Search
Close this search box.

UFRN, Internamento e Autoritarismo

Compartilhar conteúdo:

Em tese, a universidade deveria ser o último lugar em que o autoritarismo encontraria abrigo. Na verdade, ela é, ou deveria ser, a instituição por excelência a combatê-lo. Pois sua vocação na lida com os conflitos e contradições internas é sempre pela via das alternativas da palavra ao invés das alternativas da força. É por isso que a universidade é uma instituição de cultura e civilização mais do que de uma instituição de ordem e força. Mas, quando a universidade abdica, por razões políticas diversas, dessa sua vocação – ideal – da palavra e do diálogo para empunhar as armas do poder e da imposição, ela deixa de promover cultura e civilização, e passa, assim, a promover barbárie e autoritarismo.

O autoritarismo em que a UFRN incidiu não desfila apenas na militarização do espaço físico do campus com suas cercas, câmeras, cancelas e seguranças armados. Ele transparece de forma igualmente violenta e crua no comportamento que a reitoria pode está dispensando às vozes dissonantes e questionadoras. Por exemplo, há alguns meses, foi instalado uma sindicância contra professores de engenharia que ousaram criticar os absurdos pedagógicos e curriculares do curso de C&T.

Recentemente, tivemos mais um grave e, ainda controverso episódio desse autoritarismo, o qual, ao que tudo indica, sugere se não a participação direta ou indireta da reitoria, ao menos a atuação dúbia da Universidade. Trate-se dessa vez dum internamento de um aluno numa instituição psiquiátrica.

Estudante da pós graduação da UFRN teria sido levado ao Hospital João Machado, segundo relatos dos próprios funcionários da instituição, num dos carros da segurança patrimonial da UFRN. Ocorre que, por conta do desentendimento envolvendo segurança e alunos na madrugada de 28 de setembro em que um dos seguranças disparou contra um dos estudantes, desde então o aluno internado vinha denunciando e cobrando providências da reitoria acerca do ocorrido. Inclusive, solicitando que a universidade cancelasse o contrato com a empresa de segurança do campus.

Em circunstâncias ainda nebulosas, o estudante foi abordado no Bosque dos Namorados, e de lá internado no Hospital João Machado. É preciso indagar, com veemência, a respeito do que a reitoria sabe sobre o fato e como ela atuou, junto à família e outros órgãos, na decisão, autorização e efetivação da internação do aluno. A adoção de tais práticas policialesca e estigmatizantes não devem ser apenas alvos de repúdio mas de protestos, investigação e prestação urgente de esclarecimentos à comunidade acadêmica e geral.

Seja o que o aluno tenha feito ou dito que faria em relação à reitoria nada justifica uma medida tão drástica, desproporcional, violenta e estigmatizadora. Há várias outras medidas legais mais eficazes, humanas e razoáveis que poderiam ser tomadas, caso houvesse real necessidade de segurança ou preservação de algum membro da reitoria.

A mobilização de recursos e de pessoal posta em marcha pela Universidade e por outros órgãos na operação sugere a existência de algum forte incômodo, preocupação e interesses. Mais do que boa vontade ou generosidade em assistir o aluno, tal empenho, ao que parece, indica a suposta existência de algum fundo político no processo que culminou na internação do estudante.

A segurança da UFRN, que já atirou nas dependências da Universidade, teria poder de polícia e de prisão dos discentes? É polícia manicomial também agora e prende fora de suas dependências? Se de fato ocorreu o uso da guarda para supostamente calar um aluno, que denunciava a falta de preparo dos contratados e apontava superfaturamentos na relação entre a UFRN e a empresa contratada isto não pode passar impune e sem investigação. Merece toda a mobilização do corpo estudantil, dos professores, funcionários, enfim, de toda a universidade.

O fato concreto e incontroverso que temos é que um aluno encontra-se internado em circunstâncias que precisam ser devidamente explicadas – lançando luz em todo o processo que confrontou estudante e reitoria. Somente mediante a reconstrução completa dessa processo, e de todos os seus participantes, pode-se verificar até que ponto, e se houve ou não participação e abuso por parte da Universidade e de outros poderes e instituições envolvidas. A suspeita de alguma motivação política para o silenciamento do aluno em virtude das denúncias que este realizava contra a reitoria é outra hipótese que precisa ser devidamente examinada.

No entanto, se, por um lado, questionamentos e mobilizações são, nesse momento tenebroso, urgentes e imprescindíveis. Por outro, a saúde emocional do aluno e da família não devem ser submetidas, expostas ou prejudicadas em razão dos protestos por esclarecimentos e pela luta política – e dos interesses e questões em disputa. Preservemos o estudante e sua família, o foco da crítica e da ação política é a universidade (Reitoria) e na universidade. É dela que devemos cobrar explicações.

Quando em todo mundo a prática do internamento e a instituição do hospital psiquiátrico – o manicômio – são duramente questionadas, criticadas e substituídas por outros modelos de tratamento e assistenciais, a UFRN não pode, de modo algum, num suposto uso político, ilegítimo e arbitrário, enveredar pelos caminhos fascistas da exclusão do outro e das instituições de sequestro da vida. Que isso parta de uma instituição – supostamente – da lucidez e da razão torna tudo ainda mais lamentável e revoltante, embora não surpreendente – pois em nome dos decretos da razão se cometeu os atos mais irracionais.

Assumir um padrão policialesco – e, agora, manicomial – expõe mais que um autoritarismo no qual a UFRN estaria abraçando; conduzem-na, com efeito, a uma situação em que ela deixa de cumprir seu papel de uma instituição exemplar e de vanguarda civilizatória para o conjunto da sociedade para ser uma instituição reacionária e deseducadora. Se a contestação e o questionamento não tiverem lugar numa universidade, de que então esta última servirá para o restante da sociedade?

De todo modo, esperamos, primeiro, que a melhor solução para a saúde do estudante e da família seja o mais rapidamente definida pelas pessoas diretamente envolvidas. E, por outro lado, esperamos, também, que os pontos controversos em toda essa história sejam devidamente apurados e esclarecidos.

Conselho Editorial Carta Potiguar