partido político:“ Ainda no que diz respeito à imprensa, é preciso notar que a ausência de uma oposição atuante e articulada vem colocando os veículos de informação independentes na curiosa posição de serem praticamente os únicos fiscalizadores e críticos das ações do governo”. Para Virginia Fontes, professora da UFRJ, autora do livro “Reflexões Im-pertinentes: História e capitalismo contemporâneo”,no prefácio do livro “Veja: o indispensável partido neoliberal” (l989-2002) de Carla Luciana Silva, ao tratar da mídia brasileira na qual“predominam verdadeiros latifúndios (…) alguns deles consolidados pela ditadura militar imposta a partir de l964”, afirma que a revista Veja após breve período inicial no qual procurou manter uma postura menos autocrática, passou a desempenhar um papel primordial como agência aglutinadora de diferentes setores das classes dominantes em torno das necessidades formuladas por um setor especifico exatamente mais próximo às grandes corporações internacionais. “A tarefa de Veja, cumprida por seus editores, é a de disseminar e difundir os projetos e perspectivas desses setores, apresentados como se (re) produzissem os anseios e as necessidades do conjunto do país”.

A partidarização da mídia e da perda de sua credibilidade tem sido objeto de estudo e reflexão de um dos mais importantes analistas da mídia no Brasil,Venicio Lima, autor, entre outros, dos livros “Mídia: teoria e política”, “Política de comunicações: um balanço do governo Lula (2003-2010)”, e “Mídia: crise política e poder no Brasil”. No artigo “A obsessão do jornalismo partidário” ao tratarda erosão da credibilidade da mídia no Brasil, comenta o resultado de uma pesquisa do Ibope Inteligência em 2012 sobre o Índice de Confiança Social (ICS) na qual a mídia foi a instituição brasileira que apresentou maior queda em sua credibilidade, atrás apenas do sistema público de saúde e das escolas públicas.

Segundo o autor a queda acentuada da credibilidade da grande mídia não é um fenômeno que ocorre somente no Brasil, mas no nosso caso específico, entre outros fatores explicativos está “a inconteste e fartamente documentada” partidarização que passou a caracterizar o “jornalismo político” que tem sido praticada nos últimos anos, pretensamente em defesa da “opinião pública”, expressão invocada simplesmente para identificar sua própria opinião, que, embora privada, pretende passar-se por “pública”.

 Na análise do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, a chama grande mídia, de uma maneira geral, vem agindo como escudeiro das elites conservadoras do Brasil e tem atuado como um verdadeiro partido político. Ao analisar mais especificamente a imprensa ele afirma que ela se considera indestrutível porque resiste à democratização e à republicanização do Brasil (uma das expressões dessa resistência é o combate permanente a qualquer forma de regulação da mídia, a mesma que a mídia conservadora de outros países, como na Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina têm em relação às medidas para a democratização dos meios de comunicação). O partidarismo, portanto, não é específico do Brasil, nem apenas em relação aos governos Lula e agora de Dilma Rousseff. Vem de longe e justifica-se porque no Brasil, segundo ele “tem uma circunstância peculiar que é o fato de que as empresas jornalísticas têm os interesses empresariais também fora do circuito de informação. E isso cria uma situação muito particular, porque, afinal de contas, os interesses econômicos e empresariais de proprietários de jornais deviam ter suas instâncias de defesa e não utilizar a imprensa para isso. Esta é uma peculiaridade do Brasil. E é isso o que se mistura com frequência no Brasil: as campanhas políticas desenvolvidas pela imprensa, sob o pretexto de que são questões que se querem públicas, mas, na verdade, são interesses privados dos próprios empresários jornalísticos”.

Uma imprensa que tome partido e tire a máscara da isenção e da imparcialidade e em defesa dos privilégios que julgar pertinentes, é preferível à da simulação, de veicular opiniões sob a aparência de reportagem isenta e pretensamente neutra.  No entanto, esse tipo de jornalismo, a considerar a progressiva desconfiança dos leitores,mostra que pelo menos uma parcela considerável tem sabido distinguir manipulação e panfletagem do que deveria ser informação, imparcialidade e isenção.