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Adeus ao “Deus seja Louvado”: A religião e o dinheiro

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As religiões em geral e o cristianismo em particular nunca mantiveram uma boa relação com o “vil metal”. O dinheiro foi, desde muito, fonte de grande desconfiança pelos religiosos; seu poder e sedução sobre os homens, sua capacidade de corrupção e de gerar divisões, seu caráter de ídolo… Pensando bem, religião e dinheiro não seriam assim tão diferentes; ambos exercem forte fascinação sobre os homens, geram guerras e divisões, são objetos de culto, etc., mas não é isso que quero explorar. O importante é que a religião, notadamente o cristianismo, nunca foi lá tão simpática ao dinheiro. Enxergava neste último algo de profano e perigoso, até mesmo de rivalizador.

Nesse sentido, parece-me particularmente estranho e contraditório o fato de religiosos, católicos e evangélicos, protestarem e incomodarem-se contra a retirada da frase “Deus Seja Louvado” das notas de Reais, pedido pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo na semana passada. Afinal, não foi Jesus, num gesto de revolta, que expulsou enfurecidamente os mercadores e cambistas que haviam transformado o Templo, “uma Casa de Oração” em uma “casa de negócios”, numa “caverna de ladrões”? Também o mesmo Jesus, sendo testado e tentado, acerca de se era ou não lícito pagar tributo a César, afirmou, apanhando uma moeda e mostrando a esfinge; “Dai, pois, a César, o que é César, e a Deus, o que é de Deus”.

Apesar das controvérsias da ostentosa Igreja Católica, da teologia da prosperidade e das igrejas caça-níquéis, de um modo geral, para a religião, ou melhor, para fé e a retidão das pessoas na doutrina, o dinheiro sempre representou uma ameaça corruptora, capaz de desviar ou tornar-se um obstáculo ao crente no caminho da salvação. Por isso, disse Jesus: “Que é mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”. Como sabemos, historicamente, o catolicismo condenava a usura, o lucro ao passo que o protestantismo calvinista condenava a ostentação gratuita, o perdulário e esbanjador, preferindo manter em relação ao dinheiro uma atitude ascética, discreta e poupadora.

Portanto, retirar o tal “Deus seja Louvado”  significa, a meu ver, não somente prestar um excelente serviço em favor do Estado Laico, como também prestar um grande serviço às religiões em favor da coerência quanto às suas raízes históricas e dogmáticas. Na verdade, como se vê, os cristãos deveriam agradecer em vez de espernear.

Mas, para além dos temores e condenações religiosas, por que a religião manteve uma relação tão ambígua com o dinheiro? E por que espernearam os cristãos contra a queda do “Deus seja louvado” nas notas? Ora, o dinheiro, sobretudo na modernidade, é o único ser que, por seus atributos próprios, assemelha-se a Deus. Como o Todo Poderoso, o dinheiro também é onipotente e onipresente; nada escapa de sua mediação e tudo faz possível. O dinheiro é capaz de apresentar-se aos homens como meio de salvação e conforto, como entidade ao mesmo tempo concreta e transcendente capaz de redimir e elevar os afortunados que o tem e de condenar os desafortunados à miséria.

Tal como Deus, o dinheiro é um artefato criado pelos humanos e que, pela mistificação, logrou tal força sobre as vidas humanas que ganhou vida própria, tornando-se não apenas independente da humanidade mas mais poderosa do que ela. Deus e o dinheiro são fontes de sentido para o mundo, atrás de ambos correm, matam e morrem os homens.

Da mesma maneira que Deus, também o dinheiro usufrui de uma força divina, já dizia Karl Marx nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos; ele pode realizar tudo aquilo que o homem como homem, por suas forças e capacidades próprias não pode realizar por si mesmo. “Sou feio, mas posso comprar para mim a mais bela mulher… Eu sou coxo, mas o dinheiro me proporciona vinte e quatro pés…”.

No entanto, o dinheiro possui uma vantagem em relação Deus, qual seja; ele é uma divindade mais visível e palpável. Na verdade, o dinheiro substituiu Deus ao ponto do outrora Todo Poderoso ter de, no mundo moderno, encontrar o seu lugar no seio de outra divindade, o dinheiro. É isto que atesta a expressão “Deus seja louvado”. Deus passa a existir nesta outra divindade, mais humana e mundana, que é o dinheiro.

A revolta dos cristãos com a retirada da frase não é tanto pelo laicismo ou pelos seus privilégios, por tanto tempo tolerados e intocáveis, estarem sendo agora questionados e revisto pelo Estado. Mas sim porque Deus, o “seu” Deus perdeu o lugar no mais poderoso deus, o único capaz de, na fraturada e dividida modernidade, constituir a unidade do mundo, o dinheiro.