O Ideal não Fenece
Por Ivenio Hermes
O Trato Com a Ameaça
“A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar.” Martin King
Em alguns lugares do Brasil algumas pessoas sorriem quando outras se dizem ameaçadas, como se essa confissão fosse uma mera bravata de quem se diz estar sob esta condição, ou como se fizesse parte de uma falácia para se colocar em evidência. Mas o pior é quando a pessoa é estigmatizada como louca, mentirosa, esquizofrênica ou outra marca que a imputem.
Contudo, quem já viveu sob a mira de uma ameaça real, sem que pudesse dela apresentar uma prova para obter a credulidade necessária para conquistar proteção, sabe o drama que é, principalmente quando essa ameaça se estende aos seus entes queridos.
A polícia não pode garantir proteção ao ameaçado sem a devida prova e/ou determinação superior, que faz a pessoa passar a viver sem condições de proteger a si ou à sua família. O terror e o abalo que essas emoções desencadeiam podem trazer resultados terríveis como as sequelas psicológicas e mentais, separação de famílias, alcoolismo e infelizmente, em alguns casos, o resultado do trato com a ameaça é sua concretização, ou seja, a morte do ameaçado, ou pelo perpetrador ou por suicídio, oriundo da depressão e do medo.
Morte na Terra do Caranguejo
“Um ser humano honesto, sempre será uma grande ameaça aos desonestos.” Rogério Bispo Ferreira
São Caetano de Odivelas, município do estado do Pará, conhecido como “Terra do Caranguejo” onde inclusive ocorre um festival alusivo à culinária feita com o famoso crustáceo, possui aproximadamente 15 mil habitantes pelo senso de 2004.
Foi nesse lugar que Kenny Valentim, vereador eleito do PT do B foi assassinado na noite de segunda-feira dia 26 de novembro, quando estava em um mercadinho com mais seis pessoas, na principal via da cidade. Ele foi atingido diretamente por cinco tiros de revólver e morreu enquanto era conduzido, na carroceria da camioneta de seu irmão, para um hospital no município vizinho de Vigia.
O responsável pelas investigações, delegado Evandro Araújo, da Delegacia de Vigia de Nazaré, que abrange São Caetano de Odivelas (mais outro caso de uma cidade sem representação adequada de polícia judiciária), empreendeu esforços imediatos e ainda conseguiu levantar dados importantes que apontam para uma possível solução.
E foi assim que houve morte na terra do caranguejo, agora marcada pela ação de um homem encapuzado que, segundo o delegado Araújo, desceu de um veículo da marca VW/Lotus (embora haja versões de o veículo seria uma moto) e pelas grades de um comércio local realizou os disparos que tiraram a vida de Kenny, feriram o braço do vereador Luttis (PSDB) que estava com Kenny, e deixou ileso outras pessoas do pequeno ambiente.
O Mandado da Covardia
“Inexprimível é a ação de uma pessoa vingativa e covarde. Quem utiliza esses ardis nem de pena é digno.” Esha Nehir
Kenny Valentim tinha 36 anos, nasceu em 30 de agosto de 1976 e era filho do ex-prefeito do município Jacob Valentim e sobrinho do deputado Nehemias Valentim, este último, um baluarte dentro da defesa de direitos de minorias e todos pertencentes a uma família de origem humilde, porém engajada no trabalho árduo.
Em 2013, Kenny estaria finalmente cumprindo seu primeiro mandato, mas filho de quem ele era, já estava inserido na vida pública desde muito tempo. Desse comprometimento o presidente do PT do B, Zezinho Lima, declara que “ele estava muito empolgado e cheio de projetos para o município”. Projetos interrompidos pelo cessar articulado da vida do rapaz.
Sobre a investigação que se está fazendo, não convém mencionar muita coisa, mas as suspeitas obtidas através de contatos telefônicos com agentes da polícia civil daquele Estado trouxeram alguma indicação sobre os rumos a serem seguidos.
Um covarde se esconde atrás de outro. Nesse caso, não resta dúvida de que o crime foi de encomenda e que o assassino encapuzado fora enviado para eliminar a existência de Kenny Valentim. A suspeita se acirra de se tratar de crime de encomenda porque certo ex-candidato a prefeito no município de São Caetano de Odivelas seria o mandante. Tudo porque Kenny decidira não se coligar a favor de tal ex-candidato a prefeito, que num arrobo de violência tácita, prometeu que Kenny não assumiria seu mandato caso fosse eleito.
E foi assim que o mandato de Kenny foi impedido pelo mandado da covardia.
