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Trânsito: Nossa beligerância cotidiana

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Por Cleyton Fernandes

Jornalista em Formação – UFRN

Acompanhamos estarrecidos, pela tevê, pela internet ou simplesmente pelo boca-a-boca, nos últimos dias, a história do motorista do Chevette Branco, aqui em Natal.

Um homem, ensandecido, esfaqueou uma senhora e seu filho, levando-a a morte e o deixando no hospital. O acontecido se deu numa das mais movimentadas ruas da cidade, numa tranquila (ainda existe isto aqui?) noite de segunda-feira. O tal motorista, após uma discussão de trânsito, partiu para a agressão de modo covarde: suas vítimas sequer tiveram como reagir.

O fato é, sem dúvida, trágico, doloroso e mesmo amedrontador, pois somos todos, potencialmente, as próximas vítimas. A mim, contudo, este incidente foi além, e me fez pensar nos porquês desta violência gratuita.

Somando a este traumático incidente os dois outros, acontecidos ainda não há um mês (em menos de uma semana dois ônibus foram alvo de tiros após discussão de trânsito), a situação de beligerância de nossa sociedade se mostra como de fato é.

Espanta ver na tevê – não vi mais assim o soube – que apenados de Alcaçuz ligaram ao vivo para um desses programas policiais, pedindo que se lhes enviasse o motorista, que foi preso após grande campanha na mídia e nas redes sociais, que lá, na penitenciária, eles ‘resolveriam’. Aonde iremos mais se a isso já chegamos? Mas será que isso, de fato, deveria espantar?

Qual de nós não tem ou teve ganas de ir às vias de fato contra alguém com que guerreamos no trânsito de hoje?

Quem pode dizer que sai de casa e vai ao trabalho ou à faculdade e não vê uma batida, não ouve uma freada brusca ou uma longa e infrutífera buzinada em seu trajeto?

Quantos de nós não nos deparamos com motoristas irresponsáveis, que não dão sinal de seta ao entrar ou sair de um cruzamento, diariamente?

Quão difícil é suportar os carros parados em fila dupla em porta de escolas ou lojas, em qualquer dos bairros da cidade?

Como julgarmo-nos vítimas de motoristas mal-educados e incapazes, se todos fazemos este malfadado trânsito?

Não somos loucos inconsequentes – ao menos não todos (espero!) – para sairmos de casa com uma peixeira no carro, ou um porrete, ou uma arma de fogo, esperando uma confusão para expor a insanidade que nos vai dentro. Não! Somos só os que xingamos, cortamos o sinal (não vem ninguém mesmo!), avançamos a faixa de pedestres (quem vier atrás que pare!), paramos o carro no meio da rua (mas só um pouquinho)… Somos, sim, co-partícipes deste mundo cão.

Devemos vigiar nossos atos e pensamentos, diz o Cristo. Façamos isto como o fazem as mães conosco. Com tanto cuidado e desvelo será difícil que caiamos na tentação de agir com a desumanidade como a que foi vítima aquela família e que assustou-nos a todos.

Devemos, também, cobrar das autoridades, em qualquer esfera de poder, as ações, sejam proativas ou reativas, que nos permitam sentir segurança em nossas casas e em nossas ruas.

Episódios como a venda de carteira de motorista, como vimos ano passado em Mossoró muito tem a ver com os loucos que dirigem em nossas cidades, ou a alguém não espanta um assassino ter habilitação, passando – ou comprando – seu psicoteste? Todos sabemos de alguém que ‘molhou’ a mão de outrem no DETRAN, para facilitar ‘as coisas’, ou não?

Cabe a quem, de fato e direito, a fiscalização destes órgãos e a eficaz punição aos responsáveis por desvios de conduta?

Cabe a todos e a cada um de nós, também, o exercício de consciência, pois sinto em minhas mãos um pouco do sangue dos inocentes que sucumbem diariamente no trânsito do país a fora, pois, se não cometo tais desvios (e me arvoro, orgulhoso, por não o ter feito jamais!), sou conivente por compactuar com tantas histórias de bolas, subornos, ‘lanchinhos’ e ‘cafezinhos’ a policiais e demais servidores, que, corrompidos, fazem vista grossa aos absurdos e crimes cometidos cotidianamente. Quem de nós não o é?

Pensemos todos se é esse o mundo que queremos!