Com a apresentação da proposta orçamentária do estado para o ano que vem, um fato tornou-se ainda mais indiscutível: a governadora Rosalba quer, sem qualquer exagero, que o estado do Rio Grande do Norte definhe nas suas áreas sociais até o seu desaparecimento.
Secretaria Estadual do Trabalho, Habitação e da Assistência Social (SETHAS), Ministério Público, Defensoria Pública, Secretaria de Turismo, Fundação Estadual da Criança e do Adolescente, dentre outras entidades agraciadas pela política de conta gotas do Estado: todas vilipendiadas com contundentes cortes na proposta orçamentária de 2013, repetindo a tendência do ano anterior em sufocar as áreas-fins em prestígio das áreas de menor importância, a exemplo da Secretaria de Comunicação que, mais uma vez, teve um descabido e substancial aumento.
Irresponsabilidade
Os cortes são grotescos. O Procurador-Geral de Justiça, Manoel Onofre Neto, chegou a tachar o governo rosado de irresponsável pela injustificável redução no orçamento do Ministério Público. O coro é engrossado pelos representantes de todas as entidades financeiramente aleijadas pela governadora. A queixa é unânime: não é aberto nenhum espaço para o diálogo junto às categorias afetadas. Que o digam os agentes da polícia civil.
Não faltam exemplos emblemáticos acerca do exemplar destemor com que Rosalba vem fechando torneiras em desfavor de setores da sociedade que mais precisam do amparo estatal. A Fundação José Augusto, da qual não se tem notícias de um dia ter soltado o pires, teve os seus recursos diminuídos de 49 para 44 milhões. Situação melhor que a da SETHAS, secretaria de maior incidência social do governo, cuja diminuição foi de drásticos 63 milhões de reais (159 para 96 milhões, quase 40% a menos).
Seguindo o embalo da contenção dos investimentos, o orçamento da Secretaria de Turismo, nas vésperas da Copa do Mundo, teve uma redução de, simplesmente, 42% do seu orçamento: de 74 para 43 milhões. Somem-se estes valores à redução da SETHAS e teremos uma diminuição da ordem de quase 100 milhões em duas secretarias que são chaves no combate à exploração sexual de mulheres, crianças e adolescentes em nossa capital, serviço cuja demanda certamente aumentará em virtude do aumento de visitantes estrangeiros que aqui desembarcarão por ocasião da Copa.
A Fundação Estadual da Criança e do Adolescente, FUNDAC, responsável por gerir o deplorável sistema socioeducativo do estado, apinhada de termos de ajustamento de condutas descumpridos e com um quadro defasado de servidores, viu seu orçamento diminuído de 43 para 41 milhões de reais num momento onde se debate a possibilidade de uma drástica medida de intervenção em virtude da catastrófica gestão das unidades de internamento e medidas em meio fechado para os jovens em conflito com a lei do RN.
A Defensoria Pública, instituição de status constitucional voltada à população que não possui condições de contratar advogado, também foi vitimada pela sanha reducionista de governo, possuindo hoje, com folga, o menor orçamento entre todas as defensorias públicas estaduais do país. Atualmente, é composta por apenas 40 defensores públicos para todos os 167 municípios do Rio Grande Norte, estado onde 55% da população sobrevivem com menos de dois salários mínimos por mês.
Arrecadação recorde
Frise-se que tudo isso acontece em um momento onde a arrecadação do Estado é, simplesmente, de 23 milhões de reais por dia. A receita de apenas um dia, por exemplo, seria suficiente para resolver parte considerável dos problemas relacionados ao endêmico caos da saúde aprofundado ainda mais pelo atual governo. Aqui cabe uma informação pertinente: após dois meses da decretação de sua calamidade, apenas 2% das verbas previstas para a sua solução haviam sido aplicadas. O descaso levou a uma forte articulação de sindicatos e conselhos ligados a médicos e a profissionais da saúde que, em um encontro formal com governadora, levou-a a embargar a voz diante da incapacidade de se defender dos constrangedores fatos colocados em pauta.
Ocorre que, por alguma razão, a publicidade governamental não vem sofrendo as agruras da crise financeira do RN, muito pelo contrário: a proposta do Poder Executivo para a Assessoria de Comunicação no que tange ao ano de 2013 é do valor de 21.373.000,00 (vinte e um milhões e trezentos e setenta e três mil reais), aumentando, inclusive, se compararmos à vultosa proposta orçamentária para este ano, apresentada em 2011, onde houve um aumento de oito para dezoito milhões, valor que corresponde a 120% (sem contar, obviamente, com as emendas posteriores que deram uma ainda maior robustez às verbas publicitárias).
O tecnocrata
Em audiência na Assembleia Legislativa para discutir a situação financeira do Rio Grande do Norte realizada no último dia 13, o governo mandou seu Controlador-Geral, Anselmo Carvalho, para que desse as devidas explicações à escolha das prioridades orçamentárias e, consequentemente, à atual política de intensa austeridade destinada quase que exclusivamente às áreas sociais.
Contorcionismos argumentativos foram a marca das exposições do controlador, sempre entremeados por um financeirês ininteligível à maioria dos presentes, objetivando, sempre, conceber um evidente escopo técnico aos cortes, retirando-lhes o viés político que grita vulgarmente a cada centavo retirado das áreas de incidência social que perfazem a estrutura orgânica estatal. No afã de justificar o injustificável, tentou o Sr. Anselmo, a título de exemplo, dar uma explicação eminentemente técnica ao fato do governo não ter contemplado com maiores investimentos as áreas aqui mencionadas, penalizadas com este projeto político de brutal diminuição do estado pelo qual o RN vem passando. Jogou a responsabilidade nas costas do governo federal, que diminuiu o IPI e arrecadação do RN. O fato foi prontamente rebatido pelo deputado Fernando Mineiro: a arrecadação de fato IPI diminuiu, mas a previsão que o estado projetou para a do ICMS no ano de 2012 já foi atingida no mês do outubro, compensando os valores não arrecadados.
O tecnocrata talvez não perceba, mas seu fetiche em “tecnicizar” as escolhas em investimentos do gestor público, reduzindo a discricionária subjetividade do administrador a nuances supostamente técnicas, mecanizadas e incontornáveis, trata-se de uma estratégia de viés ainda mais político e ideológico que a própria escolha das prioridades pelo gestor: a de defender caninamente as maiores aberrações dos governos e, sobretudo, dos projetos e programas aos quais se vinculam. Eis a função maior do tecnocrata, embalar o indefensável com um colorido invólucro de natureza técnica, fazendo soar crível que se gaste mais com propaganda que com nossas crianças e adolescentes. Tarefa mais inglória, impossível.