Por Paulo Linhares, Professor da Uern
O recente episódio do agravamento da enfermidade do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, que se encontraria em Havana, Cuba, para tratamento de um câncer, reaviva a discussão sobre a saúde dos poderosos ou famosos, sempre objeto de especulações, boatos e segredos. Quando se trata de um chefe de Estado ou de governo enfermo, de repente o caso pode adquirir o status de segredo a ser mantido a todo custo mantendo uma velha tradição que remonta ao período das monarquias absolutistas, estas que tornaram célebre a consigna “o rei está morto, viva o rei” e que funcionava como senha para o início de renhidas e não menos sangrentas lutas pelo poder. Não raro aqueles que viviam em torno de um monarca tudo faziam para que a verdade sobre o estado de saúde deste não fosse revelado à opinião pública em geral e, no particular, aos seus adversários políticos que, diante da fragilidade do enfermo, poderiam ser encorajados a enfrentá-lo. A verdade somente aparecia quando o desenlace já era fato. Às vezes até a morte era escamoteada: Rodrigo Díaz de Vivar, chamado de “Campeador” ou “El Cid” ou “Mio Cid”, faleceu no seu castelo em Valência a 10 de julho de 1099, porém virou lenda. Quando seus inimigos mouros pensavam ter finalmente matado El Cid, sua mulher, de nome Jimena, mandou amarrar seu corpo ao cavalo e sua espada à mão, mandando-o ao campo de batalha. Ao ver El Cid cavalgar os mouros fugiram, foram perseguidos e derrotados pelo exército de Rodrigo. E por um cadáver.
Esse velho costume – que nada tem de republicano – foi largamente adotado pelos ditadores nas últimas décadas e, em algumas situações, até por políticos poderosos, no contexto de democracias. Esses jogos de luz e sombra, qualquer que seja o poderoso enfermo, geram situações que podem beirar o ridículo, como o presente caso da doença de Hugo Cháves ou da enfermidade que acometera o ex-presidente Arthur da Costa e Silva, o segundo presidente do regime militar instaurado pelo Golpe Militar de 1964. Quando o marechal Costa e Silva passou a demonstrar interesse numa reforma política que atenuaria a crise gerada pela entrada em vigor do Ato Institucional nº 5, editado em 13 de dezembro de 1968, foi vitimado por um acidente vascular cerebral quem o incapacitou para o exercício da presidência da República, porém, foi a imprensa impedida de fazer qualquer divulgação e o episódio ficou envolto num espesso véu de mistério que até gerou a dúvida se efetivamente ocorrera esse AVC ou se o marechal-presidente teria sido vítima de um atentado a bala no ambiente palaciano. Certo é que, quando finalmente a cortina de fumaça se dissipou, com a divulgação de sua morte, já havia assumido poder uma junta militar imposta pela “linha dura” do regime, em 31 de agosto de 1969, composta pelo General Aurélio de Lira Tavares (Ministro do Exército), pelo Almirante Augusto Rademaker (Ministro da Marinha) e pelo Brigadeiro Márcio de Sousa e Melo (Ministro da Aeronáutica), cujo ato inicial foi impedir que vice-presidente Pedro Aleixo assumisse como determinava a Constituição vigente. Mais recentemente, o Brasil acompanhou o caso do presidente eleito (por um colégio eleitoral) Tancredo Neves que impediu enquanto pôde a revelação de grave enfermidade que o acometera poucos dias antes de sua posse. A tentativa de encobrir o fato tornou irreversível a doença, que o matou e deu causa a um enorme trauma coletivo.
Na Venezuela, um enorme esforço é feito para manter longe da opinião pública quaisquer dados sobre o verdadeiro estado de saúde de Chávez, com boatos para todos os gostos: uns afirmam que já morrera ou que está lépido e fagueiro no caminho da completa recuperação, inclusive para assumir o novo mandato presidencial, em 10 de janeiro de 2013. O mais caricato foi a atitude do diretor da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) da Venezuela, Pedro Maldonado, que abriu um procedimento administrativo contra três emissoras de Caracas que não transmitiram, na última quinta-feira (dia 3 de janeiro de 2013), o discurso do ministro de Comunicação e Informação da Venezuela, Ernesto Villegas, transmitido através de cadeia nacional de rádio e televisão, sobre a (supostamente ótima) saúde do presidente Hugo Chávez. Ridículo atroz.
Atitudes desse jaez contradizem a lógica republicana de que os cidadãos de uma comunidade política têm o direito à informação acerca de fatos que sejam do interesse geral. O real estado de saúde de um chefe de Estado enfermo pode ser assim classificado, porque transcende o caráter exclusivamente privado dessa informação. Gostem ou não seus adversários e desafetos de todos os matizes, agiram corretamente o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff quando deram ampla publicidade nos respectivos episódios que em foram acometidos de câncer. Isto é moderno e republicano.