A visão de uma pessoa com Autismo
Por Nataly Pessoa*
Sou o que sou
Sou Asperger, considerado um grau leve do espectro autista. Tenho 27 anos e fui diagnosticada no ano passado, pelo fato dos meus pais e os profissionais desconhecerem a síndrome na época em que era criança. Atualmente sou acompanhada por um psiquiatra e por uma terapeuta cognitiva comportamental.
Desafios e Desvantagens
Ser uma autista na sociedade em que vivemos, não é muito fácil. Diante disso, costumo dizer que ser uma pessoa especial, tanto tem suas vantagens, como também suas desvantagens. As vantagens de ser uma autista do tipo Asperger, também conhecido como autismo de alto desempenho, é que a cada dia descubro que temos superdons ou potenciais, como o dom para vencer obstáculos; somos muito verdadeiros e temos muitas capacidades incríveis e inimagináveis.
Atualmente sou estudante de Direito e amo o curso, fico muito feliz e realizada quando sinto que meus esforços para obter êxito na faculdade, sejam no aspecto social ou nas disciplinas, estão dando bons resultados. Este ano obtive uma grande vitória, que nem eu mesmo imaginava que poderia ser capaz, que foi a minha aprovação no concurso do Banco do Brasil em Brasília-DF. Não tenho muitos amigos, não gosto de sair de casa, sou muito apegada à minha família e ao meu noivo, que são tudo para mim.
As desvantagens, na sua maioria, estão na ignorância ou na falta de conhecimento sobre o assunto. Na cidade em que moro, por exemplo, quase ninguém ouviu falar da síndrome ou pensam nela como um lado negativo. Fico muito triste pelo fato das pessoas terem certo tipo de pensamento: “ninguém tem obrigação de saber da sua síndrome, o mundo hoje é muito corrido para informações banais”. Alguns dizem que não pareço ser autista (não tenho cara de autista), por terem apenas um conceito errôneo do autista, que é antissocial, retardado mental e vive tomando medicações.
Esse conceito é equivocadíssimo, basta observarem o meu exemplo, que é muito claro e oposto do que assim pensam. Os poucos amigos que tenho me aceitam e me respeitam, mesmo alguns deles conhecendo pouco sobre o assunto. Penso assim: Se me consideram, me reconhecem e me respeitam, então me aceitam.
Outro desafio que nos é imposto é lugar cheio, principalmente filas. Geralmente os enfrento quando estou bem, sem nenhum problema. Mas quando não estou bem, prefiro não os enfrentar. Até mesmo porque o desconhecimento desse tipo de autismo por parte de muitos, jamais me os faria reconhecer que sou portadora de necessidades especiais e me conceder a preferência. Também tenho problemas com ambientes barulhentos e lotados, não consigo reciclar o que quero ouvir e acabo escutando todos a meu redor e ao mesmo tempo.
Sendo universitária, também enfrento muitos desafios. A cada início de semestre, tenho que me adaptar novamente à rotina de ir à faculdade todos os dias, geralmente essa dificuldade dura em torno de 15 dias. A troca os professores é algo a que tenho que me acostumar, preciso me sentir segura e que posso contar com o apoio deles. Sempre conto que sou autista a todos e o que mais me decepciona é mesmo a falta de informação. Há certas pessoas ou professores a quem tenho que explicar sobre minha síndrome, pois nunca terem ouvido falar dela. Não os culpo, afinal, nossa sociedade não é muito bem preparada para conviver com as minorias diferentes. De modo geral, apesar de muitos não conhecerem minhas limitações, ainda assim, recebo apoio dos colegas de sala e de alguns professores.
Em minha opinião, todos os profissionais em qualquer área de atuação, deveriam saber um pouco sobre o Autismo. Em relação à área educacional, acredito que todos têm a obrigação de conhecer a síndrome, por trabalhar com todo tipo de aluno, seja ele com necessidades especiais ou não. Pois para quem não sabe, quem tem autismo é especial.
Outro aspecto que precisa ser melhorado é o acesso aos tratamentos. A maioria dos planos ou seguros de saúde não os cobre, são caros e sem falar que a maioria dos profissionais não possui especialização na área de autismo. Por consequência, quem sofre mais são as pessoas que não têm muitas condições financeiras, pois na saúde pública praticamente não existe tratamento para isso.
