“O que Aluízio Alves teve daquele processo revolucionário foi uma violenta cassação, mas graças a Deus e a força dele, eu e Garibaldi Filho pudemos continuar a sua luta e os seus ideais”, disse o deputado Henrique Eduardo Alves em sessão solene realizada no dia 06 de dezembro na Câmara dos Deputados que simbolicamente devolveu o mandato de 173 parlamentares que tiveram seus direitos políticos cassados durante o regime militar que durou de 1964 a 1985.
A historiografia costuma colocar o ex-governador Aluízio Alves como opositor à ditadura militar, vez que, principalmente, foi membro do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), agremiação que representava o contraponto à Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido de sustentação do regime. Sua perseguição pelos militares seria, portanto, a inconteste prova da sua luta. Pura falácia.
Primeiro, pelo fato de com o passar dos anos o ímpeto ditatorial ter perdido o controle quase que por completo, chegando a cassar inclusive mandatos de tradicionais apoiadores do golpe. Udenistas representantes da fina flor do conservadorismo – a exemplo de Carlos Lacerda e Seixas Dória – foram vitimados pelo monstro que solenemente ajudaram a criar. Aliados de outrora chegaram ao ponto de fazer publicamente mea culpa pelos seus antigos posicionamentos. Dom Paulo Evaristo Arns, por exemplo, entusiasta da “revolução”, não demorou a perceber a magnitude da repressão que cairia sobre a sociedade e seus direitos e liberdades civis . Semelhante coisa aconteceu com o General Golbery de Couto e Silva, criador do temido Serviço Nacional de Informações (SNI), que lamentou em alto e bom som o recrudescimento das ações da sua cria.
Segundo, Aluízio não só deu suporte ao golpe de 1964, como, em uma emblemática atitude de vassalagem, publicou na edição de 2 de abril do Diário de Natal nota na qual afirmou o seguinte: “O governador do Rio Grande do Norte, agora informado das razões e objetivos do movimento ontem deflagrado sob a liderança do governador Magalhães Pinto, quer manifestar o seu apoio aos ideais dessa oposição que vista a autêntica legalidade democrática realmente ameaçada por atitudes fatos que não eram ainda de conhecimento público”.
A deliberada subserviência de Aluízio ao regime, todavia, não se resumiu a uma nota de jornal. Adotou o oligarca uma postura ativa no auxílio à mccartista paranoia verde-oliva de perseguição indiscriminada aos ditos subversivos e a potenciais opositores da ditadura, chegando a criar uma Comissão de Investigação paralela à dos militares. Tal fato é relatado com riqueza de detalhes por Mailde Pinto Galvão no ótimo “1964. Aconteceu em Abril”, obra na qual esmiúça com propriedade os impactos locais do golpe: “O governador formou também sua Comissão de Investigações e contratou, no Estado de Pernambuco, dois policiais especializados, a quem concedeu poderes absolutos e excepcionais, com toda a mordomia oferecida aos hóspedes oficiais do governo do Estado. Não se tem notícia de outro governador que constituísse uma Comissão de Investigação paralela, com poderes especiais para processar, prender e encarcerar os supostos subversivos, como aconteceu no Rio Grande do Norte.” Mais à frente, conclui: “Com a Comissão Geral de Investigações instaladas pelos militares, mais duas comissões ditas de “alto nível” criadas pelo governador, e as outras implantadas em cada repartição pública estadual, municipal e federal, armou-se a maior rede de investigação policial militar de toda a história política do Rio Grande do Norte”.
Situações como esta evidenciam a importância da criação de comissões da verdade e memória que atuem nos âmbitos local e regional em suas mais diversas instâncias (poderes legislativos, universidades, seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, etc), pesquisando e reverberando acontecimentos históricos peculiares de cada localidade. Iniciativas assim são imprescindíveis para que sejam escancaradas as verdades sobre quem de fato foi perseguido e perseguidor, algoz e vítima, capacho e opositor do regime militar de 1964, impedindo que oportunistas se arvorem no esquecimento e no desconhecimento para se apresentar como algo que definitivamente nunca foram. Henrique Alves, com sua vasta e abusiva influência política e econômica, pode ser capaz de muita coisa, mas não de apagar o passado.