Crimes de Gaveta: O Ciclo da Impunidade (Introdução)
Por Ivenio Hermes
Casos do Acaso
Num dos estados onde a marca de impunidade cada dia mais amplia sua marca de injustiça, ações policiais mal planejadas e deflagradas sem o devido cuidado, acontecem costumeiramente e seu teatro operacional compromete evidências, realiza ações de busca e apreensão questionáveis do ponto de vista legal, utiliza aparato policial que não estava treinado para aquela atividade, agindo num flagrante amadorismo que somente engana aqueles que consomem qualquer notícia sensacionalista vendida pelos telejornais fantasiados de propagadores da verdade.
Após meses e até anos decorridos dessas operações alegóricas, grande parte dos inquéritos fica inconclusiva e não há condenações, não porque a inocência dos envolvidos fique provada, mas porque o Estado não consegue reunir dados oriundos das ações policiais questionáveis, que gerem convencimento da culpa dos réus.
As provas que seriam fundamentais para a solução dos crimes e a punição dos culpados não são suficientes, estão comprometidas pela falta de conservação e pela inércia da polícia científica que não tem como fazer sua parte, pois além de não possuir equipamento, não possui local adequado de trabalho e conservação de evidências e ainda funciona num prédio condenado por vistoria técnica.
Trata-se de um órgão figurativo, com estrutura de carreira mal definida, com centenas de funcionários oriundos de outras carreiras, que ocupam cargos sem terem se submetidos a concurso público e sem qualquer tipo de formação técnica para o exercício das funções. Entretanto, não se pode negar que, em meio à multidão existem alguns servidores que se revestiram da vontade de servir ao público.
A credibilidade de um órgão assim, responsável por produzir documentos (provas técnicas) que permitem solucionar os crimes praticados no RN, contribuem para a existência de investigações inconclusivas, operações sem resultado prático e casos resolvidos geralmente pela acaso.
O Instituto Técnico-Científico de Polícia
Teoricamente, O Instituto Técnico-Científico de Polícia (ITEP) é o Departamento Técnico-Científico do Estado do Rio Grande do Norte, cuja função seria coordenar as atividades desenvolvidas pelas perícias criminais do estado através dos seus respectivos órgãos: a Coordenadoria de Criminalística (COCRIM), a Coordenadoria de Identificação (COID) e a Coordenadoria de Medicina Legal (COMELE).
Para o não comprometimento de suas ações de investigação forense, embora tendo poder de polícia, estaria desvinculado da Polícia Civil, e como Polícia Científica, que é seu estandarte de ação, sua subordinação ficaria diretamente à Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social, desenvolvendo trabalho em regime de cooperação com os demais órgãos da Segurança Pública do RN.
Mas o ITEP/RN, embora de suma importância para as investigações policiais e para os processos judiciais, vem sendo esquecido e abandonado por sucessivos governos, servindo mais como cabide de emprego do que qualquer outra coisa. Menos da metade dos servidores do ITEP fizeram concurso para o cargo que ocupam. Ou seja, as atividades científicas são realizadas por motoristas, ASGs, professores, bancários etc. A consequência disso é a baixa qualidade dos documentos produzidos e o altíssimo custo para funcionamento do órgão.
A sede do ITEP funciona precariamente na Avenida Duque de Caxias, 97, Ribeira, na cidade de Natal/RN, possuindo duas unidades descentralizadas (subcoordenadorias) nos municípios de Mossoró e Caicó e uma “fictícia” em Pau dos Ferros. A sede principal, entretanto, a que deveria ser exemplo de boas instalações e equipamentos de qualidade, vive no ostracismo do investimento público, nunca recebendo qualquer material que capacite seus servidores ou melhore suas instalações.
Tanto a polícia militar quanto a polícia civil que dependem desse órgão, ficam reféns de sua incapacidade de prestar um bom serviço. De fato, a sociedade em si é refém da incompetência e descaso governamental para com o ITEP.
Durante a última greve deflagrada pelos servidores do órgão, tentamos conseguir um documento emergencialmente para um jovem concursado que precisava ir para outro estado se matricular num curso de formação policial, e a irredutibilidade em fornecer o atestado de antecedentes quase deixou o rapaz fora do concurso. A equipe do Blog do Ivenio e Carta Potiguar acompanhou a situação da greve e ficou tão atônita de como o público era maltratado que nem cogitamos e escrever nada sobre o pleito deles na época.
Independente de greve, de problemas enfrentados no serviço público, o bom trato com o público que demanda os serviços de qualquer órgão público é dever do servidor, que não pode avocar direitos quando não dá o mínimo de bom tratamento ao seu público alvo. Os agentes do órgão que queriam fazer alguma coisa pela população eram ameaçados pelos colegas grevistas e ficavam com medo de comparecer ao serviço.
