Crimes de Gaveta: O Ciclo da Impunidade (Parte 02)
Por Ivenio Hermes
O Desfile da Descontinuidade
Um ciclo pode ser definido como uma série de eventos que se sucedem numa ordem, contendo uma periodicidade dentro de certo espaço de tempo. Existem algumas definições mais linguísticas, porém, dentro da pesquisa dos fenômenos sociais, é importante lembrar que os fatos se repetem e por isso desenvolvem um ciclo, cuja tendência é chegar ao fim.
Quando um ciclo termina dando lugar a outra série de eventos, podemos mensurar a evolução ou impacto que sua existência causou na sociedade.
A impunidade no Brasil está em beligerante confronto contra a evolução social, destruindo a credibilidade das instituições que deviam combater essa prática. Nesse combate, os gestores públicos sabem muito bem como e onde atacar, pois os meios para se determinar o fim dela está à disposição deles.
Parecendo agir contra a evolução social, a gestão pública do RN vem agindo sem se importar com o fim do ciclo da impunidade e a ação praticada com frequência pelos criminosos está desencadeando um fortalecimento no liame que une um ciclo ao outro, passando a atacar os órgãos policiais e obstaculizando o conforto da segurança necessária para o cidadão ter uma vida digna.
As operações policiais se encontram dentro de um desacelerador de motivação oriundo da falta de investimentos corretos em suas ações, que não podem ser deflagradas por falta de efetivo, equipamento, material e capacidade técnica, e quando o são, acabam no ócio da falta de andamento em instâncias pertinentes.
Concomitantemente ou não, alguns policiais não agem porque seu compromisso profissional não está no cargo público e sim na ambição pessoal. Outros, mesmo com boa vontade em agir, não o fazem para não trazer sobre si uma responsabilidade que, embora sendo sua, não é devidamente apoiada pelo governo estadual.
As operações policiais deflagradas, no máximo geram uns minutinhos de fama para os agentes e órgãos envolvidos, mas caem em seguida, nos jargões pejorativos que a falta de credibilidade nas instituições policiais vem obtendo.
Grandes operações pecam pela falta de continuidade pós-deflagração. Hígia, Impacto, Foliaduto, Mão na Roda, Ouro Negro, Niquelândia e outras, fazem o desfile da descontinuidade se tornar algo costumeiro diante dos olhos inquietos da população. Entretanto, o hábito de utilizar a incapacidade policial nem sempre é correto, pois a responsabilidade pela estagnação de um processo que levará (ou não) os indiciados à punição, nem sempre recai nas mãos da polícia.
A Corrida Contra o Tempo
Após a deflagração das operações é preciso ser ágil para dar continuidade nas etapas posteriores e evitar prejuízos para a ação persecutória, de tal forma que no mais curto espaço de tempo, os culpados sejam levados a julgamento e assim possam ter suas condenações declaradas.
A falta de celeridade no andamento dessas ações provoca uma estagnação dos processos que ficam sem uma correta definição. Essas ações estancadas geram desconfiança daqueles analistas mais atentos que veem os resultados finais serem prejudicados. O fato é que está havendo, de forma sutil, uma desaceleração no “animus puniendis” do Estado, ou seja, está havendo um freio na intenção de punir do Estado, que está preceituada na legislação, e que foi gerada na deflagração da operação e até motivada com mais ênfase pelo clamor público.
O Ministério Público tem conseguido a chance de se especializar através de cursos de investigação, aquisição de equipamentos e aparelhagem para as ações. Seus promotores e servidores vem recebendo melhor capacitação e até possuem analistas de inteligência.
Os juízes, que estão sobrecarregados e atolados em processos, não têm tempo de se especializar e os poucos que tem, o fazem para se preparar melhor para cumprir seu dever de ofício, entretanto, outros não fazem diferença.
Uma verdadeira equação de insucesso na punição dos culpados se cria a partir dessas variáveis.
Polícia Judiciária realiza um bom trabalho que resulta numa investigação bem sucedida e executada, entretanto, o inquérito é mal feito;
O promotor sobre quem recai a responsabilidade da apuração não é muito versátil para trabalhar com inquéritos criminais;
A soma de uma Polícia Judiciária ruim com um promotor não tão preparado para aquele tipo de assunto joga para o juiz uma responsabilidade difícil. O Juiz precisa conhecer para poder julgar, mas fica inerte diante da ausência de provas, termos adequados e argumentações coerentes e necessárias e que estabeleça a culpabilidade e a destarte, a condenação do réu;
O tempo para a apuração se estende, e muitas vezes alguns culpados recebem penas irrisórias pelas perdas decorrentes desse tempo perdido, sendo que a situação pode se agravar e muitos réus cuja sentença condenatória parecia certa, deixam de receber a imputação de todos seus crimes, porque alguns deles não mais são possíveis de serem comprovados.
