O descrédito da classe política é tão grande que não é tarefa rara fazermos incursões no passado a fim de pescar algum alento muitas vezes surpreendente.
Lá pelo ano de 1927, Graciliano Ramos foi eleito – meio que a contra gosto – prefeito de Palmeira dos Índios, cidade do interior de Alagoas.
Sua administração à frente da prefeitura ficou marcada pela austeridade fiscal e probidade com o dinheiro público, pela realização de obras viárias importantes, pelo zelo com a limpeza da cidade, mas principalmente pelos relatórios enviados ao Governador do Estado de Alagoas, Alvaro Paes, dando conta das atividades realizadas pela prefeitura nos anos de 1928 e 1929.
O estilo dos relatórios passa longe da burocracia estatal. Os textos constituem-se em verdadeiras peças literárias, mostrando desde aquela época que ali já existia um escritor talentoso, que futuramente iria nos brindar com obras como Vidas Secas, S. Bernardo, Caetés, Angústia e etc.
Vale salientar que naquele momento Graciliano ainda não havia publicado nenhum dos seus livros, razão pela qual aquele prefeito do interior de Alagoas surpreendera a todos com o estilo elegante da redação dos relatórios, além da própria iniciativa de expor minuciosamente as atividades anuais da prefeitura.
A qualidade dos textos é tão surpreendente que logo passaram a circular nos meios literários, chegando até as mãos do famoso editor carioca, Augusto Frederico Schimdt. Espantado, o editor deduziu que aquele prefeito era na verdade um escritor de grande talento. De fato. Graciliano já tinha na gaveta seu primeiro romance, Caetés. Os relatórios, portanto, foram a forma de entronização de Graciliano no meio literário.
E foi assim que se encerrou a curta carreira política de um homem honesto, de um prefeito diferente, tão em falta nos dias de hoje. Por sorte sua inteligência foi servir à literatura, que o consagrou como um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos.
Segue abaixo um trecho dos relatórios ao governador de Alagoas Alvaro Paes.
CONCLUSÃO
Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis.
Evitei emaranhar-me em teias de aranha.
Certos indivíduos, não sei por quê, imaginam que devem ser consultados; outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem impostos.
Não me entendi com esses.
Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anônimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem como assunto invariável; há quem não compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal; há até quem pretenda embaraçar-me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras dos caminhos.
Fecheis os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas.
Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.
Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.
Não me fizeram falta.
Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade. Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
Graciliano Ramos