O Outro Lado da Moeda
Vendo a situação dos servidores do ITEP por este ângulo, é fácil execrá-los e culpa-los por tudo. Ocorre que eles também são vítimas do descaso da gestão pública e, dentro de suas pífias capacidades procuram trabalhar.
Em 2011, o Serviço de Engenharia do Corpo de Bombeiros realizou uma vistoria técnica no prédio onde funciona a Coordenadoria de Identificação (COID). O resultado da inspeção consta no Laudo de Vistoria 043/2011, que foi engavetado sem que fossem tomadas quaisquer providências.
O laudo embargava as instalações prediais e as declarava sem condições de operar os serviços aos quais se destinava pelos seguintes motivos:
- Falta do HABITE-SE;
- Desconformidade com o Código de Segurança e Prevenção Contra Incêndio e Pânico do Rio Grande do Norte;
- Cupins que comprometem a estrutura do teto;
- Extintores de incêndio fora do prazo de validade;
- Caixas de distribuição de Disjuntores em péssimo estado de conservação;
- Instalações elétricas que expõe a alto risco toda a edificação, com vazamento de corrente elétrica, energizando fechaduras etc;
- Risco de desabamento do forro de PVC da cobertura;
- Arquivos civil e criminal em desacordo com a NBR 9077 (saídas de emergência).
Outros problemas como infiltrações e falta de conservação generalizada foram detectadas pela equipe de vistoria do Corpo de Bombeiros, que emitiu parecer pela IMEDIATA INTERDIÇÃO do prédio.
“HABITE-SE”, que é o ato administrativo emanado de autoridade competente que autoriza o início da utilização efetiva de construções ou edificações destinadas à habitação. Entretanto, o documento não se refere apenas a construções residenciais como era anteriormente, é ele quem habilita se uma edificação é ou não própria para o uso humano.
Assim, desde 2011, os servidores do ITEP convivem com esse descaso e se tornam potenciais vítimas da depressão e anulação social que pode se manifestar das mais diversas formas, inclusive a falta de vontade de cooperar com a efetividade de seu trabalho.
Justificando Ausência de Operações
O Rio Grande do Norte, assim como o Brasil é um país marcado por grandes e costumeiras operações policiais que vendem jornais e fazem propagandas de gestores e suas políticas de segurança pública, mas que não trazem efetivo benefício para a sociedade em matéria de combate ao crime.
Nesse sentido, destaca-se a afirmação feita por Rosalba Ciarlini em 01 de Junho de 2012, quando participava de um evento do DEM em apoio a Rogério Marinho. Naquela ocasião ela criticou as operações que ocorreram durante a gestão de Wilma de Faria e declarou: “No meu Governo não tem Foliaduto, não tem Operação Higia, não tem Ouro Negro. No meu Governo não tem essas operações que envergonhavam o nosso Estado pelo Brasil todo”.
Entretanto, pior situação é a de não investir numa Polícia Civil e nem numa Polícia Científica capaz de dar prosseguimento às investigações geradas pelas operações detonadas em governos anteriores e que ficam impunes. Não há como vangloriar-se da inexistência de grandes operações se talvez a falta delas seja justamente a falta de condições para realizá-las.
Vale salientar que a estruturação do ITEP foi uma promessa constante na campanha de Rosalba na condição de candidata ao governo do estado.
Nesse arco de artigos que agora se inicia, será realizado um estudo de como a falta de capacitação da força policial civil e científica diminuiu a efetividade das ações policiais, mostra porque as operações deflagradas em governos anteriores e até mesmo no atual não obtiveram sucesso em punir ou recuperar rombos nos cofres públicos, e de como a descontinuidade no processo investigativo decorrente das operações criam um ciclo de impunidade no estado do Rio Grande do Norte.
REFERÊNCIAS:
ANDRADE, William Felix de. Governo do RN emite nota e diz que greve do ITEP é ilegal: Sinpol rebate. Blog do Sargento Andrade. Disponível em: < http://db.tt/S8HXbdmH >. Publicado em: 13 set. 2012.
CALIXTA, Alex. Crise Total, Governo Estadual e Servidores do ITEP-RN: Não Se Entendem e Reproduzem, Falta de Respeito e Dignidade Humana.. Blog Comunicador Efectivo. Disponível em: < http://db.tt/bnycyXSn >. Publicado em: 12 fev. 2011.
GOES, Carlos Henrique; JULIÃO, Valdir. Necrotério do ITEP será interditado. Tribuna do Norte. Disponível em: < http://db.tt/keNdON3o >. Publicado em: 20 set. 2011.
PIRES, Robson. Rosalba: no meu governo não tem Foliaduto, não tem operação Higia. Blog do Robson Pires. Disponível em: < http://db.tt/l0UIWEaQ >. Publicado em: 01 jun. 2012.