Contradições de uma profissional
No domingo 16/12/2012, a psicóloga Elizabeth Monteiro foi ao programa Domingão do Faustão da Rede Globo e fez algumas declarações que geraram muita polêmica e contradição.
No programa, o apresentador Fausto Silva comenta sobre o caso do Adam Lanza e indagou a psicóloga, perguntando sobre psicopatas e ela respondeu, explicando as possíveis características. Ela comenta que leu que o garoto era Asperger, sem ao menos ter citado fontes ou algum embasamento teórico.
Na sequência, quando Fausto Silva pergunta o que é asperger, ela define com sendo um tipo de autismo, que não é como o tradicional. Ela afirma que nesse tipo de autismo a pessoa faz contato e às vezes é inteligente. No momento que ela criava essa “definição”, o apresentador pergunta se a mãe tendo consciência disso deveria ter arma em casa ou permitir que uma arma fosse comprada ou ainda se havia a chance da mãe evitar enxergar a limitação. A psicóloga afirma que positivo.
O absurdo maior é que enquanto ela falava, imagens eram transmitidas, que maculavam ainda mais a imagem dos Aspergers, pois em uma delas aparece uma simulação de Adam Lanza atirando no local do crime, em seguida ainda é citado o caso da Suzane Von Richthofen.
No mesmo quadro ela mostra certas características como: puxar tapete do outro no trabalho; querer todos os méritos para si; arquitetar planos para detonar outro, em seguida afirma para ter mais atenção e que não é boa uma criança que não sorri, não brinca, chora muito, perversa, ainda cita como sendo as “crianças malvadinhas”, as que são perversas, agressivas, muito inteligentes articuladoras, associando-as ao espectro Asperger de autismo.
A verdade fundamentada em estudos
A Síndrome de Asperger é considerada um grau leve do espectro autista e que nada tem a ver com o comportamento psicopata. Além disso, nada da síndrome se relaciona com violência ou agressividade.
Nós aspergers não costumamos puxar tapete dos outros; não vivemos querendo os méritos só para nós mesmos, pois egoísmo não faz parte de nossas naturezas, pelo contrário, somos cooperativos e colaboradores; e enfim, nós não arquitetamos planos para derrubar outros.
Outra coisa, nem todo bebê ou criança que não sorri, que não brinca, que chora muito, apresenta algo ruim ou preocupante.
A psicóloga que esteve no programa de Fausto Silva, deveria se retratar em rede nacional, pois as informações passadas por ela no programa, não foram verdadeiras, prejudicando mais ainda a sociabilização dos Aspergers. A maior preocupação está na interferência disso no futuro social e profissional de cada um de nós.
Novos Rumos
Tentando diminuir o preconceito, criei um blog sobre autismo chamado ESPAÇO AUTISTA: www.espacoautista.blogspot.com.br e administro grupos e uma fanpage www.facebook.com/autismoemmeninas para autistas e pais de autistas, onde trocamos informações e compartilhamos experiências vividas.
Outro momento muito marcante neste ano foi conhecer escritor, Ivenio Hermes, membro do conselho editorial da Carta Potiguar, que para minha imensa alegria, é Asperger. Fiquei muito impressionada com sua capacidade profissional e pelo belo trabalho que tem na revista e no seu blog. Ele é pai de dois filhos, que também são aspergers e outro que não é.
Ao ser entrevistada por ele, para minha maior surpresa, fui convidada para ser colunista da Carta Potiguar, algo que me deixou muito feliz e confesso que muito realizada, pois tudo isso está sendo reflexo do trabalho que venho fazendo no meu blog e que tenho recebido muito apoio.
Espero que essa parceria entre Aspergers seja sempre duradoura e que possamos mostrar para a sociedade, que temos muitos talentos e potenciais naquilo que nos propomos a fazer.
*Nataly Pessoa
É escritora do Blog do Ivenio. Graduanda de Direito pela Uni-RN, criadora do blog ESPAÇO AUTISTA: http://espacoautista.blogspot.com.br/ e da fanpage AUTISMO/ASPERGER NO UNIVERSO FEMININO: https://www.facebook.com/autismoemmeninas;Membro da ABRAÇA: Associação Brasileira para Ação por Direitos da Pessoa com Autismo e Pesquisadora da inclusão social das pessoas com autismo