Alguns advogados dos réus, conhecendo esses problemas e sabendo que a ação processual está cheia de vícios, embora sabendo que não poderá provar a inocência de seus clientes, trabalham como mestres em procrastinação e descobrimento de erros para impedir a condenação daqueles sob sua guarda.
Em cada novo processo é iniciada uma corrida contra o tempo, cujo vitorioso será aquele mais capaz de lidar com as circunstâncias adversas oriundas de uma investigação e um inquérito.
O Emperramento das Engrenagens
Quando finalmente todo o resultado da operação chega às varas de justiça, quando finalmente a população sente que a hora da justiça ser feita e quando enfim os policiais empenhados no processo pensam que verão seus esforços recompensados, surge um novo emperramento das engrenagens.
1) Demora da sentença: todas as fases investigativas, diligenciais e inquisitórias foram cumpridas, está tudo preparado para uma sentença, e ela não acontece.
Um marco desse tipo de emperramento judicial é a Operação Foliaduto deflagrada em 07/03/2010 e que expôs um grande esquema de desvio de dinheiro. O Ministério Público Estadual que identificou um esquema com licitação fraudulenta na Fundação José Augusto que culminou com o pagamento de shows “fantasmas” no carnaval de 2006.
Após 792 dias de apuração, ou seja, mais de dois anos, e tendo todos os réus apresentado suas alegações finais, o processo foi concluído. Desde então, ele encontra-se na 5ª Vara Criminal nas mãos da juíza Ada Galvão, ou seja, há mais de 274 dias aguardando a sentença.
O tempo decorrido desde a deflagração da operação até a última atualização de nossa pesquisa já contabilizava 1066 dias, um tempo desgastante para a manutenção de provas, vigilância sobre suspeitos e que afete contundentemente a credibilidade da Justiça.
2) Inconclusividade nas Investigações devido ao envolvimentos dos acusados em outros esquemas: com as investigações mal executadas, ou partes delas comprometidas, novos fatos surgem e apresentam os acusados envolvidos em esquemas maiores ou menores, mas que fogem do objeto inicial da operação.
Esse foi o caso da Operação Ouro Negro, deflagrada em 20/04/2007, figurando entre as mais antigas operações policiais que ainda não deram resultado. O que pode servir de alento nesse caso é que talvez suas ramificações pudessem ter gerado outras investigações, contudo, não justifica ele estar há mais de 2 mil dias (5 anos, 9 meses e 21 dias) aguardando para ser solucionado.
Na Operação que contou com 100 agentes da Polícia Rodoviária Federal, 28 veículos, 50 policiais civis e 20 policiais militares, foram feitas apreensões de 10 mil litros de combustível adulterado, 01 caminhão tanque com 46 mil litros de álcool, uma carreta bi-trem tipo tanque e dezenas de tambores para armazenamento ilegal de combustível.
Nessa megaoperação que botou na berlinda de acusação políticos e pessoas famosas do país inteiro, Weiller Diniz escreveu um verdadeiro dossiê para apresentar as ligações entre os acusados.
No Rio Grande do Norte, os economistas Newton Nelson de Faria e Fernando Antônio de Faria, irmãos da ex-governadora Vilma de Faria, foram indiciados juntamente com o restante do bando, que foi acusado de formação de quadrilha, receptação qualificada, furto qualificado e comercialização irregular de combustíveis.
Até a data de encerramento desse estudo, a Operação Ouro Negro continua contribuído para a perda da credibilidade da Justiça. Atualmente se encontra na fase de oitiva de testemunhas, com a próxima audiência marcada para dia 14/03/2013 com Juíza Gabriella de Oliveira.
3) Apuração de Processo: mesmo sabendo que todas as fases são importantes, é preciso ter celeridade na apuração do processo, algo que a lentidão brasileira já tem fama mundial.
O grande problema na protelação é a perda de provas devido ao desgaste e principalmente das mortes de testemunhas essenciais, as famosas queimas de arquivo.
O grande exemplo disso é a Operação Hígia, que está em andamento judicial, ou seja, após a deflagração da operação policial, há mais de 2 mil dias (4 anos e 7 meses) e que teve mais uma vez um membro da família da Ex-governadora Wilma Maria de Faria. Dessa vez foi Lauro Maia, filho dela, quem foi preso pela Polícia Federal sob acusação de tráfico de influência, juntamente com mais 12 suspeitos dentre empresários e pessoas ligadas do governo Wilma de Faria.
O prejuízo maior para a solução do caso se deu com o assassinato do advogado Anderson Miguel, sob a tática inconfundível do assassinato por encomenda. Ele foi morto a tiros por dois homens que chegaram ao escritório dele em um carro, modelo Siena de cor branca. Após confirmar a identidade de Anderson Miguel, um dos homens efetuou cinco disparos contra o peito e a cabeça do advogado e testemunha chave, além de implicado no caso.
Em 6 de fevereiro de 2013, o pistoleiro Ivanildo da Silva, suspeito da morte de Anderson Miguel, sofreu cinco tiros disparado por dois homens.
Evidente queima de arquivo.
