Sobre Vigiar e Punir[1]
Por Ivenio Hermes
Motivada pelo sentimento de cansaço em ver seus direitos solapados, a sociedade potiguar foi às ruas reivindicar o retorno da tarifa do transporte urbano.
Em duas situações diferentes nos deparamos com questões que incomodam jornalistas e a população. Nas duas situações observamos as respostas da gestão pública estadual, principalmente na esfera administrativa e da segurança pública, cujas ações não condizem com promessas e propagandas que se alastram pelo estado.
Numa noite marcada pela concentração, a marcha digna pelo respeito e o brado de palavras de ordem, características inerentes de uma ação popular desse tipo, o povo sente a euforia da retomada do poder que lhes foi roubado. Na verdade, o povo não fora vítima de roubo ou furto, fora sim vítima de um estelionato eleitoreiro que os levou, nas eleições anteriores, a legitimarem representantes que se voltam contra eles através de políticas salariais injustas, contínuo desrespeito e ao covarde uso das instituições legislativas e executivas em manobras estratégicas que os agride e humilha.
Criados para proteger e servir, os guardiões da legislação, os profissionais encarregados de aplicar a lei, são também vítimas dos mesmos representantes, que os mantém sob as rédeas curtas das limitadas capacidades de reinvindicação por melhores salários e condições de trabalho mais dignas. Inconformado com suas mãos atadas e da não obtenção de suas tão necessárias condições dignas de subsistência, o policial vive à margem da sociedade sendo horas herói, outras vilão, de acordo com sua capacidade de reação naquele momento.
O mestre Ricardo Brisolla Balestreri[2] nos alerta que a polícia foi uma atividade dos segmentos progressistas da sociedade, conceitualmente equivocada, para reprimir as atividades da antidemocrática, com o uso da truculência e ações antiquadas. Ou seja, já acabou o tempo (que nunca sequer deveria ter existido) em que a polícia foi feita para isso.
Entretanto, parecendo maldosamente reunir esses dois grupos num mesmo cenário e sob uma atmosfera de antagonismo com precedentes históricos, e ainda voltando a representar os papéis que relembram o passado e os deixam estado alterado, parece que os gestores de segurança do RN desconhecem regras simples de ação policial.
A população olha a massa formada pelos homens de escudo e cassetete e vê nela os defensores daqueles que os traíram após meses de falsas promessas que culminaram com o dia de comparecimento às urnas… Por outro lado, tendo que trabalhar horas extras naquele tipo de missão desagradável, o policial já imagina o suplício que será receber o reconhecimento (diária) por aquele tempo extra de sua vida longe de sua família…
Ignorando o clamor popular pela justiça, os gestores esquecem que a manifestação pacífica é um direito. Foi assim nos movimentos nacionais “Diretas Já” e “Fora Collor” e no regional, mas de fundamental importância para o brio do povo potiguar, #Revolta do Busão. E esquecendo que “O policial é, antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser.” (Balestreri, 2008)[3], o gestor conclama aparato policial repressivo, a máquina de coercitiva, para impor um silêncio (disfarçado de ordem) naquela legítima manifestação pelo aumento abusivo da tarifa do transporte urbano em Natal.
Tanto a polícia como a população foi usada para desfigurar a legitimidade do pleito, e teria sido pior, não pelos erros cometidos, mas pela quantidade de policiais controlados e sensatos que souberam se portar e cidadãos que souberam realizar suas reinvindicações.
Tanto o cidadão civil quanto o cidadão policial está cansado de ser usado por aqueles que parecem fortes, mas que são meros (ou pelo menos deveriam ser) representantes da vontade dos que os elegem. Mas os direitos humanos estão unindo esses antagonistas históricos, e em breve os veremos juntos, fazendo aqueles que elegemos, pagarem por suas mentiras.
[1] HERMES, Ivenio. Proteger e Servir: Polícia e Cidadão. Carta Potiguar: Uma alternativa crítica!, Natal – Rn, v. 02, n. 01, p.09-09, 10 out. 2012. Mensal.
[2] BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo Fundo-RS, CAPEC, Paster Editora, 1998.
[3] BALESTRERI, Ricardo Brisolla, Direitos Humanos: Coisa de Polícia, CAPEC – Centro de Assessoramento a Programas de Educação para a Cidadania, 2008