Por Homero de Oliveira Costa/professor Ciência política/UFRN
Uma das características mais marcantes das recentes eleições foi o agravamento da perda de identidade dos partidos políticos. A expressão maior desta afirmativa foram as mais diferentes (e disparatadas)coligações eleitorais – sem qualquer princípio programático ou ideológico,movidas fundamentalmente por interesses locais e expressaram, mais uma vez, as fragilidades e contradições do sistema partidário e eleitoral brasileiro.
Vejamos alguns dados sobre coligações em eleições para prefeito de algumas cidades. Em Natal, o candidato vitorioso foi Carlos Eduardo do PDT, cuja coligação “União por Natal” teve o PC do B, PRB, PTN, PPS, PHS, PPL e PSD, enquanto o PMDB (“Natal merece respeito”) se coligou com o PSC, PR, PMN, PRTB, PTC, PP e PSDC. O PT concorreu sozinho. No entanto, em Parnamirim,os três estavam juntos na coligação “Vitória da continuidade” do candidato do PDT, Mauricio Marques (reeleito), com mais 12 partidos:PRB-PPS-PSDC-PRTB-PHS-PMN-PSB-PRP-PPL-PSD-PC DO B e PT do B.
Em João Pessoa, a coligação “Para Seguir emFrente” (Estelizabel Bezerra do PMDB) tinhaDEM, PDT, PSB, PV, PRP, PTN e PSD. E o candidato (vitorioso) do PT na coligação “Unidos por João Pessoa”,se coligou com o PPS e PRB (que em Natalapoiaram o candidato do PDT), o PP e PSC (que em Natal apoiaram o candidato do PMDB), enquanto que a coligação “Por amor a João Pessoa” (Cícero Lucena, do PSDB) tinha o PSL, PTN, PSC, PSDC, PRTB, PHS, e PT do B.
Em Recife,a coligação “Para Recife Seguir Mudando”, o PT fez uma coligação com o PP-PSDC-PHS, enquanto a”Frente Popular de Recife” do candidato (vitorioso) Geraldo Júlio foi formada por 14 partidos(PSB, PC do B, PTB, PSD, PR, PV, PMDB, PTN, PSC, PRP, PRB, PDT, PSL e PTC).
Em São Paulo, oPSD, do prefeito Gilberto Kassab, que é da base aliada do governo federal, apoiou a candidatura de José Serra (PSDB) contra o petista Fernando Haddad. Ao mesmo tempo, o partido foi aliado do PT em Campinas, cujo candidato foi derrotado pelo aliado em São Paulo, o PSB (que também é aliado do governo em âmbito federal)e em Guarulhos, no 1º. Turno, o PT se coligou com o PRB,PMDB, PSL, PTN, PSC, PR, PRTB, PHS, PSB, PRP, PPL, PSD e PC do B e no 2º turno, contou com adesão do DEM e do PP.
Em Curitiba,Gustavo Fruet, do PDT, da coligação “Curitiba quer mais” (PDT-PT-PV) disputou (e venceu)o segundo turno (contra Ratinho Jr., do PSC) que tinha na coligação o PC do B, PR e PT do B.
Em Porto Alegre, os candidatos das principais coligações eram todos da base aliada do governo Dilma Rousseff, ou seja, PDT, PT e PC do B. o candidato vitorioso foi José Fortunati o do PDT(reeleito em primeiro turno) cuja coligação “Por amor a Porto Alegre”,tinha o PRB-PTB-PMDB-PTN-PPS-DEM e PMN. O PC do B, da segunda colocada, Manuela D’Ávila, da coligação ”Junto por Porto Alegre”, tinha o PSC-PHS-PSB e PSD e o PT de Adão Villaverde fez coligação com o PR-PTC-PV-PPL-PRTB e PT do B (e cada município fez coligações completamente distintas).
Esses são apenas alguns exemplos (que se multiplicamnas coligações para eleições proporcionais) que mostram a mais completa ausência de coerência programático-ideológica dos partidos políticos.
Se para alguns analistas há aspectos positivos, como maior liberdade de escolha dos eleitores e mais autonomiados partidos em Estados e municípios, ou seja, uma descentralização em relação às direções nacionais, o lado negativo, é um grande número de partidos,que leva à fragmentação partidária, com coligações feitas sem qualquer principio programático.
Os críticos do sistema eleitoral e partidário, tanto na sociedade civil, como no Congresso Nacional, têmapresentado, ao longo dos anos, um conjunto de propostas alternativas. O relatório da mais recente Comissão Especial de Reforma Política, apresentado pelo deputado Henrique Fontana (PT/RS) em março de 2012, propõe a transformação das atuais coligações partidárias, em Federações. Na proposta do relator, durante os três primeiros anos de mandato, os partidos coligados nas eleições proporcionais (vereador, deputado estadual, distrital e federal) ficam obrigados a atuar como se fossem uma única agremiação partidária. O projeto não muda as regras de coligações para eleições majoritárias. A lei em vigor possibilita que as coligações sejam feitas nas eleições proporcionais para que os partidos possam somar votos e assim atingir o chamado quociente eleitoral (número mínimo de votos necessários para eleger um candidato). A Proposta da Comissão é que as federações devem ser registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com abrangência nacional ou estadual. Os partidos podem ingressar em federações distintas em diferentes estados do País. Dentro do mesmo estado, contudo, uma vez constituída a federação estadual, em todas as eleições que disputarem pelos próximos três anos, os partidos federados devem estar aliados. Para o relator “É uma espécie de coligação mais forte e programática que respeita a vontade do eleitor de forma perene, enquanto dura seu voto”. Para ele a mudança dá mais estabilidade ao sistema político-partidário,porqueobriga os partidos a ter programas mais sólidos – e, na prática, “pode desestimular as coligações ocasionais e por conveniência”.
O problemanão é apenas o fim das coligações nas eleições proporcionais, mas a necessidade de uma mudança mais ampla no sistema partidário e eleitoral do país. O que existe é uma crise mais geral dos partidos políticos. Para Tarso Genro “A crise dos partidos não se origina (…) de “traições” de líderes políticos, mas ocorre principalmente pela redução da força constitutiva de todas as decisões na órbita da política. A política perde a capacidade de incidir sobre o já decidido no mundo das finanças, se as suas propostas não estiverem – inclusive as mais elementares – pelo menos em acordo com os caminhos oferecidos pelo poder do capital financeiro, a saber: os grandes bancos, as agências de risco, os bancos centrais”. Para ele, areforma política, estabelecendo o financiamento público das campanhas, é o único antídoto à vista para esta situação crítica.(“Crise dos partidos no ajuste neoliberal”, Carta Maior, 25/11/2005).
De fato, uma reforma política ampla, que não se restrinja apenas a instituir o fim das coligações em eleições proporcionais e o financiamento público de campanhas, mas também um conjunto de propostas que poderiam, em princípio, contribuir para melhorarnão apenas a qualidade da representação política, mas o fortalecimento dos partidos políticos. Propostas, portanto, existem. O Problema tem sido ao longo do tempo, o Congresso Nacional votar e, nesse sentido, tem prevalecido o pessimismo de que isto possa ocorrer com a sua atual composição.