Análise Geral
Um estudo bem maior e de implicâncias agigantadas pode decorrer do aprofundamento do estudo dessas operações policiais. Entretanto, basta que a sociedade entenda o quanto é prejudicial para a credibilidade da justiça e do serviço policial a morosidade na finalização “definitiva” de uma operação. Vejamos somente o tempo:
Operação Assepsia: 225 dias de decurso e sem nenhum problema aparente que cause isso;
Operação Mão na Roda. 02 anos e 08 meses;
Operação Impacto: 04 anos e 06 meses sendo interessante ressaltar que um Recurso de Agravo, interposto no mês de Janeiro do corrente ano, empurrou o caso para o STJ;
Operação Niquelândia: 05 anos e 01 mês;
Operação Sinal Fechado: 01 ano e 02 meses;
Operação Máfia dos Gafanhotos: 04 anos e 02 meses.
Na pesquisa feita pela nossa equipe, escolhemos apenas nove operações e nesse artigo comentamos as fragilidades de apenas três, contudo muito pode ser concluído da tabela abaixo.
Ponderações
A impunidade é alarmante. Ela motiva os criminosos, causa descrédito nos órgãos policiais e nos sistema judiciário, afeta a forma como as pessoas se sentem quando são instadas a testemunharem, cria uma insatisfação com a falta de objetividade da justiça e põe em risco as doutrinas fundamentadoras das legislações.
Diante do perigo da insegurança e da sensação de falta de justiça, o homem tende a procurar seus próprios meios para a resolução dos conflitos tão comuns em nossa sociedade. Essa busca o faz retornar ao primitivismo das contendas, não mais tendo a razão como sua principal fonte de discernimento, e sim um juízo de valor alterado pela satisfação de criar sua própria justiça, já que o Estado está falhando.
O mapa da violência no Rio Grande do Norte está mostrando que o número de homicídios cresce sem nenhum freio, é o retorno do homem à barbárie e à selvageria que faz ressurgir antigas modalidades de crimes que provavelmente serão ocultados pelo atual ciclo da impunidade.
CONSULTORES ESPECIAIS DESSE ARTIGO:
Henrique Baltazar Vilar dos Santos. Exmo. Sr. Juiz de Direito, especialista em direito processual civil e penal e MBA em gestão judiciária.
Cezar Alves de Lima. Jornalista e fotojornalista do Jornal O Dia, com atuação no Oeste do Rio Grande do Norte.
REFERÊNCIAS:
CARLOS, Blog do Jean. Operação Foliaduto: Irmão da governadora e mais sete tem data limite para apresentar defesa a justiça. Disponível em: < http://db.tt/Xb6uxoNb >. Publicado em: 09 mar. 2010.
DANTAS, Anna Ruth; POLÍTICO, Blog Panorama. Operação Foliaduto: processo é concluído e aguarda sentença da juíza. Disponível em: < http://db.tt/TOWq4MnV >. Publicado em: 02 mai 2012.
TRIBUNA DO NORTE (Brasil RN Natal) (Org.). Polícia prende 45 da máfia dos combustíveis. Disponível em: < http://db.tt/kmbTxZwr >. Publicado em: 21 abr. 2007.
ISTOÉ; DINIZ, Weiller. Operação Ouro Negro. Disponível em: < http://db.tt/Hd7mJOwN >. Publicado em: 07 abr. 2004.
DAMASCENO, Jacson. OPERAÇÃO HÍGIA: Ministério Público pede condenação de filho de ex-governadora e mais doze. Disponível em: < http://db.tt/b1qtXsXF >. Publicação sem data.
NASCIMENTO, Paulo; BG, Blog Do. Operação Hígia: processo da operação que parou o RN está pronto para sentença. Disponível em: < http://db.tt/ytnAPsDI >. Publicado em: 24 jan. 2013.
MAIA, Eduardo; NOTÍCIAS, V&c Artigos e. Advogado Anderson Miguel, réu da Operação Higia, é assassinado em Natal-RN. Disponível em: < http://db.tt/1QUNYVar >. Publicado em: 01 jun. 2011.
AGRESTE, Gazeta do. Sexta-feira 13 – O dia em que o RN parou para ver o filho de Vilma preso! Disponível em: < http://db.tt/iKOYRqca >. Publicado em: 13 jun. 2008.
DAMASCENO, Jacson. CASO ANDERSON MIGUEL: Pistoleiro citado na investigação sofre atentado a tiros. Disponível em: < http://db.tt/XUV3XFcy >. Publicado em: 06 fev. 2012.
LIMA, Cezar Alves de; HERMES, Ivenio; SANTOS, Henrique Baltazar Vilar. Compêndio de Anotações e Entrevistas. Natal – RN: Não publicadas, 2012/2013. 40 p.
ASSISTENTE DE PESQUISA:
Sáskia Sandrinelli. Graduada em Sociologia e Ciência Política, com atuação em pesquisa e divulgação de tendências em redes sociais.