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Natal, a festa do capital

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Por Rafael Lucas

(Filósofo e pós-graduando em Filosofia na UFRN)

Para além das explicações religiosas que ainda buscam preservar o sentido original da festa à qual chamam “natal”, a saber, a comemoração do nascimento de um dos maiores revolucionários de todos os tempos – Jesus –, o fato é que o sentido que prevalece hoje acerca dessa data é bem mais profano. Nesta época do ano, apesar da festa ser em homenagem a Jesus, é um velho gordo e barbudo, trajando uma ridícula roupa vermelha, que rouba a cena. Ao invés de indagarem o que esse senhor obeso tem a ver com a história do natal, as pessoas simplesmente o aceitam como se dela ele já fizesse parte desde sempre e, como algo acerca do qual não se discute, não só não ousam afirmar que ele nada tem a ver com o natal, como ensinam a seus filhos que ele é o responsável pelos presentes que as pessoas recebem. Juntamente com o mito do “bom velhinho”, as crianças aprendem que o que há de mais importante no natal é dar e receber presentes, e assim, desde a mais tenra idade, são iniciadas em relações de fetichismo com diversos tipos de mercadorias.

No mundo contemporâneo, natal é sinônimo de compras, de tal modo que se tivermos que referir a essa data com uma palavra, outra não poderia ser senão “consumismo”. Não é à toa que esta é a melhor época do ano para os comerciantes, que, sabedores disso, tentam atrair as pessoas para dentro de suas lojas com vitrines cada vez mais chamativas e, principalmente, com prestações a perder de vista. Os shoppings e centros comerciais se transformam em verdadeiros formigueiros humanos, com pessoas se acotovelando pelos corredores a fim de encontrar e comprar toda sorte de produtos e cacarecos. Mas, onde é que está escrito que natal é isso, isto é, compras, consumo, endividamento? E não me venham dizer que Jesus recebeu presentes dos reis magos…

Por todos os lados, a cidade enfeitada, escondendo sob os enfeites a podridão da política local; em todos os lugares, luzes coloridas piscando e ofuscando uma percepção mais clara e distinta da realidade; em todas as esquinas, outdoors e propagandas fazendo seu irresistível apelo; aqui e ali, pessoas dizendo umas para as outras, maquinalmente: feliz natal!, enquanto, de fato, não há nada de feliz para ser comemorado.

Em meio a todas essas coisas, me pergunto: onde está o sentido primitivo disso tudo, aquilo que é sua causa?; por que o homenageado do dia é precisamente o menos lembrado da festa? Não sou cristão. Não tenho o intuito de fazer aqui uma apologia de Jesus ou da religião cristã, sob todas as suas infindáveis denominações. Não me conformo, contudo, com essa farsa que a maior parte das pessoas comprou e representa para si mesmas e para os outros nesta época do ano, uma vez que o verdadeiro sentido do natal há muito foi sepultado com o engendramento do papai noel, representante do único sentido que vigora no mundo capitalista, a saber, o do valor, aquele que o dinheiro pode atribuir às coisas. Num mundo onde quase tudo tem um preço, não é de se admirar que as pessoas tenham comprado essa ilusão natalina e que o natal tenha se tornado, a exemplo de outras datas festivas, mais uma festa do capital.