O #Foramicarla se reuniu em frente à Câmara Municipal do Natal no dia de ontem, mais uma vez, para protestar contra a péssima administração de Micarla de Sousa e contra os vereadores que dão sustentação à gestão verde. O momento era propício: a prefeita abriria os trabalhos na casa legislativa com um discurso.
A “metodologia” empregada para mobilizar todos aqueles que estão insatisfeitos com os desmandos da borboleta foi a mesma utilizada nas bem sucedidas manifestações anteriores. Os interessados diretos e simpáticos ao movimento fizeram uso do twitter, facebook e contataram suas redes pessoais e institucionais.
No entanto, o que se viu, seguindo a tendência dos últimos protestos, foi uma manifestação esvaziada. Segundo as pessoas que lá estiveram, cerca de 30 a 50 pessoas se faziam presentes. Quorum bastante distante dos milhares de sujeitos que engrossaram as fileiras das primeiras contestações.
O que tornou possível tamanha mudança de percurso no desenvolvimento do #Foramicarla em relativo pequeno espaço de tempo? Porque os cidadãos se desmotivaram e deixaram de participar deste movimento? A insatisfação popular não diminuiu, pois pesquisas de opinião apontam para um crescimento da reprovação da prefeita, principal alvo das críticas. Os vereadores, que poderiam apaziguar a situação, na verdade e seguindo a total falta de traquejo de alguns parlamentares com os movimentos sociais, apagaram o protesto com gasolina: a bancada de Micarla de Sousa organizou uma “operação abafa” da #Ceidoscontratos, principal reivindicação dos manifestantes junto a CMN. Ainda assim, ao invés de inflamar o sentimento de revolta, o movimento #Foramicarla seguiu murchando, se esvaindo.
Qual a razão? É possível, ao meu ver, apontar o modo como alguns grupos políticos tentaram se apropriar do movimento como UM (não O único) dos aspectos importantes para a perda de musculatura do #Foramicarla.
Ainda que seja crível apontar alguns integrantes e instituições, que desde o início contribuíram para a organização dos protestos, parte significativa dos manifestantes participaram das contestações sem nenhuma motivação partidária direta. Não existia o sentimento da grande maioria de substituir Micarla de Sousa por um outro nome específico. A luta era contra, pura e simplesmente, o status quo.
A alegria das passeatas era o resultado de um cansaço generalizado com as estruturas sociais e políticas, aliada a um novo formato, que conseguiu congregar os mais variados interesses, os mais variados pontos de vista e anseios. Não existia uma orientação partidária clara, ainda que alguns partidos desde o início se fizessem presentes. Não era necessário adorar um líder (os manifestantes acordaram que ninguém falaria como líder e/ou representante do #Foramicarla). Uma camisa transada politicamente ou uma bandeira não trazia prestígio para ninguém. Bastava ir, pular, gritar ou apenas se divertir e encontrar os amigos. Afinal, quem disse que o ato de protestar tem a ver com tristeza, com chatice?
O formato foi extremamente produtivo no sentido de juntar diferentes modos de ser e de fazer. Ainda que fosse possível encontrar a predominância de um determinado perfil de classe e uma filiação a determinadas instituições (universidade, colégios, etc), o pluralismo, o não-fechamento em um partido, num nome ou numa bandeira funcionaram como um verdadeiro guarda chuva. A densidade política foi questão de tempo.
O #foramicarla começou a enfraquecer quando a instrumentalização partidária e eleitoral matou a possibilidade da aventura, que vinha movendo os manifestantes. A pulsão crítica foi civilizada, controlada. Com isso, o espontaneísmo, nada espontâneo, saiu de cena.
Líderes políticos (profissionais), mas sobretudo, líderes estudantis quiseram tomar a frente e ditar os rumos que o #Foramicarla deveria tomar. Pior. Começaram a criar hierarquias com falas do tipo: “eu acampei e você não acampou na CMN. Portanto, eu posso falar sobre o movimento e você não pode”. Ao invés de incentivar qualquer iniciativa de apoio, uma simples twittada que fosse, essas lideranças queriam normatizar a prática politicamente correta de contestar. Se não seguisse a cartilha do que significa ser manifestante na concepção deles, o cidadão não era engajado, não entendia o processo político, ou mesmo era um alienado. A tentativa de lucrar politicamente com os protestos afugentou quem não queria empunhar uma bandeira partidária, ou seja, a grande maioria. Ficou claro que a grande maioria não queria um porta-voz, um líder, alguém que falasse pelos demais.
Neste sentido, o modelo de instrumentalização partidária dos movimentos sociais apresentou rápido esgotamento. Não bastou, pura e simplesmente, municiar os manifestantes com carro de som, bandeira, introduzir e/ou cooptar as lideranças, apoiar e pedir votos para a próxima eleição. No caso do #Foramicarla, talvez em decorrência da especificidade social do público estudantil – talvez não –, quando a tradicional fórmula entrou em cena, a motivação dos integrantes desapareceu. No seu lugar só desconfiança.
Os partidos precisam aprender com a experiência. Investigar como se relacionar com as novas fórmulas de mobilização via internet, com as novas formas de protesto. Até porque, do ponto de vista social, não é todo mundo que pode comparecer numa passeata. As pessoas trabalham, têm filhos e carregam responsabilidades. O processo de atomização dos indivíduos na sociedade é irreversível. Assim, ao invés de recriminar quem apenas twitta em favor de uma causa, é fundamental aceitar de bom grado qualquer manifestação de solidariedade positiva.
A sociedade mudou, os movimentos sociais mudaram e os partidos precisam se refazerem, até para conseguir atrair (tornando novamente atraentes) aqueles que se professam “apartidários”, pois do jeito que a coisa anda está claro que a cartilha tradicional não está funcionando mais.
MOVIMENTO ESTUDANTIL
É impressionante a desconfiança quase que generalizada com que os estudantes olham para os partidos e grupos partidários. Talvez tenha a ver com as fórmulas utilizadas. É possível criar o diferente, fazendo uso das mesmas estratégias que são combatidas no imaginado e projetado adversário “de direita”? Menos sentimento de rebanho e mais auto-crítica ajudaria.
ANTIACADEMICISMO
Impera no movimento estudantil uma bandeira perigosa – o ressentimento direcionado contra aqueles que gostam de estudar e conseguem sucesso acadêmico. A defesa da “prática”, bastante presente desde o tempo em que eu era estudante de graduação na UFRN, em detrimento da “teoria”, traz um esvaziamento das atividades educacionais e acadêmicas. Um jeito burro de menosprezar a reflexão e a crítica e de se afirmar, dizendo que prefere o rasteiro.
Nesta lógica, quem defende a prática de estudo e o rigor nas discussões universitárias é enquadrado como “elitista”. “Democrático” é aquele que fala em “abertura” da universidade (só não diz para quem e para quê) e luta pelo respeito daquilo que é chamado cinicamente de “sabedoria popular”.
Estudantes do DCE e alguns professores andam ganhando eleições internas na UFRN com esse discurso. Numa teodiceia medíocre, daí a sua força, quem abraça o populismo científico/burocrático é vendido como um “Lula”, ou seja, uma pessoa simples, que veio de baixo e venceu. Quem critica a tentativa de rebaixamento da universidade é, na verdade, um “FHC”, portanto, elitista e que não aceita a abertura da universidade para a prática “democrática” e “dialógica”, coitado de Paulo Freire, dos saberes populares.