Ameaça aos Valentim
“Gostaria de viver, ou melhor, não morrer, mas, se é para morrer, que eu morra como mártir porque os grandes assim morreram e, por assim morrerem, vivem até hoje.” David Saleeby
A história da morte de Kenny Valentim, como de todo ameaçado, não começou em 2012, este ano, aliás, foi o trágico final depois de um anúncio que destroça toda a família que ainda insiste em lutar contra os feudos políticos estabelecidos naquela região.
Na década de 80, o tio de Kenny, Raimundo Valentim, médico envolvido com causas sociais, promoveu o Primeiro Encontro de Saúde do Município de São Caetano, dando origem a uma paixão familiar pela região.
A ameaça aos Valentim começou com Jacob Valentim, o pai de Kenny, que fora prefeito de São Caetano de Odivelas, e cercado de impedimentos gerados pelos seus próprios associados políticos, que depois de empossados mostraram sua verdadeira agenda, não podia concretizar sua plataforma política. Foi inclusive falsamente acusado de nepotismo, que hoje é praticado de forma indireta naquele município pelos mesmos que o acusaram.
O dissabor de não poder realizar, sendo ameaçado e tendo sua família ameaçada, levou Jacob ao câncer e ao pó, quando faleceu em 23 de fevereiro de 2008, para tristeza da família e eleitores, porém, para notória festa na residência dos outrora aliados políticos e agora diretos beneficiados com aquela morte.
Sandro Valentim, outro filho de Jacob, não podia ser diferente. Com as veias repletas da origem batalhadora da família, também começou a trabalhar na política em prol de ver os sonhos do pai realizados.
Sandro e sua esposa foram convidados para uma festa e nela foram cercados e espancados por vários homens. Era Julho de 2010 e Sandro percebeu que pisava em um campo minado.
Quando a campanha para as eleições de 2012 iniciaram, Kenny Valentim fazia parte de uma coligação de seu partido, PC do B e o PHS, do então candidato a prefeito Renato Fialho. Contudo, uma discursão separou Kenny de Renato, que retirou todo seu apoio ao candidato a vereador apostando na derrota do jovem político.
O revés veio para Fialho, que embora tenha sido eleito prefeito, teria que conviver com o vereador mais votado do município: Kenny Valentim.
A Sobrevivência do Coronelismo
“Não é o suplício que faz o mártir, mas a causa.” Santo Agostinho
Uma trupe macabra domina os rincões escondidos de nosso país. Nesses lugares onde a falta de polícia judiciária e a inexpressiva polícia militar, muitas vezes manobrada por esse grotesco império mambembe que espalha o terror à moda do antigo coronelismo, nos mostra porque é tão importante manter polícias fracas, pois é somente assim que se garante a sobrevivência do coronelismo.
Enquanto os Valentim choravam o sepultamento de outro familiar, os covardes terroristas, os imperialistas do terror davam nova festa, desta vez celebrando a remoção do principal obstáculo à futura administração de São Caetano.
A propriedade onde ele morava foi sondada por pessoas ligadas ao futuro prefeito Renato Fialho, pessoas que se dizem discípulos (capatazes) de um ex-prefeito de Tailândia, outra terra de impunidade no agressivo interior do Pará. Uma série de indícios apontava para que, antes que Kenny pudesse sequer orgulhar-se de sua diplomação como vereador ou de sua posse em 2013.
Indícios não são suficientes para condenação de alguém, até por haver possíveis rastros de areia na praia para que a polícia siga numa direção enquanto a verdade é outra.
Por enquanto há somente o conforto, o riso e a celebração para esses assassinos covardes que ameaçam a vida de homens e mulheres e seus familiares. Eles imperam absolutos num reino obscuro cujas minorias clamam por uma justiça que nunca chega pela ausência de policiamento diuturno.
O Ideal não Fenece
“A garantia da existência de alguém será provada pelos ideais que ele deixar imortalizados.” Esha Nehir
Um dia antes do assassinato de Kenny, um amigo dele fora assassinado e morreu nos braços dele, abalando-o profundamente. Mesmo sob os protestos de sua mãe, o idealismo o levou a achar que seria o cúmulo aquela situação chegar até ele, e quando chegou, não demorou.
Moradores e oriundos de certas regiões do imenso país da impunidade e dos processos cujos resultados concretos somente ferem aqueles que não possuem condições reais de se proteger, também não hesitam em gritar diante de ameaças.
“As contas às claras” era um dos ideais políticos de Kenny Valentim, e isso não morreu. Muito menos Kenny morreu, pois a causa pela qual lutava está mais viva ainda nas mentes da maioria dos eleitores que o elegeram e dos admiradores que seu intento conquistou.
Imortalidade para seus ideais, Kenny Valentim.
REFERÊNCIA:
SANTOS, Antonio. Vereador de São Caetano é assassinado. Dário Online. Disponível em: < http://migre.me/c8cdJ >. Publicado em: 26 nov. 2012.