Por Iracilde Rodrigues
(Estudante de Serviço Social da UFRN e estagiária do Centro de Referência em Direitos Humanos).
Acreditamos saber que existe uma saída, mas não sabemos onde está. Não havendo ninguém do lado de fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la por nós mesmos. O que o labirinto ensina não é onde está a saída, mas quais são os caminhos que não levam a lugar algum.
Rememorando o episódio da condenação do jovem Lindemberg Alves a um penar de mais de meio século atrás das grades pela morte de Eloá Pimentel no ano de 2008, percebo que a justiça em vigor nesse país não somente desacolhe a ‘humana condição de ser errante’, mas também desconsidera essa existência, motivada, dentre outros fatores, pelo clamor social que se irracionaliza quando se depara com uma conduta tida como desviante.
A resposta societária ao crime, em especial, àqueles que atentam contra a vida, geralmente é orientada pelo sentimento de retribuição do mal causado, o que acaba por estimular a aplicação de sanções punitivas severas, enquanto tentativa de emendar o sujeito que transgrediu a lei. Essa concepção de justiça retributiva, caracterizada pelo monopólio estatal da justiça criminal, incita a punição em detrimento da responsabilização pelos danos e conseqüências do delito, o emprego indiscriminado da pena privativa de liberdade, a constante violação de direitos humanos e a estigmatização do ofensor.
Em contraposição ao modelo tradicional de justiça criminal, emerge no Brasil um novo modelo de justiça participativa, que reconhece o crime enquanto ato que traumatiza ofensor, vítima e comunidade: a justiça restaurativa. Esse paradigma de justiça possibilita a reflexão sobre a prática delituosa entre as partes centrais envolvidas no conflito, a construção de soluções para a restauração dos traumas e perdas causados pelo crime e a consolidação de um acordo de reparação dos danos.
A Justiça Restaurativa é um procedimento de consenso, estritamente voluntário, cujo objetivo é criar uma cultura de solidariedade que propicie a reintegração social da vítima e do infrator, a partir da reconstrução de integridades e superação de estigmas. A idéia é projetar-se para o futuro e para restauração dos relacionamentos, ao invés de simplesmente concentrar-se no passado e na culpa.
Espaços de práticas restaurativas estão sendo disseminadas pelo país, a exemplo da Central que funciona junto ao Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Porto Alegre – RS, que foi criada para responder à necessidade de qualificação e humanização do atendimento aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, atuando em favor da sua inserção social, através da realização de encontros com a sua família e a sua comunidade durante todo o período de cumprimento da medida socioeducativa.
Em abril desse ano, o Ministério Público do RN implantou um Núcleo de Justiça Restaurativa no município de Natal, com o objetivo de construir estratégias para solucionar conflitos em ambientes escolares, a partir da parceria escola-família-comunidade. O que se espera da mediação de conflitos é a prevenção das práticas delituosas e das consequências que delas decorre.
A justiça restaurativa contribui para a redução da violência e diminui o índice de reincidência do ato infracional. As vítimas submetidas às técnicas restaurativas sofrem menos stress pós-traumático e ficam satisfeitas por se sentirem tratadas de maneira justa.
Reparar um dano com outro de igual medida é reforçar o ciclo da violência que deságua no caos social. O que se espera de uma justa justiça é a proposição de soluções para a restauração dos traumas e perdas causados pelo crime para as partes envolvidas no conflito, e não a mera imposição de sanção punitiva severa ao ofensor. A justiça restaurativa é um modelo ideal a ser perseguido para a consolidação da paz social e preservação da própria humanidade.