Search
Close this search box.

DE HERÓIS E OUTRAS MIUDEZAS

Compartilhar conteúdo:

Por Paulo Afonso Linhares,

 

“Triste do país que precisa de heróis”. Sem dúvida, como tudo que Bertolt Brecht  disse ou escreveu, esta é uma frase de grande verdade. Ora, os heróis somente medram naqueles momentos de graves perturbações e perplexidades nas vidas dos povos;  quando tudo parece estar perdido, as virtudes submergidas e as esperanças se distanciam  cada vez mais, o povo atônito busca algo em que acreditar e que seja sua tábua de salvação. O seu caminho mais retilíneo é simplesmente o da invenção de um herói. Foi essa a compreensão que decerto teve o gênio Mário de Andrade quando, na literatura, traçou o perfil daquilo que deveria ser o proto-herói brasileiro: o escrachado Macunaíma. Bingo! Melhor retrato não poderia ser concebido. Aliás, é como se fosse possível escrever no código genético deste Brasil cada uma das infinitas partes desse herói sem caráter, que gosta do “jeitinho” brasileiro, que acha ótimo quando as leis são desrespeitadas e a ética motivo de olímpico olvido, que prefere o ” sem nota”, o “por fora” ou “por baixo do pano”. E, na dúvida, “é melhor levar vantagem em tudo, certo?”

 

O Brasil vive um bom momento na economia, na política, nas relações com outros países, embora alguns em alguns locais de seu território viva-se um clima típico de guerra civil, como é o caso do enfrentamento entre o Estado de São Paulo e algumas facções criminosas que resolveram vingar-se da ação policial que resultou na morte de alguns de seus membros matando membros das corporações policiais. Uma situação  que inspira cuidado, embora,  possa ser superada. Há diversas outras questões e gargalos a serem resolvidos, porém, pesados e medidos corretamente tem-se um “clima” mais para positivo. As soluções inelutavelmente hão de nascer no seio do povo para por ele serem resolvidas. Nada de milagrices, de “deus ex-machina”, de super-heróis longas capas. Não precisamos de heróis, mas, de cidadãos conscientes dos seus papéis sociais, sobretudo, o de ser partícipe, através da mediação  de múltiplos e variados processos,  da gestão e do controle do próprio Estado.

 

A grande imprensa brasileira está, neste momento, extasiada com a bela história do menino pobre e negro que recentemente estou-se na curul de presidente do Supremo Tribunal Federal. Uma espanto, sim, para uns tantos desavisados; algo normal para quem vê esse fenômeno pela ótica republicana. Claro que o ministro Joaquim Benedito Barbosa Gomes é um vigoroso exemplo de superação pessoal, com arrimo do estudo e na perseverança. Contudo, nada rigorosamente excepcional ser ele alçado à condição de presidente da principal corte judiciária do país. Se ele é membro do STF e todos os seus colegas mais antigos já passaram pela presidência, pela lei esta seria a sua vez. Tudo como manda o figurino republicano e o normal funcionamento das instituições jurídico-políticas. Aliás, milhões de brasileiros tiveram, têm e terão trajetórias de superação pessoal que em nada deixam a dever ao exemplo do ministro Joaquim Barbosa. Sem, contudo, qualquer pretensão heróica.

 

Excepcional mesmo foi o que ocorreu naquele dia que já vai longe, no ano de 2003, quando o presidente da República, simples torneiro mecânico de profissão, resolveu nomear ministro do Supremo Tribunal Federal aquele jovem  e brilhante jurista negro. Está bem, alardearam que o ministro Joaquim Barbosa chegou ali por sua capacidade intelectual e não pela cor da pele. Ora, o ex-presidente Lula o nomeou cônscio de que ele preenchia os requisitos constitucionais da “notável saber jurídico e ilibada reputação”, todavia, buscou alguém de origem afro-brasileira para demarcar uma posição política de seu governo contra o preconceito deu cor e até mesmo a racismo ainda vivo na sociedade brasileira. Um belo e saudável  gesto republicano no rumo do reconhecimento da enorme dívida que herdamos da Estado escravagista no período do Império. Pelo que se tem visto e ouvido ultimamente,  Lula foi lastimavelmente incompreendido.